- O Globo
O Ministério da Economia poderia ser acusado de estar fazendo contabilidade criativa, por isso recuou da decisão de transferir o dinheiro do Bolsa Família para a comunicação do Palácio do Planalto. Eram R$ 83,9 milhões, mas a manobra poderia liberar para outros gastos pelo menos R$ 6 bilhões em três meses. Foi assim: o governo usou o dinheiro do auxílio emergencial e pagou o Bolsa Família. Com isso “sobraram” recursos para usar como quisesse. Como escrevi na segunda-feira, no meu blog, as fontes que ouvi disseram que não era ilegal, mas que no mínimo era um erro técnico.
O auxílio emergencial foi pago com crédito extraordinário pedido ao Congresso para essa finalidade. O orçamento do Bolsa Família oscila entre R$ 2,4 bilhões e R$ 2,5 bilhões por mês. Em abril, foram gastos apenas R$ 113 milhões. Ao pagar os beneficiários do Bolsa Família com os recursos do auxílio, o governo ficou com mais liberdade para gastar dinheiro do orçamento. Mas isso misturava despesas obrigatórias com gastos emergenciais aprovados dentro do estado de calamidade.
O argumento do Ministério da Economia foi que os beneficiários do Bolsa Família tiveram o direito de optar por receber o benefício mais alto. O que me explicaram no Congresso é que sim, eles puderam optar, até pelas mudanças feitas no próprio parlamento. O problema é que o governo poderia ter usado o orçamento para pagar o valor normal, e complementado com os recursos extraordinários.
— Isso permitiria a eles pedir um valor um pouco menor de crédito extraordinário. Eles que se preocupam tanto com o crescimento da dívida. Isso é dívida — disse uma fonte do Congresso.
A contabilidade escolhida produziria uma série de ruídos. O primeiro foi o valor de R$ 83,9 milhões para o setor de comunicação do Planalto. De acordo com a nota do Ministério da Economia, “o reforço da dotação advém da solicitação da Presidência da República para recompor seu orçamento”. O dinheiro iria para “ações de comunicação e de campanhas publicitárias de caráter educativo, informativo e de orientação do cidadão”. É, pode ser. Mas esse setor dirigido pelo secretário Fábio Wajngarten está sempre envolvido em controvérsias.
Isso era só o começo. A decisão de pagar despesa fixa com crédito extraordinário abriria um “espaço orçamentário que poderá ser utilizado para o atendimento de outras despesas da União”, segundo a nota de ontem do Ministério da Economia. Ou seja, do ponto de vista da comunicação, também foi péssimo. Cada vez que fosse liberado algum gasto tendo como fonte o dinheiro do Bolsa Família haveria reação.
Mas o que acendeu a luz vermelha no governo foi o movimento do Tribunal de Contas da União para entender o que estava acontecendo. Quatro anos depois da queda de uma presidente por pedaladas fiscais, esse manejo das contas poderia ser entendido como contabilidade criativa. E isso ganharia força no debate político.
O presidente Bolsonaro está às voltas com várias investigações. Neste momento, há o inquérito por suspeita de interferência na Polícia Federal. O presidente conta com a colaboração do Procurador-Geral da República para se livrar das suspeitas de cometimento de vários crimes. O inquérito das fake news, cuja investigação será compartilhada com o TSE, se aproxima de pessoas ligadas ao presidente. Há ainda o inquérito das manifestações antidemocráticas das quais ele tem participado. Bolsonaro tem também contra si a trágica administração da pandemia. Ontem, de novo ele deu demonstrações de alienação total da realidade:
— Ninguém morreu por falta de UTI e respirador. Quem morreu não foi por falta de leito. Muitos faleceram, no futuro poderá se comprovar, por não usar a hidroxicloroquina — disse Bolsonaro.
A esta altura dos acontecimentos, com 38.497 mortos, o presidente é capaz de afirmar algo que contraria todos os fatos. O Ministério da Saúde tentou manipular os números de mortos e foi obrigado a recuar pelo Supremo Tribunal Federal.
Com tanta confusão, o governo preferiu não correr risco de ser acusado de pedalada fiscal. Era só mesmo o que faltava. Por isso, apesar do que disse na nota técnica de segunda-feira, o Ministério da Economia preferiu suspender o repasse para a comunicação da presidência.
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