quarta-feira, 1 de julho de 2020

Programas de emergência chegam até os mais pobres – Editorial | Valor Econômico

Governo tem chance de acertar no pós-covid-19 robustecendo programas de renda que deem sustentabilidade à recuperação e sejam fiscalmente viáveis

Há poucas coisas comparáveis em magnitude à mobilização de recursos do governo brasileiro para enfrentar a depressão econômica, assim como há poucos episódios na história recente que possam se comparar à capacidade de destruição do novo coronavírus. Apesar dos regateios do ministro da Economia, Paulo Guedes e improvisação, os programas de assistência à renda, preservação de empregos e diferimento de impostos movimentaram R$ 289 bilhões. Ainda assim, o PIB deverá encolher 6,4% no ano, na previsão do Banco Central e de grande parte dos economistas.

Guedes estimou ontem as despesas em R$ 1 trilhão, ao qual se chega com a liberação de compulsório e expedientes para liberar capital para empréstimos dos bancos, medidas de apoio vitais. Os gastos do Tesouro até junho indicavam R$ 211 bilhões em despesas realizadas, ante uma previsão de total R$ 402,4 bilhões. Nas contas do Tesouro de maio constam ainda R$ 68,9 bilhões de adiamento de receitas com diferimento de impostos e redução do IOF.

O governo anunciou ontem que os dois programas que trazem dinheiro diretamente ao bolso dos trabalhadores, formais ou não, serão prorrogados por mais dois meses. O auxílio emergencial a todos que perderam ou estão sem renda, receberá pelo menos mais duas doses de R$ 600, além das três em curso. O gasto extra deve ser de R$ 104 bilhões. O benefício emergencial, para repor parte do corte de salários e preservar empregos, será prorrogado. Sua execução, segundo dados do Tesouro, consumiu R$ 13,4 bilhões até junho, diante de previsão de gastos de R$ 51,4 bilhões.

Mesmo em tempos de crise, nunca houve uma rede de proteção dessas proporções, embora os riscos humanitários, econômicos, políticos e sociais sejam também superlativos. E, pela primeira vez, os programas contemplaram os informais, que sempre ficavam ao relento por não se enquadrarem no seguro-desemprego.

Há 11,5 milhões de trabalhadores formais atingidos pela redução de salários e protegidos do desemprego pelo tempo equivalente ao corte da jornada. A estimativa é que o Benefício Emergencial abrangesse 25 milhões de trabalhadores. Uma parte das empresas preferiu não garantir a estabilidade diante da incertezas da duração da crise e do comportamento da demanda no pós-pandemia. Dos que estão no programa, metade (5,4 milhões) estão com contratos suspensos e mais 2,7 milhões com cortes expressivos de 50% até 70% nos salários.

O auxílio emergencial foi muito mais longe e, segundo o IBGE, chegou de fato aos mais pobres. A Caixa Econômica informa que pagou o auxílio a 64 milhões de pessoas. O IBGE seguiu o destino do dinheiro.

Em maio, a pesquisa mostrou que 38,7% dos domicílios existentes no país (68 milhões) receberam o benefício. Neles habitam 94 milhões de pessoas onde pelo um morador o recebeu. Em torno de 55% dos domicílios das regiões mais pobres (Norte e Nordeste) foram atendidos. Em todos os Estados, a renda per capita superou a do período anterior à pandemia, isto é, houve aumento de renda dos mais pobres. Igualmente importante, 76% do dinheiro distribuído atingiu os 50% mais pobres e 53% dele os com renda até R$ 348,83.

A sustentação pelo Estado, com déficit primário que pode chegar a 10% do PIB (cerca de R$ 700 bilhões) reduziu em muito a pobreza e elevou a renda de boa parte dos pobres. Há um pouco de otimismo, no entanto, em dizer que os gastos do Estado supriram a perda de renda. A massa salarial caiu de R$ 192,9 bilhões para R$ 157,9 bilhões em maio, recuo de R$ 35 bilhões. Ontem, Paulo Guedes disse que o Brasil realizou a proeza de elevar a massa salarial desde o início da pandemia, o que seria um feito - se fosse verdade. O que subiu foi o rendimento médio real dos ocupados, para R$ 2.460, o que indica que os empregadores retiveram a força de trabalho mais qualificada, que ganha mais. Na Pnad Contínua, a massa recua de R$ 217,5 bilhões para R$ 206,6 bilhões no trimestre até maio.

Nas contas não se inclui a destruição em massa de capital pelo fechamento de empresas, em especial pequenas e médias. O impulso bilionário de proteção, inédito nessa dimensão, dá melhores condições para a retomada. Ela não será rápida, porém. Os benefícios deixarão de existir em breve, com a economia ainda em frangalhos e a pandemia à espreita. Se o governo errou miseravelmente no combate ao coronavírus, tem a chance de acertar no pós-covid-19 robustecendo programas de renda que deem sustentabilidade à recuperação e sejam fiscalmente viáveis.

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