- Folha de S. Paulo
Em períodos de crise as pessoas reduzem seu apetite pelo aventureirismo
Qual o efeito da pandemia sobre os humores do eleitorado? A julgar por sinais que vão pipocando aqui e ali, não é absurdo esperar um refluxo da onda antissistema que, nos últimos anos, varreu várias democracias, levando à eleição de líderes populistas de direita.
E quais são esses sinais? Na Polônia, o presidente nacionalista Andrzej Duda, que esperava uma reeleição tranquila, ficou aquém dos 50% e terá de enfrentar um segundo turno contra o liberal Rafal Trzaskowski. A não vitória de Duda representa uma derrota para o PiS, o partido que vem esticando a corda da democracia polonesa.
Nos EUA, pesquisas de intenção de voto pintam um quadro cada vez mais difícil para a reeleição de Donald Trump, que, antes da pandemia, era visto como candidato com grande chance de permanecer mais quatro anos no cargo.
Aqui no Brasil, a aprovação ao governo de Jair Bolsonaro segue estável em níveis baixos (32%), mas o que chama mesmo a atenção, como mostrou o Datafolha, é o apoio inédito dos eleitores à democracia (75%) e a outros marcos civilizacionais, como a rejeição à tortura.
É preciso cautela ao tentar inferir tendências políticas com alcance global, em especial quando se utilizam dados cheios de ruído, como resultados eleitorais discretos e pesquisas de opinião. Ainda assim, creio ser possível vislumbrar a formação de uma onda mais pró-institucional.
É normal que, durante períodos de crise, quando a incerteza aumenta muito, as pessoas reduzam seu apetite pelo aventureirismo e recorram ao que já funcionou no passado, sejam partidos políticos, seja o saber técnico. É alvissareiro, nesse sentido, o forte aumento do prestígio de especialistas constatado pelo Datafolha. Em 2014, apenas 13% dos brasileiros achavam que técnicos deveriam ser ouvidos pelo governo antes de decisões importantes. Agora são 42%.
É claro que é possível que tudo isso não passe de "wishful thinking".
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