- Valor Econômico
Destino de Flávio Bolsonaro entra no radar dos Poderes
O destino político do senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) entrou de vez na agenda do Legislativo e do Judiciário. Nos últimos dias, virou assunto de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), integrantes do Ministério Público e parlamentares. Sob a ótica governista, ataca-se o “filho 01” para atingir o presidente da República e desestabilizar o Executivo. Defendê-lo, portanto, é também proteger o próprio governo.
Essa visão transformou as apurações sobre denúncias de “rachadinha” na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, um caso paroquial que revela algumas das tristes características da política brasileira, numa matéria capaz de afetar a relação entre os três Poderes. Num cenário extremo, até prejudicar o atual momento de relativa estabilidade institucional.
Brasília vive hoje um período de trégua. Um armistício há tempos demandado pelos aliados e auxiliares mais experientes do presidente, mas que só ganhou forma depois da prisão de Fabrício Queiroz.
O ex-assessor do senador foi encontrado no interior de São Paulo há cerca de duas semanas. Estava na casa do advogado Frederick Wasseff, que é ligado à família Bolsonaro e fazia a defesa do parlamentar no caso das chamadas “rachadinhas” da assembleia fluminense.
O primogênito do presidente da República é investigado pelos crimes de peculato, lavagem de dinheiro e organização criminosa por supostos desvios de salários de funcionários de seu gabinete quando era deputado estadual. Não foi condenado e, portanto, mantém a ficha limpa. Pode insistir no discurso de que querem atacá-lo para atingir seu pai e o governo, apesar das incertezas relacionadas ao caso.
Ainda estão turvas as explicações de Wasseff sobre as motivações que o levaram a manter Queiroz sob seus cuidados pessoais, longe da sociedade e mais longe ainda dos olhos dos investigadores. Estão mais nítidos, por outro lado, os sinais emitidos pela esposa de Queiroz, que está foragida, de que poderia ter interesse em fazer uma delação premiada.
O episódio alterou o comportamento do presidente. Ele tem evitado contatos com a imprensa e com os apoiadores que insistem em esperá-lo na portaria do Palácio da Alvorada. Dias antes da prisão de Queiroz, pessoas não alinhadas ao governo foram ao local até então ocupado apenas por bolsonaristas para contestá-lo - uma moda que tinha tudo para pegar e gerar seguidos constrangimentos ao chefe do Executivo, diante da prisão do antigo aliado.
Se a sua disposição para o embate público diminuiu, aumentou nos bastidores o empenho de Bolsonaro para recompor as relações com as cúpulas do Parlamento e do Judiciário. E é justamente no Supremo Tribunal Federal (STF) onde o presidente e seu grupo político-familiar encontram hoje maior imprevisibilidade.
Enquanto deputados e senadores se esforçam para votar um projeto de lei que busca combater a disseminação de “fake news” a contragosto do governo, o STF já foi além e identificou entre aliados do presidente alguns dos responsáveis pelo financiamento e pela publicação de mensagens de ódio e notícias falsas na internet. Um outro inquérito em andamento na Corte também alcançou apoiadores de Bolsonaro quando se foi procurar quem estava por trás da realização de atos antidemocráticos.
Já a Justiça Eleitoral começou a julgar as ações que, em tese, podem levar à cassação da chapa vitoriosa da eleição de 2018. Independentemente do resultado desses julgamentos, algum recurso acabará sendo protocolado no STF.
Todos esses fatores já estavam no cálculo do presidente e o preocupavam. Agora, no entanto, o cenário se agravou.
Não tardou para que o caso de Flávio chegasse ao Supremo. Na segunda-feira, o Ministério Público do Rio de Janeiro (MP-RJ) pediu que seja revertida a decisão do Tribunal de Justiça do Rio (TJ-RJ) que concedeu foro privilegiado ao senador. A demanda é que ele volte a ser julgado pela primeira instância, o que já teve ressonância entre os integrantes da Corte que mantêm a visão segundo a qual a prerrogativa de foro deve ser aplicada apenas a crimes cometidos durante o exercício do mandato e relacionados às funções desempenhadas.
O caminho de Flávio parece um pouco mais fácil no Congresso, onde o governo está tendo sucesso em construir uma base aliada e tem poder de barganha para atingir seus objetivos com mais facilidade quando está disposto a negociar.
Bolsonaro decidiu abrir as portas do governo para os partidos do Centrão. Emissários do Executivo também já não se preocupam mais em esconder que o governo tentará, sim, influenciar as eleições para presidente da Câmara dos Deputados e do Senado, pois quer aliados fiéis à frente das Casas Legislativas.
As disputas ocorrerão apenas em fevereiro do ano que vem, mas os pré-candidatos já se movimentam. Terão diversos testes à frente durante votações de interesse do governo e precisarão dar demonstrações de combatividade para proteger Bolsonaro e sua família.
O tratamento dado aos filhos do presidente é um critério que será observado no Palácio do Planalto, onde até agora não há motivos para queixas. Flávio não foi incomodado pelo Conselho de Ética do Senado e a tendência é que assim continue, caso não ocorra um considerável agravamento da sua situação no âmbito do processo na Justiça. O colegiado é presidido por um aliado do presidente da Casa, Davi Alcolumbre (DEM-AP), que foi eleito com apoio do governo e precisará continuar com esse respaldo para alterar a Constituição se quiser concorrer a um novo mandato.
Na Câmara, diversos pré-candidatos à presidência, todos eles influentes em suas bancadas e entre correligionários do Senado, prestigiaram Flávio Bolsonaro em um jantar promovido recentemente por seu partido para demonstrar o apoio que o Centrão lhe dará nesta fase difícil da vida.
Espera-se a mesma eficiência do governo na articulação para a aprovação de projetos que continuem a reduzir os efeitos da crise e construam uma agenda de saída para o pós-pandemia. Isso se a trégua durar.
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