quarta-feira, 1 de julho de 2020

Recessão meteórica – Editorial | Folha de S. Paulo

Colapso da atividade desafia definições e fecha uma década sem crescimento

Raras vezes uma recessão econômica pode ser tão rapidamente identificável como a que se instalou no país com a chegada do novo coronavírus. As certezas, no entanto, acabam aí. Estamos diante de um fenômeno que desafia definições e o conhecimento pretérito.

O advento da recessão, com início no primeiro trimestre deste 2020, foi constatado na segunda-feira (29) pelo Codace, um comitê ligado à Fundação Getulio Vargas e dedicado à datação dos ciclos de alta e baixa da economia do país.

O mesmo colegiado havia levado muito mais tempo —um ano e quatro meses— para apontar, no final de julho de 2015, que a atividade nacional vivia um processo de contração desde o segundo trimestre de 2014, a ser encerrado apenas em dezembro de 2016.

Desta vez, os sinais iniciais da retração são óbvios como nunca. Para conter a Covid-19, o comércio literalmente fecha as portas; setores inteiros, como o aéreo e o de espetáculos artísticos, entram em colapso; a queda geral de rendimentos atinge em instantes todos os contratos e transações.

O endurecimento das restrições sanitárias em março bastou para provocar a redução de 1,5% do Produto Interno Bruto —medida da produção e da renda— no primeiro trimestre. Com o auge das quarentenas em abril, o PIB do segundo trimestre deve ter retração estimada em até assombrosos 10%.

Em comparação, a gravíssima recessão de 2014-16 levou 11 trimestres para tirar 8,1% da economia; a de 1981-83, que detinha o posto de mais aguda já medida no Brasil, provocou uma perda de 8,5% ao longo de nove trimestres.

Na apropriada imagem de um membro do Codace, a atividade foi atingida neste ano por um meteoro, com efeitos instantâneos e avassaladores. Em tese, isso significa que o ciclo de retração também pode terminar rapidamente. É possível, inclusive, que o PIB tenha parado de cair a partir de maio.

Esteja ou não já encerrado o pior da provável maior hecatombe econômica documentada na história nacional, a duração de suas sequelas —como a aniquilação de 7,8 milhões de postos de trabalho— permanece uma incógnita.

O ritmo da retomada do comércio e da indústria é incerto como o comportamento do coronavírus. Ainda mais quebrado, o setor público não terá como elevar investimentos. O gigantesco setor de serviços, que responde por quase três quartos do PIB brasileiro e apresenta maior imunidade a crises, agora foi profundamente atingido.

Pior, o país se encaminha para o final de uma década inteira sem nenhum crescimento econômico, num sinal evidente de que suas deficiências e dificuldades vão muito além do combate à pandemia.

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