sábado, 26 de setembro de 2020

Ascânio Seleme - Indústria criativa, esqueça no governo Bolsonaro

- O Globo

 Presidente tem foco em outros lugares, como a indústria de armas, por exemplo

As sete indicações de obras brasileiras para o Emmy Internacional provam mais uma vez que o Brasil é um dos maiores produtores de conteúdo cultural do planeta. Somente o Reino Unido teve número de indicações igual, ninguém ficou à nossa frente. Das 11 categorias, o Brasil participa de sete: Programa de Arte; Melhor ator; Melhor atriz; Comédia; Telenovela; Minissérie ou Filme para TV e Programa de Entretenimento sem Roteiro. Claro que isso representa muito para a indústria cultural, e portanto o governo a mantém-se atento e estimula muito o setor. Certo? Errado.

O governo se lixa para a cultura. Não investe e tampouco mostra boa vontade com a cultura. Basta ver os perfis dos indicados para dirigir o setor por Jair Bolsonaro ao longo do seu primeiro ano e meio de governo. O atual secretário de Cultura, Mario Frias, é antes de tudo um bolsonarista vulgar que parece não entender bem o que é cultura. Sua antecessora, Regina Duarte, foi uma aloprada que se dizia saudosa da ditadura. Antes dela, um nazista cujo nome é bom esquecer ocupara a função. Veja também os nomeados para Funarte, Iphan, Fundação Casa de Rui Barbosa e Fundação Palmares. O nível de indigência é absoluto.

Na Casa de Rui Barbosa entrou uma jornalista que disse ao GLOBO ter se preparado quatro meses para ocupar a vaga. O Iphan foi ocupado por uma senhora do ramo da hotelaria e que tem por mérito ser casada com um segurança de Bolsonaro. A Fundação Palmares coube a um cidadão que acha que a escravidão fez bem aos negros brasileiros. E na Funarte, claro que não podia faltar, entrou um coronel reformado do Exército. Como se não bastasse este festival de horrores, Frias nomeou sua dentista, uma amiga querida, como coordenadora-geral do Centro Técnico Audiovisual da secretaria.

Claro que não basta nomear nulidades, o importante também é não se mexer muito e fazer pouco, ou quase nada. O setor cultural foi o mais atingido pela pandemia de Covid-19, com o fechamento de teatros, casas de show e cinemas. E o que o governo fez para apoiar a classe de trabalhadores mais sufocada pela crise sanitária? Nada. Nem a Lei Aldir Blanc, que está em vigor desde 29 de junho, foi aplicada. Ela estabelece ajuda emergencial a artistas em necessidade. Embora regulamentada por decreto do governo, até agora nenhum centavo dos R$ 3 bilhões previstos saiu dos cofres públicos para as contas dos beneficiários. Spotify e Ecad já distribuem recursos próprios entre músicos.

O Brasil não é fera apenas em dramaturgia, no jornalismo e na produção de conteúdo para TV, razão pela qual acumula sucessos no Emmy. Os brasileiros são excelentes na música, no teatro, no cinema, na literatura, na moda, na arquitetura, no design. Nossos homens e nossas mulheres se destacam onde quer que a criatividade seja exigida. Em 2017, segundo estudo da Federação das Indústrias do Rio de Janeiro (Firjan), o setor ofereceu 837 mil empregos diretos no país.

Elio Gaspari me autorizou a oferecer uma viagem de ida a Tegucigalpa a quem encontrar uma única menção do ministro da Economia sobre o assunto. Paulo Guedes, o maior falador da Esplanada dos Ministérios (quinta-feira, teve de ser empurrado pelo general Ramos para que encerrasse uma entrevista coletiva) nunca disse uma palavra a favor da indústria criativa. Em 2017, informa o mesmo estudo da Firjan, o segmento contribuiu com 2,6% do PIB. O chamado PIB criativo daquele ano foi de R$ 171 bilhões, mais ou menos um quarto da economia que a reforma da Previdência vai gerar para os cofres da União em dez anos.

Se a questão for de fomento e simpatia com a indústria criativa, esqueça. O governo Bolsonaro tem foco em outros lugares, como a indústria de armas, por exemplo. Por sorte, a iniciativa privada ocupa os espaços vazios. E os brasileiros seguirão ganhando prêmios, sem apoio, sem governo, mas com a sua reconhecida criatividade.

Orgia maldita

O que tirou do ar o discurso de Bolsonaro na ONU foi uma legenda fantasma que apareceu onde deveria estar a tradução para o inglês da sua fala. O problema durou segundos, mas ocorreu e até agora não foi bem explicado. A legenda que apareceu sob a imagem do presidente do Brasil, na transmissão via YouTube, era a seguinte, no original: “A goddamn orgy or she cocoa didn’t hidden danger principal”. O texto parece ter sido empastelado, por falta de coerência. Sua tradução seria mais ou menos assim: “Uma maldita orgia ou ela não escondeu cacau do perigo principal”. A única coisa que se assemelha à fala de sua excelência é a sentença inicial.

Começa amanhã

A campanha eleitoral para prefeituras e câmaras de vereadores das 5.570 cidades brasileiras começa oficialmente neste domingo. Normalmente, eleição municipal trata de questões muito mais paroquiais do que as de natureza política. Na maioria das cidades não vai ser diferente este ano. Mas nas capitais dos estados e nas grandes cidades do interior um certo caráter plebiscitário poderá ser visto. Por isso, Bolsonaro tenta não se ligar a nenhum candidato. Mas não tem jeito, seu governo será escrutinado com certeza.

Cota de clientes

Clientes do Banco do Brasil têm sentido cada vez mais a sensação de que a direção do banco está trabalhando com muito empenho para liquidar a reputação da instituição antes de colocá-la à venda. Ou até por isso. Uma das coisas que mais irrita são os caixas eletrônicos. Muitos estão inoperantes porque quebraram e não foram trocados e outros não funcionam nos fins de semana. Em Brasília, um correntista quis trocar de agência, porque havia se mudado e queria uma mais próxima da sua casa. Ele foi à agência para onde pretendia migrar sua conta e não conseguiu fazer a transferência por uma razão inusitada. “Não podemos fazer a mudança, senhor. Nossa cota de clientes acabou”, respondeu a gerente.

Seis bilhões

Não sei você, mas tem gente sentindo um certo alívio agora que Wilson Witzel é quase passado. O problema é o presente, que atende pelo nome de Cláudio Castro. O negócio é trabalhar por um futuro melhor, porque nunca é demais lembrar o número publicado pelo GLOBO no domingo passado: “A corrupção no Rio movimentou R$ 6,1 bilhões em 20 anos”.

Flamengo no escuro

O Flamengo é a cara do Rio. Ao protagonizar mais uma vergonha pública, agora na defesa da reabertura imediata dos estádios, a diretoria do clube mais querido do Brasil mostrou que nada deve a Crivella, Witzel e Bolsonaro, com quem já andou de braços dados. Rodolfo Landim e companhia optaram pelo lado obscuro da vida.

Cuba 1

Com população de 11,2 milhões de pessoas, Cuba tem 5 mil casos registrados de coronavírus com apenas 115 mortes. Trata-se de uma das mais baixas taxas do mundo. Das duas uma: o isolamento social está funcionando perfeitamente na ilha ou os dados estão maquiados. Não cabe comparar com a Coreia do Norte, país absolutamente fechado para o mundo, porque Cuba é aberta e sua principal fonte de renda é o turismo.

Cuba 2

Vale a pena ver o documentário “Cuba e o Cameraman”, do cineasta Jon Alpert, disponível na Netflix. Durante cinco décadas, Alpert fez visitas regulares à ilha, filmou e conversou com diversos cidadãos cubanos, inclusive Fidel Castro. Conheceu os irmãos Borrego, três lavradores e uma dona de casa, e Luís Amores, que sempre se virou como pôde nas ruas de Havana. Em cada uma das visitas ao longo de 50 anos visitou os Borrego, Luís e outros personagens que construíram uma belo mosaico cubano. Acompanhou o envelhecimento e a morte dos irmãos Borrego. Viu Luís se virando até ser preso por roubo, e depois solto. Viu também a menina Caridad virar adulta, ter filhos e fugir para Miami. Com Fidel fez diversas entrevistas. Estava à bordo do avião que o levou para Nova York para discursar na sede da ONU e o visitou em sua casa poucos meses antes dele morrer. O documentário mostra Cuba durante a abundância da era soviética, na ruína pós colapso do comunismo no Leste Europeu, e na fase atual, da abertura para o turismo e para a reunião familiar. Imperdível.

Ruth Bader Ginsburg

Entre fevereiro e maio passados, 11,5 milhões de mulheres perderam seus empregos nos Estados Unidos, segundo pesquisa da Pew Research. No mesmo período, nove milhões de homens foram demitidos. Tem coisa errada aí.

Agradeça à China

Prometida para outubro, a vacina chinesa pode ser usada por Trump como arma eleitoral. Quem diria…

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