sábado, 26 de setembro de 2020

O que pensa a mídia – Opiniões / Editoriais

A recuperação, segundo o BC – Opinião | O Estado de S. Paulo

O crescimento em 2021 dependerá de algumas variáveis, entre elas o compromisso do governo com a responsabilidade fiscal

A economia brasileira deve encolher 5% neste ano e crescer 3,90% em 2021, segundo as novas projeções do Banco Central (BC), incluídas em seu Relatório de Inflação, um balanço trimestral das condições e perspectivas econômicas. O quadro é menos sombrio que aquele apresentado em julho, mas a incerteza continua “acima da usual”. Apesar da insegurança, as estimativas do relatório são mais animadoras, pelo menos por enquanto, que as do mercado. De acordo com a pesquisa Focus divulgada há uma semana pelo BC, a mediana das projeções para o Produto Interno Bruto (PIB) aponta contração de 5,25% em 2020 e aumento de 3,50% no próximo ano. Essa pesquisa reflete as avaliações de cerca de cem instituições financeiras e consultorias.

Mesmo com expansão de 3,90%, a economia brasileira terminará 2021 sem ter voltado ao nível de produção de 2019. Quanto a isso, o Relatório de Inflação coincide com os estudos publicados por várias instituições nacionais e internacionais. Depois de 20 meses de recuperação, o Brasil ainda estará tentando sair do buraco onde afundou em março e abril deste ano. Será essa, também, a condição de quase todos os países – avançados, emergentes e menos desenvolvidos. Mas o otimismo, ou quase otimismo, do BC é condicional.

O crescimento no próximo ano dependerá, segundo o documento, da confirmação de algumas hipóteses. Com o arrefecimento da pandemia, as condições de mobilidade poderão normalizar-se gradualmente, com retorno do consumo aos padrões anteriores à crise. Mas a elevação do consumo deverá estar associada também à melhora do emprego e ao retorno aos padrões de gastos anteriores à covid-19. Enfim, será necessária a confirmação, pelo governo, do compromisso com a responsabilidade fiscal.

Há riscos evidentes, mas o relatório avança sem discuti-los. Não há sequer uma coordenação nacional dos programas de reabertura das atividades. Qualquer precipitação poderá agravar as condições sanitárias e forçar um retrocesso, como tem ocorrido em países da Europa e em regiões dos Estados Unidos. Em segundo lugar, é difícil apostar numa recuperação significativa do emprego.

Com cinco meses de reação econômica, o mercado de trabalho permanece em más condições, com desocupação próxima de 13%. O quadro seria mais feio, estatisticamente, se mais pessoas tivessem retornado à força de trabalho e buscassem uma vaga.

Com a redução do auxílio emergencial, a retomada pode perder impulso. Essa é a expectativa indicada no documento. “Para o último trimestre do ano, a partir de quando vigora incerteza acima da usual sobre o ritmo da recuperação, espera-se arrefecimento da taxa de crescimento, associado, em parte, à diminuição da transferência de recursos extraordinários às famílias”. Não se manterá, segundo o BC, o vigor do terceiro trimestre, maior que o esperado.

Apesar disso, o relatório mantém a hipótese de melhora na situação do emprego, apontada como uma das condições para o avanço econômico de 3,90% no próximo ano.

Segundo o BC, a produção geral da indústria deve encolher 4,7% em 2020 e aumentar 4,5% em 2021. Os serviços devem diminuir 5,2% e depois crescer 3,7%. Somente a agropecuária deve avançar nos dois anos, com taxas de 1,3% e 3,4%.

O principal motor deve ser o consumo das famílias, com expansão de 5,1% depois da redução de 4,6% neste ano. Embora o balanço final deva mostrar um recuo em relação a 2019, o consumo familiar tem puxado a retomada a partir de maio. O avanço em 2021 dependerá em boa parte, como indica o relatório, da melhora do emprego. Essa melhora é essencialmente uma aposta otimista.

A exportação de bens e serviços deverá crescer 4,9%, superando de longe o aumento estimado para as importações (0,2%). Como sempre, o comércio externo será liderado pelo agronegócio, mas a indústria, segundo o relatório, também deverá vender mais. Isso dependerá da recuperação de mercados vizinhos. Não se discute esse ponto, assim como nunca se aponta, no documento, a falta de um plano de recuperação desenhado pelo governo.

O problema do MEC – Opinião | Folha de S. Paulo

Declarações de Milton Ribeiro revelam mais um ministro despreparado para desafios da educação

 Há algo de perturbador quando um ministro da Educação, a pretexto de defender a profissão docente, a qualifica com estas palavras: “Hoje, ser um professor é ter quase que uma declaração de que a pessoa não conseguiu fazer outra coisa”.

A frase ofensiva de Milton Ribeiro, atual titular do ministério, em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo, poderia ser só um deslize. O conjunto de suas respostas, entretanto, mostra que o presidente Jair Bolsonaro escolheu outro despreparado para a pasta estratégica —o quarto em série desastrosa.

Ribeiro exime-se de responsabilidade e se limita a pregar ideias fixas preconceituosas do presidente. Repete assim o padrão aloprado de Ricardo Vélez, Abraham Weintraub e Carlos Decotelli, aquele que, exposto como fraudador da biografia, não chegou a tomar posse.

A declaração mais ultrajante foi sobre o impacto da pandemia no ensino e o aumento da desigualdade entre alunos pobres e ricos. Disse o ministro: “Esse não é um problema do MEC, é um problema do Brasil”.

Os percalços da educação brasileira são muitos e antecedem a Covid-19, mas têm de ser resolvidos por todos sob coordenação e liderança do governo federal. Vale dizer, do MEC, que até agora nada apresentou de substancial para corrigir as deficiências, velhas ou novas.

Ribeiro escuda-se em variante da desculpa andrajosa fabricada por Bolsonaro para justificar sua inação diante da pandemia, de que as medidas competem a governadores e prefeitos. “Essa é uma responsabilidade de estados e municípios, que poderiam verificar e ter as iniciativas para tentar minimizar esse tipo de problema”, esquivou-se Ribeiro ao falar da falta de acesso de muitos alunos à internet.

Assim se omite o ministro de um governo que, em agosto de 2019, anunciou pregão para compra de 1,3 milhão de computadores para a rede pública de ensino, ao custo de R$ 3 bilhões. Apontadas suspeitas de fraude no edital, a chamada acabou suspensa —sem que as suspeitas tivessem esclarecimento.

Sobre a questão sanitária em si, Ribeiro exibiu mais incoerência. Depois de afirmar que a jurisdição sobre escolas cabe a estados e municípios, anunciou que prepara um protocolo de biossegurança para escolas básicas retomarem aulas.

De resto, o ministro, que é pastor presbiteriano, recitou o credo obscurantista de Bolsonaro, discorrendo sobre a homossexualidade como produto de famílias desajustadas, os valores marxistas de Paulo Freire e o golpe de 1964.

Em meio à pior emergência sanitária da história do país, com efeitos desastrosos na educação, o presidente enxerga apenas moinhos de vento ideológico para combater. Encontrou agora mais um escudeiro à altura de sua pequenez.

 Fora do radar – Opinião | Folha de S. Paulo

Queda de investimentos estrangeiros tem muitas razões, mas revela desconfiança com rumos do país

 Erros na condução da política econômica, falta de dinamismo interno e a péssima imagem internacional do Brasil têm contribuído para tornar o país mais irrelevante como polo de atração de investimentos.

A saída de capitais neste ano atingiu dimensão inédita. Até agosto, as aplicações financeiras de curto prazo no Brasil registraram fluxo negativo de US$ 26 bilhões.

Em parte, esse movimento pode ser atribuído a uma mudança positiva, na medida em que os juros internos baixos deixaram de atrair dinheiro especulativo. Mas há diversos outros fatores em jogo.

Mais preocupante é a redução do volume de investimentos diretos em ativos fixos e aquisição de empresas, segmento em que o país se destacou nos últimos tempos. Até agosto, o Brasil recebeu US$ 27 bilhões, 31% menos do que em 2019.

Caso mais empresas decidam que não é bom para sua imagem apostar num país que não protege o meio ambiente, uma demanda crescente de seus acionistas e clientes, o problema poderá se agravar bastante.

A pandemia também tem impacto. O mundo inteiro sofre seus efeitos recessivos, e a maioria das moedas de países emergentes se desvalorizou. O desempenho do real está entre os piores do mundo.

Uma razão é que o Brasil, entre as principais economias emergentes, é a mais endividada de todas. A fragilidade das contas públicas, com a dívida pública se aproximando de 100% do PIB (Produto Interno Bruto), fez muitos voltarem a temer o risco de insolvência.

Apesar de tudo, a depreciação da moeda nacional e a forte demanda asiática por matérias-primas contribuirão para um ajuste nas contas externas brasileiras, que alcançará, pela primeira vez desde 2006, posição superavitária na balança de transações comerciais e de serviços com o resto do mundo.

Não há sinais de descontrole inflacionário, apesar de pressões de preços em alguns setores, o que sugere que os juros poderão continuar baixos se o governo mantiver o compromisso com o teto de gastos inscrito na Constituição.

Essa combinação de fatores tende a favorecer uma retomada da atividade econômica no próximo ano, superada a fase mais aguda da crise sanitária. Mas isso dependerá de uma gestão responsável das contas públicas, de avanços na agenda de reformas e de melhorias na reputação internacional do país —ou seja, tudo aquilo que o governo Jair Bolsonaro não tem se esforçado para oferecer aos investidores.

A chantagem tola do Itamaraty com a União Europeia – Opinião | O Globo

Nota vincula acordo Mercosul-UE à legislação de proteção ambiental — aquela que o governo não aplica

O Itamaraty já foi referência mundial de diplomacia. Sob o comando do bolsonarista Ernesto Araújo, dominado por uma visão estreita, não consegue contornar as resistências europeias a ratificar o acordo do Mercosul com a União Europeia (UE). O presidente Bolsonaro não ajuda, é certo, mas o Brasil não jogar o jogo diplomático que sempre soube jogar torna tudo pior. O governo e o chanceler são exímios em fazer gols contra.

O alcance do acordo para o Brasil não é percebido em Brasília. O ex-embaixador em Washington Rubens Barbosa, especialista em comércio internacional, chama a atenção para a amplitude do tratado. Não é apenas um conjunto de regras comerciais. Entre as vantagens está o aumento na integração industrial do país ao mundo, permitindo acesso a tecnologias avançadas. O acordo precisa ser encarado como questão de Estado, não de governo. Afinal, foram vinte anos de negociações. Seria o cúmulo que, depois de assinado, tudo viesse por água abaixo.

Pois é o que parece vir acontecendo. Pressionado por agricultores que temem competir com exportações do Brasil e da Argentina, o governo francês está à frente das resistências ao acordo. Resultados de um estudo passaram a dar ao presidente Emmanuel Macron argumentos para pregar que os parlamentos da UE não homologuem o tratado. Por algum método a que o Itamaraty precisaria ter acesso, calculou-se o desmatamento que as exportações de alimentos permitidas pelo acordo causariam. Foi estimado, também não se sabe como, o “custo climático” do fluxo de comércio: “entre 4,7 milhões e 6,8 milhões de toneladas equivalentes de CO2”.

Para responder ao estudo francês, a diplomacia de Ernesto Araújo redigiu uma burocrática nota conjunta com o Ministério da Agricultura e caiu na esparrela de ensaiar uma chantagem com a UE: “A não entrada em vigor do Acordo Mercosul-UE (...) estabeleceria claro desincentivo aos esforços do país para fortalecer ainda mais sua legislação ambiental”. Aquela que o próprio governo descumpre. A reação envergonha o Itamaraty secular, aquele que, na Guerra das Malvinas, não rompeu com a Inglaterra e ajudou a Argentina. Uma proposta de fazer da Amazônia refém, para pressionar pela homologação do acordo, nem sequer chegaria a ser posta sobre a mesa de qualquer reunião no velho ministério.

A diplomacia bolsonarista deve se achar esperta, mas abrir a Amazônia a garimpeiros e madeireiros ilegais só ajuda o protecionismo europeu, cujos argumentos se fortalecem a cada faísca nos biomas brasileiros. Escapa ao Itamaraty de Araújo que o país não tem aquilo que o jargão diplomático chama de “excedente de poder” — economia desenvolvida, força militar etc. — para tentar tal chantagem.

Por si só, ela seria indefensável. É essencial cuidar do meio ambiente, não só para não dar argumentos aos europeus, mas sobretudo em benefício próprio, já que a floresta é a garantia das nossas condições climáticas e da maior produtividade agrícola. O risco do Brasil é ficar sem acordo e sem floresta.

 Para beneficiar policiais, Bolsonaro prejudica seu próprio governo – Opinião | O Globo

Em meio à agonia fiscal, União gastará R$ 2 bilhões em aumentos no Distrito Federal e três estados

Jair Bolsonaro é um presidente que conspira contra o próprio governo. “Se a economia afundar, afunda o Brasil”, ele dizia no começo da pandemia sobre as próprias incertezas quanto à capacidade financeira da União na emergência. Semanas depois, quando situação fiscal se agravava, achou “relevante e urgente” aumentar os salários dos policiais civis e militares do Distrito Federal e de três antigos territórios, Amapá, Roraima e Rondônia.

É a União quem paga essa conta, mas ele rejeitou as ponderações do Ministério da Economia sobre a necessidade de congelar gastos com pessoal — e editou uma medida provisória autorizando o aumento salarial. Mandou a MP 971 ao Congresso, mesmo sem a habitual assinatura do ministro Paulo Guedes. Ela foi convertida em lei nesta semana, por pressão do lobby reunido na influente “bancada da bala”, grupo de parlamentares ligado aos profissionais da segurança pública.

A MP acrescentou à folha de pagamentos do funcionalismo uma despesa nova, superior a R$ 2 bilhões, pelos próximos 36 meses. Aumentou em 25% uma das gratificações a policiais militares e bombeiros. Deu reajuste linear de 8% aos policiais civis. O prêmio salarial é retroativo a janeiro e válido para todos, ativos e inativos.

Estabeleceu, dessa forma, novos padrões salariais para as polícias civil e militar, que dificilmente poderão ser seguidos pelo restante da Federação. No Distrito Federal, um coronel da PM passou a ganhar R$ 30 mil, e um delegado de polícia, R$ 24,6 mil por mês. É mais que o dobro da remuneração paga por São Paulo, o estado mais rico.

Somente com os policiais do DF, o gasto adicional será de R$ 520 milhões por ano até 2023, ou 8% das despesas com pessoal previstas para este ano. A dinheirama sairá de um fundo específico no Orçamento da União em que se prevê que, neste ano, a despesa total do DF com segurança pública seja de R$ 8,1 bilhões, dos quais cerca de 80% destinados ao pessoal. Esse dispêndio local com a segurança supera os previstos com Saúde (R$ 4,1 bilhões) e Educação (R$ 3,4 bilhões).

Na atual agonia fiscal, trata-se de mais um descalabro na gestão pública, com o aval expresso da caneta presidencial. Não é um acaso, portanto, que outros organismos tenham se sentido autorizados a cometer outros desatinos. A Advocacia-Geral da União (AGU) tentou consolidar no topo da carreira 92% dos 3.783 procuradores federais — com salário de R$ 27,3 mil. Só recuou porque o caso foi descoberto pela imprensa. Bolsonaro ajudaria a resgatar a economia do buraco se parasse de conspirar contra a solvência do Estado brasileiro.

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