sexta-feira, 9 de outubro de 2020

Lucília Garcez* - Uma pauta para a educação hoje

Que nossa educação vai mal é uma evidência, mas abrir escolas em meio a uma pandemia que tem ceifado tantas vidas é temerário.

O Programa Internacional de Avaliação de Alunos (PISA), que avalia alunos de 15 anos, revela que, entre 79 países investigados, o Brasil está no final do ranking. Nossa média é 413 enquanto a da China é 555. Estamos em 58º lugar em leitura, em 66º lugar em ciências, e em 72º lugar em matemática. Consideradas apenas as escolas particulares poderíamos estar entre os dez primeiros.

Mas não precisávamos dessa informação, pois o INEP tem feito, ao longo dos anos, inúmeras avaliações em larga escala: Avaliação Nacional da Alfabetização (ANA); Sistema de Avaliação da Educação Báásica (SAEB); Exame Nacional de Certificação de Competências de Jovens e Adultos (ENCCEJA); Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes dos Cursos de Graduação (ENADE); além do ENEM. Neste último, houve queda em todas as notas. De 3.935.237 participantes apenas 57 tiraram 1000 na redação e 143.736 tiraram zero. No ensino médio, 7 entre 10 alunos não apresentam desenvolvimento suficiente em português e matemática.

O Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB), que analisa diversas fontes de dados, indica que a média brasileira (que vai de 0 a 10) está em 4,6. Uma parcela de 34% dos alunos da educação básica chega ao 5º ano, sem o domínio da leitura, e 20% chegam ao 9º, sem saber ler e escrever de forma satisfatória. Dos 100 alunos que entram na escola, 40 chegam ao 9º ano, 14 terminam o ensino médio e 11 chegam ao curso superior. Além dos dados quantitativos, o INEP dispõe de questionários de alunos, professores, diretores e secretários de educação.

Uma das tarefas mais urgentes é inserir no sistema escolar 3,8 milhões de um segmento da população de 4 a 17 anos que está fora da escola. Esta população jovem que nem estuda nem trabalha flutua na marginalidade sem perspectiva de futuro. Mas para isso é necessário oferecer uma escola melhor, o que depende de fortalecer a infra-estrutura dos estabelecimentos; tornar a docência mais atrativa para os bons alunos que atingem as licenciaturas; evitar o absenteísmo dos professores; desenvolver estratégias de formação continuada e consistente dos professores que estão em atividade (pode ser online); tornar os cursos de pedagogia e as licenciaturas mais práticas. Todas estas providências contribuem para evitar a evasão escolar e melhorar os resultados.

Execrar Paulo Freire é um equívoco, porque a influência dele no processo prático de alfabetização das nossas escolas é mínimo. Sua filosofia educacional é que atrai as atenções nacionais e internacionais, pois propõe uma escola mais humanizada. Quem pontifica desde os anos 80 é a argentina Emilia Ferreiro (aluna de Jean Piaget), e de forma equivocada, porque ela apenas investigou os processos cognitivos subjacentes à aquisição da língua escrita e não criou um método prático de alfabetizar. Por suas teorias, o professor alfabetizador pode observar e acompanhar as fases pelas quais a criança está passando individualmente para chegar a compreender a organização e a natureza da escrita. O foco mudou de como ensinar por meio de cartilhas para como se aprende a ler e a escrever.

A preocupação com a ideologia de gênero também é um equívoco, um desperdício de discurso, porque ninguém influencia ninguém a fazer uma opção sexual. A sexualidade se impõe internamente no indivíduo, de forma definitiva, muito precocemente. O objetivo do Ministério da Educação está muito além de tais preocupações ideológicas; é garantir o domínio da língua portuguesa e da matemática, além de outros conhecimentos para assegurar aos estudantes uma participação cidadã na sociedade.

Como 25% da população brasileira não têm acesso à internet, e muitos professores não tinham familiaridade com a informática e improvisaram, este ano está profundamente prejudicado. Quantas crianças não puderam acompanhar as aulas online? Diante dessas considerações seria importante manter as escolas fechadas até que a pandemia esteja superada e fazer um pacto educacional claro: aprovação automática de todos os alunos brasileiros. Como já sabemos que o tempo de trabalho objetivo na aula ocupa apenas 60% do horário, seria o caso de recuperar, no primeiro semestre do próximo ano, o conteúdo perdido este ano e, no segundo semestre, apresentar o conteúdo do ano em curso.  Para isso poder-se-ia ampliar os dias letivos e estimular os professores e os alunos a serem mais eficientes.

Neste sentido, o Conselho Nacional de Educação aprovou, por unanimidade, esta semana, uma resolução propondo que as escolas adotem um currículo contínuo, integrando os anos de 2020 e 2021 e evitando o excesso de reprovações. Sugere também que os alunos do 3º ano do ensino médio possam optar por fazer um 4º ano. E amplia a possibilidade de um ensino híbrido (presencial e online) até o fim de 2021. Assim, o Conselho Nacional de Educação cumpre seu papel de orientar os sistemas educacionais, principalmente neste ano em que a pandemia impediu o funcionamento regular das escolas.

*Lucília Garcez escritora, doutora em Letras, ex-professora da UnB

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