Pandemia
é oportunidade para acabar com a miséria, corrigir distorções estruturais e
abrir a porta para um futuro digno
A
covid-19 atingiu a economia brasileira num momento que apresentava fragilidades
- desemprego alto, investimento baixo, inadimplência elevada e uma dinâmica
fiscal arriscada. Afetou a cada empresa e cidadão de maneira diferente. A
recuperação está sendo em K, uns retornando rapidamente, outros mais anêmicos
do que antes e alguns deixando de existir.
As
contas públicas pioraram. A relação dívida/PIB saltou dez pontos percentuais em
seis meses e as projeções de superávits primários a partir de 2026 foram
deslocadas para 2031, se não houver outro choque de oferta. É uma dinâmica que
pode levar o país a mais uma década perdida.
A
situação financeira de muitas empresas também é crítica. Antes da pandemia,
havia 6,1 milhões de empresas e 63,8 milhões de cidadãos com anotações de
atrasos de pagamentos. A crise agravou o quadro com efeitos danosos no emprego
e no crescimento.
O
aspecto social é dramático. Somando 13 milhões de desocupados com 10 milhões
que deixaram a força de trabalho e 14 milhões que já estavam na pobreza,
chega-se a 37 milhões de pessoas. Em números redondos, um em cada seis
brasileiros não tem renda. É possível que se agrave mais.
É
inaceitável que num país que tem tudo, existam tantos cidadãos sem comida
suficiente, e pior, sem perspectivas. A opção de que brasileiros passem fome,
sem um futuro digno, não pode ser considerada. A questão é o que fazer e o que
não fazer.
Prorrogar
o auxílio emergencial e o programa Bolsa Família agora vai dar um gás curto,
com uma piora da dinâmica da dívida pública. É arriscar a perder mais uma
década e criar um assistencialismo dependente insustentável. É transformar o
Bolsa Família na sacola miséria.
A
proposta deste artigo é a implantação do imposto de renda negativo. É um
instrumento de política econômica debatido há décadas. A sugestão é criar uma
faixa inicial de zero a R$ 1.500 com a alíquota negativa de 30%. Ilustrando o
funcionamento. Supondo uma diarista, que num mês não ganha nada, receberia R$
450 equivalente a 30% de (1.500 - 0). No outro mês fatura R$ 600, embolsaria R$
270 resultado de 30% de (1.500 - 600). Os demais programas assistenciais seriam
eliminados.
O
incentivo a trabalhar é mantido e uma renda mínima é garantida a todos os
brasileiros. Os ajustes seriam feitos numa instituição financeira de escolha do
beneficiário com informações de tomadores e pagadores de renda. É um sistema
simples, com poucas regras, eficiente e fácil de administrar. A sua implantação
é rápida e segura. Com uma canetada é possível acabar com a miséria no Brasil.
Para
sua operação, o sistema necessita a construção de um cadastro nacional único,
usando biometria, que permita uma caracterização pessoal imediata, e com um
único número para cada cidadão que seria usado por todos os órgãos públicos
para fins específicos (tributação, eleições e outros). Isso geraria ganhos de
produtividade expressivos e poderia ter mais utilizações, como indexador de um
prontuário médico nacional.
A
Receita Federal poderia implantar o sistema. Tem capacidade técnica e
operacional. Atualmente, há 175 milhões de cidadãos com relacionamentos ativos
no Sistema Financeiro Nacional. Faltariam 37 milhões, dos quais 10 milhões de
“invisíveis” que merecem um tratamento especial. Há avanços tecnológicos que
permitem sua rápida implantação. A proposta conferiria cidadania financeira a
todos os brasileiros.
Para
que tenha viabilidade econômica, é necessário ajustar o imposto de renda ao
preceito constitucional de mesma renda, mesma tributação. Para tanto, deve-se
igualar a alíquota efetiva paga por renda de juros, de alugueis, de lucros e do
trabalho. Eliminar definitivamente a distorção de tributar exclusivamente na
fonte juros, lucros e outras rendas, o que aumentaria muito a arrecadação. Se a
conta não fechar, pode-se reforçar o caixa do governo, com uma alíquota de 35%
para quem ganha acima de R$ 20 mil mensais.
Na
dinâmica dívida/PIB deve-se focar no denominador também. O crescimento do PIB
diminui a fração, aumenta a arrecadação e a oferta de trabalho. Uma barreira
para uma retomada rápida da economia é a inadimplência. Para sua superação são
necessários ajustes na política bancária em tributação, transparência,
liquidez, regulação, precificação, reestruturação de dívidas e contabilidade. A
política cambial também pode ser aprimorada.
Deve-se
abandonar a criação da CPMF com outro nome. Para melhorar o caixa do governo no
curto prazo, o imposto diminui o potencial de crescimento do país. É como cavar
um buraco grande lá na frente para tampar um pequeno agora. Esquecer também a
proposta de desoneração da folha. No quadro atual, não vai aumentar as
contratações, vai apenas ser revertida em lucros mais altos.
Outra
ação sem sentido na atual conjuntura é afirmar o compromisso em respeitar o
teto dos gastos e comprar jatos de última geração, gastando-se o equivalente a
56 milhões de auxílios emergências de R$ 300. Lembrando que o Brasil tem uma
fábrica de jatos que exporta a outros países. O inimigo a ser combatido não é a
força aérea de algum país vizinho. É a fome no país.
É
uma luta que pode ser vencida. Para tanto, é necessário mudar o paradigma
atual. Deve-se atuar em todas as frentes que contribuam para o desenvolvimento,
como educação, tributação, revogação de privilégios não merecidos, indexação,
saúde, segurança pública, o pacto federativo, Justiça, energia, infra-estrutura
e inclusão digital.
Um
complemento para ser pensado no futuro é usar o banco de dados dos impostos
como ferramenta de inteligência competitiva. A partir da evolução da renda de
cada um pode-se detectar as melhores práticas de políticas de inclusão cidadã.
O
que não deve ser feito é esperar mais para transformar o Brasil. A pandemia é
uma oportunidade para acabar com a miséria, corrigir distorções estruturais,
evitar o colapso da economia e abrir a porta para um futuro digno para milhões
de brasileiros.
É
isso.
*Roberto Luis Troster é economista
Nenhum comentário:
Postar um comentário