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O Globo
Não
vale a pena ficar revoltado com o cinismo do presidente Bolsonaro quando diz
que acabou com a corrupção no Brasil. Quando todo poderoso ministro-chefe do
Gabinete Civil, José Dirceu tinha um mantra. Repetia, para convencer os
incautos: “Este é um governo que não rouba nem deixa roubar”.
Por baixo do pano, corria solto o mensalão, com os mesmos partidos que hoje
formam a base parlamentar do governo Bolsonaro. Imaginar que esses mesmos
políticos possam hoje estar imunes às práticas nada republicanas que levaram
muitos deles a serem investigados, denunciados ou condenados na Operação
Lava-Jato, é ser ingênuo, o que Bolsonaro e os seus não são.
Como sempre, o que Bolsonaro mira é sua reeleição, e acabar com a Operação
Lava-Jato significa para ele um trunfo eleitoral, pois teoricamente apagaria a
memória do ex-juiz Sérgio Moro, que Bolsonaro considera um concorrente perigoso
em 2022.
Por isso também o presidente está interessado em desmoralizá-lo através da sua
condenação na Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) como juiz parcial
no julgamento do ex-presidente Lula no caso do triplex. Pode, no entanto, estar
dando um tiro no pé ao empenhar seu escolhido para a vaga no Supremo em uma
ação pessoal contra Moro.
A fixação de Bolsonaro em seu antigo auxiliar é tamanha que, ao ser questionado
sobre a escolha do desembargador Kassio Marques para o STF, respondeu irritado:
“Você queria que colocasse lá o Moro?”. Acabar com a Lava-Jato seria acabar com
as investigações sobre corrupção, uma maneira simples de acabar com a
corrupção, que continuaria escondida como sempre aconteceu no Brasil antes do
mensalão e, sobretudo, do petrolão levantado pela Operação Lava-Jato.
Une Bolsonaro e alguns ministros do Supremo a idéia de que aniquilar a imagem
de Moro como justiceiro fará com que a Justiça brasileira volte a seu curso
normal, com o Supremo sendo o último bastião de defesa do devido processo
legal. Boa parte do Supremo, porém, considera que o “garantismo” que critica a
Lava-Jato quer, na verdade, ter o controle dos processos de políticos,
blindando-os da Justiça de Curitiba.
Esses juízes chamados “consequencialistas”, ou “punitivistas” consideram, como
o ministro Luis Roberto Barroso já disse, que o sistema de Justiça criminal no
Brasil foi feito para não funcionar, protegendo os privilegiados. O que os
ministros “garantistas” consideram excessos da Lava-Jato, os que a defendem
acham que são medidas necessárias para evitar que fiquem impunes os
privilegiados.
A partir do mensalão, em 2005, até recentemente, a punição aos culpados por
crimes do colarinho branco tem sido uma constante no Supremo Tribunal Federal
(STF), e Bolsonaro chamou para seu governo o então juiz Sérgio Moro para
aparentar que o combate à corrupção seria sua prioridade.
Questões pessoais, envolvendo seus filhos, e ele próprio sendo investigado por
ações na Presidência da República para controlar a Polícia Federal e outros
órgãos de investigação como o Coaf, fizeram com que caísse a máscara de
Bolsonaro.
A união ao Centrão, grupo de partidos ligados ao fisiologismo, com diversos
integrantes investigados pela Lava-Jato, marcou de vez a mutação, de combatente
da corrupção a conivente com “criaturas do pântano”, no dizer de Sérgio Moro.
Fazer graça com a idéia de “acabar com a Lava-Jato” é um ato falho de quem
disputa com o fantasma de Moro, que o persegue nas redes sociais que um dia
foram suas.
A reação à fala de Bolsonaro mostrou que não será fácil acabar com a Lava-Jato,
que se incorporou ao imaginário popular como um avanço
civilizatório.
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