Problemas
estruturais continuam presentes em todos os municípios – e os novos prefeitos
precisarão enfrentá-los
Há
o que comemorar nos resultados das eleições municipais. Se comparadas às
eleições anteriores, tão marcadas pela intolerância e pela agressividade, fica
claro que uma brisa de temperança dominou. Com ela, ressurgiu a ideia de que há
caminho no centro e uma sensação de que a população se vê menos inclinada a
mitos, radicalismos e extremos. Tudo isso a conferir, mas algum alento veio das
notícias da última noite de domingo.
Mas
isso infelizmente não significa que a vida será mais fácil para os novos
prefeitos. Apesar das folgas de caixa geradas pelos socorros do governo
federal, cujos números foram levantados pelo economista Marcos Mendes e
publicados pelo Estadão em matéria de Adriana Fernandes, problemas
estruturais de sempre continuam presentes (e maiores) em todos os municípios –
e precisarão de coragem dos novos prefeitos para enfrentá-los.
O tamanho do desafio se reflete no Ranking de Competitividade dos Municípios, recém divulgado pelo Centro de Liderança Pública – CLP e elaborado em parceria com a Gove. O relatório com indicadores de 405 municípios serve de guia para os novos gestores entenderem onde estão e o quanto há para fazer se quiserem melhor atender e servir a população das suas cidades. E é o que se espera deles. Afinal, toda nova eleição tem algo de otimismo, de expectativa de melhora, de uso de capital político recém-conquistado para que se faça o que é preciso. Quiçá seja assim desta vez.
O
ranking de municípios é um filhote do ranking dos Estados, há anos publicado
pelo CLP em conjunto com a Tendências Consultoria e a The Economist
Intelligence Unit. A avaliação abrange municípios com população acima de 80 mil
habitantes e se baseia em 55 indicadores, organizados em 12 pilares e 3 dimensões.
As informações coletadas se referem a 2019, não incorporando, portanto, os
efeitos da pandemia nem tampouco dos recursos recebidos e aplicados ou não no
seu combate.
A
primeira dimensão analisa as instituições do município, focando nos pilares de
sustentabilidade fiscal e funcionamento da máquina pública. A segunda olha para
o atendimento à sociedade, composta pelos pilares de saúde e educação,
avaliando tanto acesso quanto qualidade, além de saneamento e meio ambiente.
Por fim, indicadores de inserção econômica, inovação, dinamismo, capital humano
e serviços de telecomunicação compõem o terceiro pilar, de avaliação econômica.
A
concentração no Sudeste é
consequência do corte mínimo de 80 mil habitantes, mas quase 60% da população
brasileira está abrangida pelo conjunto de municípios avaliados. Os resultados
dizem o que já sabemos – e sentimos no dia a dia: há cidades brasileiras cujas
avaliações relativas são positivas e que apresentam bons indicadores. Mas, no
absoluto, a totalidade delas tem uma agenda de avanços a cumprir se de fato os
novos gestores quiserem melhorar a vida dos seus eleitores e munícipes. O
ranking atual mostra o município de Barueri no
topo da lista, seguido de perto por São Caetano do Sul (SP) e na sequência as capitais São Paulo, Florianópolis e Curitiba.
Na lanterna surgem cinco municípios do Pará:
Marituba, Tucuruí, Abaetetuba, Tailândia e Moju. Os destaques dos primeiros são
as mazelas dos últimos, com educação, saúde e saneamento como os grandes heróis
e também os maiores vilões.
São
Paulo, maior e mais rico município do País,
se encontra em posição de destaque graças a alguns dos indicadores que medem as
dimensões de economia e a qualidade das suas instituições. Nas avaliações de
funcionamento da máquina pública e desempenho fiscal, como tudo é relativo, a
capital paulista figura na 4.ª posição na primeira, mas está medianamente
posicionada na segunda, ocupando a 31ª colocação. Essas dimensões representam,
respectivamente, 10,7% e 8,0% de peso no índice geral e medem questões como
dependência fiscal, taxa de investimento, despesas de pessoal e endividamento
na dimensão fiscal e custo da função administrativa, tempo para abrir uma
empresa e qualificação do servidor como critérios de avaliação da máquina. Em
alguns desses, como taxa de investimento e nível de endividamento, a capital
não brilha.
Mas
é na dimensão de atendimento à sociedade que a capital surpreende negativamente
– e muito. São Paulo não só não aparece entre os cinco melhores avaliados em
nenhum dos indicadores de educação, saúde, segurança ou saneamento, como ocupa
uma injustificável 72.ª colocação no ranking geral dessa categoria.
Esse
é um excelente ponto de partida para o prefeito eleito, Bruno Covas,
cujas juventude e renovadas energias poderão levar adiante esse que é o maior
dos mandatos conquistados nas urnas: o de cuidar das pessoas. Para isso, há
pedras a serem quebradas, dentre elas uma mudança estrutural no funcionamento
da máquina municipal, cujas qualidades têm de estar voltadas para o cidadão e
não para si própria.
*Economista e sócia da Consultoria Oliver Wyman.
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