Desafios
desta dúzia de meses atormentados ecoarão firmemente no correr dos dias de 2021
Hoje
é o primeiro dia do último mês do ano. E o fim não parece próximo. É evidente
que no continuum dos dias, dos meses, enfim, da vida compartimentada em
calendários, nada nunca termina abruptamente, tudo transborda limites. Mas esta
passagem de ano terá ainda menos ares de virada dado o acúmulo de questões a
resolver no futuro próximo, em volume e significação inéditos.
Em
múltiplos campos, temos questões surgidas ou incrementadas neste 2020 cujas
repercussões já pautam atenções, decisões e desfechos nos dias de 2021. Ainda
estamos em plena travessia da pandemia do novo coronavírus, pois enquanto não
houver vacina disponível não haverá um ponto final possível para esta tragédia
humanitária que assola o planeta.
Além
de impor reveses dramáticos ao convívio social, a pandemia desligou a economia
planetária, com variações de gravidade diretamente proporcionais à capacidade e
à racionalidade dos gestores nacionais. Salta aos olhos o desempenho
extraordinário de duas mulheres, em nações democráticas, a chanceler alemã,
Angela Merkel, e a primeira-ministra da Nova Zelândia, reeleita em plena
pandemia, Jacinda Ardern. Esse fato alentador pode e deve chamar a atenção para
a impositiva oxigenação na seara das lideranças, hoje tão esvaziada de boas
novidades e carente do vigor de olhares diferentes sobre a existência humana.
A relevância da diversidade e da inovação nessa área aumenta ainda mais quando se tem em conta que, com o almejado efetivo controle da covid-19, o mundo precisará debruçar-se sobre uma verdadeira tarefa de reinvenção, imposta por fatores como a piora das desigualdades socioeconômicas, o terremoto na esfera produtiva, especialmente nos modos de trabalhar e na extinção de atividades, e o empobrecimento das populações, via desemprego e recessão, entre outros.
Mas
não é só de repercussões desafiantes deste ano que viverá o próximo. Ainda que
dinamizados por deveres de casa árduos e complexos, movimentos promissores se
colocaram em 2020 e projetam um ano com alguns toques de relevantes novidades.
Ao menos três âmbitos estão com luzes amarelas à frente, tendendo fortemente ao
sinal verde, nesta travessia anual: o fortalecimento do multilateralismo, a
busca da sustentabilidade no planeta e as vastas experiências da digitalidade.
A
eleição de Joe Biden nos Estados Unidos acena com uma mudança crucial para a
vida em bases civilizadas. A caminhada política é cheia de desvios, obstáculos
e surpresas, mas com a nova presidência estadunidense ao menos retomamos o rumo
da lucidez. Impôs-se um freio de arrumação na marcha da insensatez que estava
guiando o planeta para o precipício de nacionalismos radicais, obscurantismos
tantos e negação da ciência, a mesma que rapidamente conseguiu sintetizar
conhecimentos sobre uma doença desconhecida e em menos de um ano dotou a humanidade
de vacinas capazes de nos livrar da maior crise sanitária em um século.
Também
ganham energia com esta mudança política o multilateralismo e todos os seus
preceitos de democracia, enfraquecendo a onda global de populismo conservador.
Da mesma maneira, a preservação do planeta e a qualidade de vida das futuras
gerações se fortalecem com a anunciada decisão norte-americana de voltar ao
Acordo de Paris e suas premissas de mitigação das mudanças climáticas. Mas
temos de estar atentos ao fato de que continuaremos a testemunhar a disputa de
hegemonia entre China e EUA, prejudicial por diminuir o dinamismo econômico
mundial, e ainda num cenário de países mais endividados no pós-pandemia.
A
remediação da covid-19 via isolamento social, que tantos males tem provocado às
relações humanas, acabou incrementando como nunca a migração digital. Educação,
trabalho, consumo, medicina, entre tantos outros aspectos da nossa vida,
ganharam novos modos de fazer, abrindo-se ainda um universo de oportunidades de
acesso a serviços e de melhorias na vida urbana, entre outras.
Mas
vale lembrar que esse movimento também ampliou o espaço para verdadeiras
pragas, como as fake news e as trevas da intolerância, potencializando o
animalesco que habita o humano, cujos instintos só se freiam por limites
civilizatórios assumidos como organizadores dos laços sociais. É um desafio
sociopolítico investir na apropriação humanística das mais dóceis técnicas
jamais inventadas, como salientou o saudoso geógrafo Milton Santos.
Como se vê, ainda que o ano acabe oficialmente na virada de 31 de dezembro para 1.º de janeiro, desafios desta dúzia de meses atormentados ainda ecoarão firmemente no correr dos dias do novo ano. Assim, que sejamos capazes de enfrentar um 2021 com uma certa cara de 2020, com aprendizados, com a esperança da mudança sempre possível e a certeza de que a História não tem destino prescrito. Que sigamos inspirados rumo à experiência das possibilidades e à superação das demandas postas em meio a um tempo trágico, mas que, como toda crise, terá efetivo fim, porta lições, abre caminhos.
*Economista, presidente executivo da Indústria Brasileira de Árvores (IBÁ), membro do Conselho do Todos pela Educação, foi governador do Espírito Santo (2003-2010 e 2015-2018)
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