Covid
e recessão são problemas pequenos quando comparados à mudança climática
Um
cartum desenhado pelo canadense Graeme MacKay mostra uma cidade
pequena sendo engolida por uma enorme onda vermelha, batizada de “covid-19”.
“Lave as mãos e tudo ficará bem”, lê-se no balão. Atrás da onda vermelha, o
desenho mostra uma onda azul, ainda maior: a recessão econômica. E, atrás da
azul, monumental, assustadora, está a onda verde: a mudança climática. Moral do
cartum: a pandemia é um problema enorme, com o qual tivemos que lidar em 2020 –
e seus efeitos econômicos irão perdurar, de alguma forma, em 2021. Covid e
recessão, no entanto, são problemas pequenos quando comparados à mudança
climática que virá por aí, se não começarmos desde já a conter seus efeitos.
O cartum abre as aulas e palestras de João Mourato, pesquisador do tema na Universidade de Lisboa. O que se segue é ainda mais aterrador. A apresentação de Mourato mostra como a mudança climática afetará a todos, mas com rigor especial os países mais pobres. A área que mais sofrerá com o desequilíbrio do clima será o sul da Ásia – Myanmar, Tailândia, Vietnã, Camboja. Depois vem a África. Na América do Sul, os efeitos serão desiguais – entre os piores está a destruição parcial da hoje pujante agricultura brasileira. Os diversos acordos e desacordos mostram como é difícil criar uma governança global sobre o tema. A notícia boa é que, no âmbito local, vários municípios vêm desenvolvendo iniciativas dignas de aplauso.
Um
exemplo é Cubatão, em São Paulo. Nos anos 1970, a cidade se tornou polo
industrial, ao mesmo tempo que batia recordes de poluição. Crianças nasciam com
deficiência por causa do ar envenenado, e o país se chocou com a tragédia de
Vila Socó – comunidade erguida sobre um oleoduto da Petrobrás que
ardeu em chamas em 1984. A ditadura tentou abafar o caso e contabilizou 98
mortes. Hoje se sabe que se perderam mais de 800 vidas.
Trinta
anos mais tarde, os pássaros guarás-vermelhos, típicos da região, começam a
voltar a Cubatão. A cidade se tornou exemplo de recuperação ambiental. Não foi
fácil. Lá, a destruição dos mangues e das matas se combina com o problema
social – o desmatamento é provocado em parte por ocupações informais. A
cooperação virtuosa entre associações de bairro, ONGs ecológicas, associações
empresariais e governos vem revertendo esse quadro. Negociações complexas
levaram a população mais vulnerável a deixar as regiões protegidas – que,
muitas vezes, são também áreas de risco.
“É
necessário criar alternativas econômicas para a população, e essas alternativas
devem ser sustentáveis”, diz Andrea Castro, secretária do Meio Ambiente de
Cubatão. Ela acaba de ganhar o Prêmio Espírito Público, destinado a casos
exemplares de governança. Andrea, personagem do minipodcast da semana, toca
atualmente vários projetos. Um treinamento em turismo ecológico capacita a
população para uma atividade que começa a florescer. Parcerias entre a
prefeitura e ONGs recuperam a vegetação dos manguezais. Há também um trabalho
de educação ambiental, em que os moradores são remunerados com uma moeda fictícia
pela reciclagem de lixo, com valor no comércio local. A moeda – que depois é
trocada por dinheiro de verdade pelos comerciantes – se chama, justamente,
“mangue”.
No cartum, a mudança climática ameaça engolir uma cidade. E é exatamente no âmbito das cidades que estão as iniciativas mais consistentes para conter a onda que, ameaçadoramente, se ergue sobre todos nós.
Nenhum comentário:
Postar um comentário