sábado, 19 de dezembro de 2020

Ascânio Seleme - Quem vai pagar a conta?

- O Globo

Custos serão altos, mas ainda mais grave é o número assustador de mortes que a doença continuará produzindo, por causa e entre os negacionistas

Não se preocupe, se você se vacinar direitinho, tomar as duas doses como recomendado, não vai ser infectado por negacionistas, seja um vizinho, um parente, um amigo ou um desconhecido com quem esbarrar na rua. Você estará imune. Do ponto de vista da sua saúde ou da sua família, não precisa fazer mais nada, embora seja conveniente manter o uso de máscaras por ainda algum tempo. Também não custa nada lavar sempre as mãos com bastante água e sabão. Seu problema será outro e terá natureza financeira. Você vai solidariamente pagar a conta que os que se negaram a tomar a vacina contra a Covid acabarão gerando para os cofres públicos. E ela não será pequena.

Imagine o cenário final, pós-vacinação. Neste momento, 46 milhões de brasileiros, ou 22% da população, não estarão imunizados e continuarão a exercer pressão sobre a rede pública de saúde. Se hoje os leitos dos hospitais estão quase 100% ocupados por pacientes com Covid, no futuro terão 22% da sua capacidade tomada por pessoas infectadas por uma doença que poderia ser evitada. Quem vai pagar esta conta? Você e eu. Na verdade, este volume pode ser maior, se os planos de saúde corretamente se recusarem a pagar internações hospitalares e remédios de quem se recusou a se vacinar. Se a doença era evitável, os planos vão recorrer e os pacientes com planos poderão acabar na rede pública.

Se a Justiça acabar obrigando os planos de saúde a pagar as contas dos negacionistas, o que sempre é possível, mesmo assim você e eu arcaremos com um custo adicional. Ninguém aqui é bobo, claro que os planos repassarão a conta para toda a sua clientela. Nós.

Haverá ainda outros custos indiretos gerados pelos negacionistas mas que serão arcados por nós. Primeiro, calcule o impacto que terão sobre a cadeia produtiva quando o mundo voltar ao normal. Se uma gripezinha de influenza afasta uma pessoa por dois ou três dias do trabalho, uma infecção pela Convid pode tirar o funcionário por até 14 dias da linha de produção, quando não o afastar definitivamente. Isso tem um custo que as empresas pagam e repassam aos preços dos produtos e serviços que você e eu iremos consumir.

Os não vacinados vão também compor uma nova estatística de morbidade no Brasil. Com a vida de volta ao normal, os 22% de não vacinados serão eventualmente contaminados e muitos vão morrer. Aos números. Mantida a média de 1.000 óbitos por dia, morrerão então 220 negacionistas a cada 24 horas. Em um ano, serão 80 mil. Mais do que os 12 mil que falecem a cada ano por câncer de próstata ou mama, os 44 mil que morrem em razão de doenças hipertensivas ou os 54 mil que são acometidos de diabetes. Trata-se de índice igual ao de mortes por infarto, que também somam 80 mil por ano.

Sim, há os que já foram infectados e dizem que não vão se vacinar porque já têm anticorpos, como afirma o magnífico Jair Bolsonaro. Estes ignoram a potencialidade da reinfecção ou o surgimento de cepas diferentes que podem lhes acometer. Vejam o caso da gripe influenza, que já exige quatro vacinas diferentes para ser obstruída. Na rede pública, as vacinas aplicadas são as trivalentes, que imunizam contra até três variações da doença. Na rede privada já estão sendo aplicadas as tetravalentes.

Claro que os custos serão altos, mas ainda mais grave é o número assustador de mortes que a doença continuará produzindo depois da vacinação em massa, por causa e entre os negacionistas. E elas ocorrerão por todos os lados, mas serão maiores nos grotões bolsonaristas. São os seguidores fiéis de Sua Excelência que mais se rebelam contra a vacina. Seguem o líder cegamente, como ratos ao flautista de Hamelin, mesmo que seja em direção ao hospital ou ao cemitério.

Rebanho

O que vai acontecer com aqueles que se recusarem a ser vacinados? Certamente perderão alguns direitos, como o de frequentar escolas, academias e clubes. Devem também perder o acesso a bolsas e outros auxílios oficiais, o direito de participar de concursos públicos e de votar. Podem ainda ser proibidos de viajar de avião e ônibus. E também não serão imunizados. Serão apenas parte do rebanho.

Eles erram

Presidentes erram. Sarney errou na economia, mas foi o presidente que avalizou a reabertura democrática. Collor errou ao confiscar a poupança dos brasileiros e ao permitir que seu contador PC Farias trocasse influência por dinheiro, muito dinheiro. Mas é verdade também que abriu a economia brasileira para o mundo. Fernando Henrique errou ao fazer aprovar o instituto da reeleição, mas estabilizou a moeda nacional. Lula deixou seu governo e seu partido se corromperem, mas distribuiu renda como nenhum dos seus antecessores. Dilma errou feio na economia e ao tentar falsear seus resultados acabou afastada. Bolsonaro erra como jamais se viu. Erra no atacado, desde o primeiro dia de seu mandato e em todas as frentes. Como Dilma, e ao contrário de seus antecessores, não deixou até aqui qualquer legado.

Falando em Collor

O governo de Jair Bolsonaro mergulhou de corpo e alma na política de negociação de cargos por apoio político. Um dos membros da tropa de choque de Fernando Collor no Congresso, o deputado Ricardo Fiuza, batizou este tipo de operação com um trecho da Oração de São Francisco: “É dando que se recebe”. Uma prática comum na política nacional ganhava um apelido. Fiuzão, que era um conhecido “caneleiro”, morreu em 2005, mas sua criação sobreviveu. Hoje, o capitão dá cargos para receber em troca votos para o deputado Arthur Lira (desvio de dinheiro público, enriquecimento ilícito, rachadinhas, violência doméstica) na sucessão da Câmara. E, para não perder a coerência, Bolsonaro mantém Roberto Jefferson, o segundo líder da velha tropa de choque de Collor, como seu brucutu de plantão.

Extrapolei

Foi engraçado ver Bolsonaro tentando representar o papel de estadista, que se desculpa com o país quando erra. Na cerimônia de divulgação do plano (?) de vacinação, o capitão disse que se alguém extrapolou foi na busca de resultados. Uma piada. A frase deveria ser lida assim: “Se algum de nós extrapolei ou até exagerei, foi no afã de buscar solução”. O pior é que mesmo que tivesse sido franco, o presidente não teria sido honesto. Ele exagerou e extrapolou por outras razões, você sabe, não porque queria encontrar saídas.

E há o Rio

No Brasil, vices seguidamente ocupam o posto principal pelo impeachment, a desincompatibilização ou a morte do titular. Em alguns casos tivemos sorte. Itamar Franco, por exemplo, substituiu Fernando Collor e devolveu dignidade ao cargo. Em São Paulo, Bruno Covas era vice de João Doria, assumiu a prefeitura e fez uma boa gestão, a ponto de ser reeleito. Há outros exemplos no país. E há o Rio. Por aqui, parece que não tem remédio. O governador em exercício Cláudio Castro fica melhor quando não fala, ou quando não faz nada. Esta semana ele quis fazer alguma coisa e falou. Foi uma calamidade. Num discurso ao lado do zero das rachadinhas, Castro disse para quem quisesse ouvir: “Eu confio no general Pazuello”. Pasmem, há alguém que confia no general. E acrescentou: “Não é fazendo politicagem com a saúde que vamos sair dessa”. Embora seja o presidente quem faz politicagem rasteira com o vírus, o recado de Castro era para seu colega João Doria. Puxou tanto o saco do governo Bolsonaro que até mesmo o zerinho que ouvia tudo calado não conseguiu esconder seu constrangimento.

Mais mortes

Um estudo feito pelo jornal The New York Times mostra que o crescimento do número de mortes por Covid é maior em cidades universitárias depois do retorno das aulas presenciais. A pesquisa do NYT foi feita em 203 cidades cuja população estudantil é maior do que 10% do total. Também cresceu exponencialmente o número de infectados nestas localidades, bem acima da média nacional. No Rio, as aulas nas escolas públicas estaduais voltam em janeiro. Em São Paulo, as escolas estaduais funcionam com até 35% da sua capacidade desde setembro. Doria anunciou que começará a vacinar em janeiro. Aqui, vacinação só em fevereiro, março, sei lá, já que Claudio Castro diz que vai seguir seu líder, o general paradão.

Assédio

O assédio do deputado Fernando Cury à deputada Isa Penna é uma demonstração absurdamente explícita do desrespeito e do abuso. Como pôde o deputado imaginar que podia se esfregar assim numa mulher sem o seu consentimento e que não aconteceria nada? Ainda mais em se tratando de uma parlamentar do PSOL, partido conhecido por sua constante luta contra este tipo de abuso. O partido de Marielle Franco, convenhamos. E, depois, o local do assédio era o plenário da Assembleia Legislativa de SP, local monitorado por câmeras o tempo todo. Cury deve ser punido por importunação sexual, falta de decoro e burrice atroz.

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