Bolsonaro utiliza uma versão vulgarizada de Lênin para praticar seu nacionalismo de extrema direita
“Imperialismo, Estágio Superior do
Capitalismo”, publicado em 1917, inaugurou o chamado marxismo-leninismo. Marx
enxergava a luta de classes como motor da história. No seu livro, Lênin
flexionou o conceito, introduzindo a ideia de que as burguesias das nações
industriais exploravam não só o próprio proletariado mas, ainda, os “países
atrasados” coloniais e semicoloniais.
Bolsonaro
não deve ter lido nem Marx nem Lênin, mas utiliza uma versão vulgarizada do
segundo para praticar seu nacionalismo de extrema direita.
Segundo
Lênin, no “estágio supremo” do capitalismo, as burguesias imperialistas
deflagrariam guerras incessantes pela partilha de esferas de influência,
abrindo caminho à revolução mundial. Os bolcheviques tomaram o poder na Rússia,
fundaram a Terceira Internacional e mobilizaram a teoria leninista para definir
a linha dos partidos comunistas nos “países atrasados”.
Neles,
os comunistas deveriam forjar “frentes nacionais” —ou seja, alianças
anti-imperialistas com as elites locais. Nascia, no pensamento de esquerda, o
argumento de legitimação de regimes autoritários apoiados na bengala retórica
do nacionalismo.
Pretexto
perfeito. Os regimes autoritários pós-coloniais na África culparam as potências
coloniais do passado e os imperialistas do presente por seus fracassos. Fidel
Castro alegou que as carências cubanas derivavam da sabotagem imperialista dos
EUA.
A ditadura de Suharto na Indonésia exigiu fidelidade à Pancasila, uma “filosofia oficial” destinada a preservar a nação das “influências ocidentais” (o liberalismo e o comunismo).
Os
militares argentinos deflagraram a Guerra das Malvinas, contra os britânicos,
invocando o anti-imperialismo. A China acusa o imperialismo de atentar contra
sua soberania sempre que confrontada com denúncias de violações das leis de
Hong Kong ou dos direitos humanos dos muçulmanos do Xinjiang.
Imperialismo:
Bolsonaro redescobriu o artefato que cansou de utilizar no passado, quando
acusava potências estrangeiras de pretenderem “roubar nosso nióbio”. O velho
imperialismo volta ao centro do palco, apenas rebatizado como
“globalismo”.
Na
sua mórbida campanha anti-imunização, Bolsonaro fez mais que declarar as
intenções de não tomar a vacina e de submeter os brasileiros a um
(ilegal) termo individual de
responsabilidade. Em outubro, o presidente ensaiou exigir que,
antes de ser usada no Brasil, uma “vacina estrangeira” fosse “aplicada em massa
no seu país de origem”.
Depois,
na reunião dos Brics, declarou que “o Brasil busca uma vacina própria” —isto é,
nacional e soberana. Na prática, seu Ministério da Saúde corre,
atrasado, para importar agulhas e seringas.
Junto
com o nacionalista grão-russo Putin e o nacionalista de esquerda López Obrador,
do México, Bolsonaro ocupou os últimos
lugares na fila do reconhecimento da vitória do “globalista” Biden —mas
ainda adiantou-se a Kim Jong-un. Destacou-se dos colegas, porém, ao dar um
passo à frente para tornar-se o único governante do mundo que reproduziu as
sentenças de Trump sobre uma fictícia fraude eleitoral nos EUA.
Biden
prometeu cobrar os compromissos do Brasil com o Acordo de Paris e a preservação
ambiental. Bolsonaro retrucou batendo os tambores da “soberania nacional”, um
ritmo praticado há décadas pelo nacionalismo militar. Acrescentou, numa
imitação das bravatas de Saddam Hussein, a ameaça de trocar a “saliva” da
diplomacia pela “pólvora” de batalhões dispostos a invadir
Washington.
A
Faria Lima jamais será a mesma. Os “liberais bolsonaristas”, essa curiosa
irmandade de falsários, precisam substituir seus manuais de cabeceira. Na canoa
bolsonarista, Paulo Guedes deve trocar Hayek e Friedman por Lênin. Ou, para
facilitar, em diapasão mais nacional e popular, por Jones Manoel, o
queridinho de Caetano Veloso e
da esquerda neostalinista brasileira.
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