Ao
se manifestar sobre se a vacinação deve ou não ser compulsória, o STF voltou a
lembrar a Jair Bolsonaro que existem leis no Brasil
Ao se manifestar sobre se a futura vacinação contra a covid-19 deve ou não ser compulsória, o Supremo Tribunal Federal (STF) tornou a lembrar ao presidente Jair Bolsonaro que existem leis no Brasil – e que estas, ao contrário do que sustenta o buliçoso presidente, não permitem que a vontade de ególatras como ele, violentamente contrários à obrigatoriedade, se sobreponha à saúde da coletividade.
Uma
dessas leis, a 6.259, de 1975, determina que toda vacinação realizada em
programas nacionais de imunização é obrigatória e que “o cumprimento da
obrigatoriedade das vacinações será comprovado através de Atestado de Vacinação”,
conforme se lê no artigo 5.º.
Se
o presidente considerar essa lei antiga demais, há uma bem mais recente,
assinada por ele mesmo: é a Lei 13.979, de fevereiro de 2020, que estabelece em
seu artigo 3.º que, para enfrentamento da pandemia, “as autoridades poderão
adotar, no âmbito de suas competências”, diversas medidas, entre as quais a
“realização compulsória” de “vacinação e outras medidas profiláticas”.
Assim, não havia necessidade de mobilizar o Supremo para que se manifestasse acerca de tema tão plenamente pacificado por uma legislação tão clara. Mas os ministros do STF provavelmente sabiam que sua decisão não tinha caráter apenas jurídico: diante da campanha insana movida por Bolsonaro contra a vacina, era necessário expressar com clareza meridiana que a vontade do presidente e de seus camisas pardas ainda não é a lei.
E
não foi um dia qualquer. No momento em que o Supremo se reunia, o País tomava
conhecimento de que o número de mortos em 24 horas em decorrência da covid-19
voltou a superar mil, enquanto vários Estados reportam que seus sistemas de
saúde estão à beira do colapso em razão do aumento súbito de internações.
Não
são poucos os especialistas que alertam que, se o isolamento não for retomado
com força e se a vacinação atrasar, o recrudescimento da pandemia pode superar
os piores momentos da chamada “primeira onda”. Mas, se dependesse somente do
presidente Bolsonaro, não haveria nem distanciamento social nem quarentena
desde o primeiro dia da pandemia.
Recorde-se
que a primeira derrota legal do presidente na pandemia foi a rejeição, pelo
Supremo, da medida provisória em que ele tentou centralizar as decisões acerca
de quais serviços seriam considerados “essenciais” e, portanto, poderiam
permanecer abertos durante a quarentena. Na prática, Bolsonaro queria que tudo
fosse considerado “essencial” – inclusive barbearias, salões de beleza e
academias de ginástica – para que nada ficasse fechado, como se não houvesse um
vírus mortal à solta.
Assim,
o Supremo tem servido como obstáculo efetivo para a marcha da insensatez
bolsonarista. No voto mais eloquente da sessão de quarta-feira passada, o
ministro Alexandre de Moraes disse que o discurso antivacina é “hipócrita” e
que “a preservação da vida, da saúde, seja individual, seja pública, em um país
com quase 200 mil mortos pela covid-19, não permite demagogia, ideologia,
obscurantismo, disputas eleitoreiras e, principalmente, não permite
ignorância”. Já a ministra Cármen Lúcia foi certeira: “O egoísmo não é
compatível com a democracia. A Constituição não garante liberdade a uma pessoa
para que ela seja soberanamente egoísta”.
Até
mesmo o ministro da Economia, Paulo Guedes, advertiu que a recuperação
econômica tão desejada por seu chefe “só será possível na medida em que nós
tenhamos um retorno seguro ao trabalho, e esse retorno seguro ao trabalho exige
vacinação em massa da população”.
Mas
o demolidor da República não se deu nem se dará por vencido. Jair Bolsonaro
atacou a decisão do Supremo, classificando-a como “inócua”, porque “não temos
como conseguir vacina para todo mundo” – o que é uma clara confissão de
inépcia. E tornou a fazer terrorismo em relação à vacina, advertindo que, ao
tomá-la, o cidadão pode “virar um jacaré”, entre outras barbaridades – que não
causariam espanto na boca de uma criança de sete anos, mas, ditas por um chefe
de Estado em meio à catástrofe da pandemia, antecipam tempos ainda mais
sombrios à frente.
A
mentira e o mito – Opinião | O Estado de S. Paulo
Jair
Bolsonaro jamais se preocupou com o bem-estar econômico e social dos mais
carentes
É impressionante a quantidade de mentiras que o presidente Jair Bolsonaro é capaz de contar sem alterar o pulso apenas para sustentar uma narrativa política que o beneficie. Na live do dia 17 passado, transmitida no Facebook, o presidente afirmou que “não teve 13.º do Bolsa Família este ano porque o presidente da Câmara dos Deputados deixou a MP (da prorrogação do auxílio emergencial) caducar”. E quem quiser reclamar, que “vá cobrar do presidente da Câmara”.
Rodrigo
Maia reagiu imediatamente. Primeiro, disse que o presidente é um “mentiroso”.
Depois, pautou para ontem, horas após o ataque que sofreu, a votação da Medida
Provisória (MP) 1.000/2020, que prorrogou o pagamento do auxílio emergencial
para mitigar os efeitos adversos da pandemia, que dá sinais de recrudescimento.
Seria no âmbito desta MP que o pagamento do 13.º do Bolsa Família seria
tratado. Exposta a mentira do presidente e dado um bom susto nele e em sua
equipe, o presidente da Câmara retirou a MP da pauta.
Se
não houver pagamento do adicional do Bolsa Família neste ano, é porque o presidente
e seus articuladores políticos foram incapazes de negociar com o Parlamento a
fonte de financiamento do benefício. Não há dinheiro para bancar a demagogia do
presidente da República. Esta é a razão principal, entre outras, para que a MP
não tenha sido votada até agora. Para custear o pagamento extra do Bolsa
Família neste ano, benefício instituído por Bolsonaro no fim do ano passado,
teria de haver remanejamento de recursos orçamentários já destinados a outros
fins. E isto implica negociação política, algo que Jair Bolsonaro não sabe e
não quer fazer. Nunca quis.
O
ministro da Economia, Paulo Guedes, foi claríssimo. “Sou obrigado, contra a
minha vontade, a recomendar que não pode ser dado o 13.º do Bolsa Família”,
disse Guedes em entrevista coletiva ao final da apresentação do balanço de fim
de ano. “É lamentável”, prosseguiu o ministro, “mas (Jair Bolsonaro) precisa
escolher entre cometer um crime de responsabilidade e a lei.” É, pois, de
impeachment que se está falando.
Caso
o 13.º do Bolsa Família fosse pago pelo segundo ano consecutivo, configuraria
uma despesa permanente, exigindo, portanto, que o Executivo a compensasse por
meio do corte de despesas ou aumento permanente de receitas. O corte, segundo o
ministro Paulo Guedes, foi “impossível pelo pandemônio da pandemia”. Tampouco
houve aumento de receitas de forma permanente.
Não
por outra razão, após a reação de Rodrigo Maia, os apoiadores de Bolsonaro na
Câmara se apressaram para tentar retirar a votação da MP da pauta. Isto dá a
ideia da balbúrdia que é a administração de Bolsonaro, cujo governo não é outra
coisa senão um “deserto de ideias”, como o próprio Rodrigo Maia já havia
qualificado em entrevista ao Estado.
Estivesse
genuinamente preocupado com o bem-estar social e econômico de seus compatriotas,
Bolsonaro teria se dedicado com afinco à construção de uma agenda programática
mais robusta para enfrentar esta crise sem precedentes. Teria aberto canais de
diálogo permanente com o Congresso e a sociedade. Teria pensado em políticas
públicas e fontes de financiamento. Teria assumido o papel de líder da Nação no
momento mais dramático de sua história recente. Mas nenhuma causa parece ser
capaz de engajar o presidente a não ser a sua inoportuna campanha pela
reeleição e a garantia de noites de sono tranquilo para os seus filhos.
Se
“mito” é um termo que pode ser associado a Bolsonaro, em poucas situações é
mais aplicável do que à sua suposta preocupação com o bem-estar econômico e
social dos mais carentes. Basta lembrar que, a depender da vontade de
Bolsonaro, o auxílio emergencial que garantiu a sobrevivência de milhões de
brasileiros no curso da pandemia não teria passado de três parcelas de R$ 200.
Bolsonaro
jamais foi tocado pela compaixão, como mostram seus mais de 30 anos de vida
parlamentar. Uma vez alçado à Presidência da República, mostra que nada mudou,
para infortúnio dos brasileiros que têm de lidar com duas tragédias: uma crise
sanitária e a acefalia governamental.
O Fundeb no prumo – Opinião | O Estado de S. Paulo
Decisão
no Senado está em linha com o objetivo estruturante do Fundo e foi sensata
Em votação simbólica, o Senado aprovou a regulamentação do novo Fundo de Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb), restaurando o texto-base sem as emendas aprovadas pela Câmara, entre as quais a possibilidade de transferência de até 10% de recursos do ensino fundamental e médio para escolas filantrópicas, comunitárias e religiosas, além de repasses para o ensino profissionalizante do Sistema S e para funcionários terceirizados da rede pública. A decisão está em linha com o objetivo estruturante do Fundo e, dada a maneira atabalhoada com que as alterações foram feitas e a urgência de aprovar a regulamentação antes do fim do ano para que a rede escolar possa contar com novos recursos já em 2021, foi sensata.
O
§ 1.º do art. 213 da Constituição estabelece que, quando houver falta de vagas
e cursos regulares na rede pública na localidade de residência do aluno,
recursos públicos poderão ser destinados a bolsas em escolas comunitárias,
confessionais ou filantrópicas que demonstrarem insuficiência de recursos. Mas
o mesmo dispositivo especifica que o Poder Público é obrigado a investir
prioritariamente na expansão de sua rede na localidade. É precisamente para
este fim que se presta o Fundeb.
Instituições
beneficentes têm um papel histórico na educação, assim como na saúde. Como
disse ao Estado Kildare Meira, sócio da Covac Sociedade de Advogados,
muitas vezes “elas chegam onde o Estado não chega e compõem o conceito de
serviço público, mesmo não sendo estatais”. Esse é o caso sobretudo da educação
infantil (creche e pré-escola) na zona rural e de estabelecimentos para
portadores de necessidades especiais.
Essas
entidades já recebem recursos do Fundeb e na nova regulamentação continuarão a
receber, desde que comprovem, entre outros requisitos, seu caráter não
lucrativo. Como disse o relator do projeto no Senado, Izalci Lucas (PSDB-DF),
“toda essa educação é pública, a gestão é que é estatal ou privada. O
importante é que o aluno possa estudar numa boa escola”.
No
caso do ensino fundamental e médio, técnicos em ensino como os do Todos pela
Educação apontam que, excetuada a zona rural, há vagas suficientes na rede
pública. E, nos casos excepcionais em que não há, é papel do Fundeb justamente
garantir recursos para promover a sua implementação.
De
resto, as emendas foram apresentadas na última hora, sem estudos de impacto e
justificativa para a cota de 10% nem mecanismos de fiscalização. “Poderemos ter
migração de alunos para essas instituições, que ficam fora do radar de
verificação de qualidade pelo governo”, afirmou Priscila Cruz, diretora
executiva do Todos pela Educação. “Não vamos conseguir assegurar se serão
escolas que seguem a BNCC (Base Nacional Comum Curricular).”
Quanto
aos repasses para matrículas no ensino médio profissionalizante vinculadas ao
Sistema S, segundo a Campanha Nacional pelo Direito à Educação e a Associação
Nacional de Pesquisa em Financiamento da Educação, esse modelo já recebe volume
elevado de recursos, tem número limitado de matrículas e é pouco capilarizado pelo
País.
“O
Poder Público continua com a possibilidade de fazer convênios com as escolas
comunitárias e confessionais, só que não com recursos do Fundeb”, lembrou
Izalci Lucas. Com a garantia de que os recursos do Fundo serão canalizados para
a estruturação, expansão e qualificação das bases da rede pública – não à toa,
o Senado também rejeitou a proposta de incluir funcionários terceirizados na
cota de 70% para salários de profissionais da educação – e de que a
participação da União na composição do Fundeb crescerá gradualmente dos atuais
10% para 23%, ficará inclusive mais fácil para Estados e municípios
implementarem, conforme as suas contingências locais, parcerias estratégicas
com instituições beneficentes e de ensino profissionalizante.
Agora
o projeto retorna à Câmara. É imperativo que ele seja aprovado ainda neste ano.
Sem isso, segundo os cálculos do Todos pela Educação, 1.471 municípios, em
geral mais carentes, podem perder R$ 3 bilhões em recursos para o ensino.
Fim do auxílio testa popularidade de Bolsonaro – Opinião | O Globo
Reeleição
pressiona presidente a não cumprir promessas de respeito aos princípios da
austeridade financeira
O
auxílio emergencial tem ajudado milhões de famílias carentes e, em boa parte em
virtude disso, a popularidade de Jair Bolsonaro tem se mantido em nível
razoável. O que acontecerá com a imagem presidencial quando o auxílio chegar ao
fim no dia 31? É uma questão ainda sem resposta, mas decisiva para o futuro do
governo.
Na
pandemia, governos e políticos do mundo todo têm sofrido abalo na popularidade.
Não é o caso de Bolsonaro, que tem logrado a proeza de manter uma avaliação
positiva acima de um terço — na primeira quinzena do mês, seu desempenho no
governo era classificado como “ótimo” e “bom” por 37% na pesquisa Datafolha, e
por 35% no Ibope.
O
apoio ao presidente é concomitante ao novo avanço do vírus. A Covid-19 volta a
lotar UTIs, e a marca inaceitável de mais de 185 mil mortos avança para chegar
aos 200 mil. A popularidade presidencial caíra no início da pandemia, mas a
tendência mudou quando o auxílio emergencial de R$ 600 começou a ser
distribuído no final de abril. Em setembro, o valor foi reduzido pela metade e
prorrogado até o final deste mês. Em janeiro, acaba.
Como
reagirá o presidente? Os bolsonaristas de raiz, sectários, estimados pelo
DataFolha em 15% da população adulta, fazem barulho, mas não o reelegerão
sozinhos. Bolsonaro torce para que não haja uma aliança ampla que dispute com
ele o Planalto. Prefere que 2022 repita a campanha polarizada de 2018. Travestido
de representante da “nova política”, com uma plataforma de direita, o
ex-capitão enfrentou e venceu o Fernando Haddad de um PT em farrapos, depois da
série de escândalos de corrupção, do impeachment de Dilma e da prisão de Lula.
O
presidente candidato à reeleição sabe que o auxílio emergencial o ajudou a
entrar em bastiões antes inexpugnáveis de eleitores petistas no Nordeste,
cativados pelo Bolsa Família. Descobriu no poder o manejo de instrumentos
populistas. Logo quis lançar seu “Renda Cidadã”, sem ter dinheiro para isso no
Orçamento. Diz que desistiu, mas ninguém leva a sério.
Trata-se
de saber se, com o Centrão, conjunto de partidos cujo habitat são governos
gastadores, atentará contra o teto dos gastos, única âncora fiscal que mantém
as despesas do governo sob alguma rédea. O projeto dos sonhos de Bolsonaro
custa dinheiro suficiente para estourar o Orçamento de 2021, que já prevê um
déficit de R$ 247 bilhões.
Criar
o tal “Renda Cidadã”, ou seja lá que nome tenha, absorveria o Bolsa Família e
seu orçamento de R$ 30 bilhões anuais. Os números seriam estratosféricos. Para
o auxílio emergencial foram destinados R$ 322 bilhões, dos quais, segundo a
Instituição Fiscal Independente (IFI), do Senado, deverão ser liberados
efetivamente R$ 293 bilhões, restando um saldo de R$ 29 bilhões para 2021. O
déficit orçamentário entra em choque com as ambições eleitorais do presidente e
de seus aliados, que não têm compromisso com a austeridade fiscal. Haverá
turbulências à frente.
Brasil ficou para trás na ‘corrida maluca’ para garantir vacinas – Opinião | O Globo
Países
ricos já reservaram mais da metade das doses disponíveis.Por aqui, plano chegou
tarde
Enquanto
o plano de vacinação apresentado pelo governo federal é objeto de um escrutínio
detalhado e desperta enorme controvérsia, um fato parece incontornável: não
haverá vacina para todos, pelo menos no curto prazo. O governo demorou a agir
e, quando agiu, transformou uma questão científica no cavalo de uma batalha
política entre o presidente Jair Bolsonaro e o governador paulista, João Doria.
Depois
de torcer e retorcer as palavras, o ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, acabou
enfim aceitando que o governo encomendará qualquer vacina aprovada, mesmo a
CoronaVac, a que Bolsonaro se referia pouco tempo atrás como “vacina do Doria”.
Pazuello precisa desesperadamente correr atrás de vacinas que não estão
garantidas.
Uma
análise do epidemiologista Wanderson Oliveira estima que seriam necessárias 325
milhões de doses para um programa de vacinação nacional. No papel, o plano de
Pazuello fala em 425,5 milhões de doses ao longo do ano que vem. Tudo certo,
então? Claro que não.
Das
vacinas previstas, o que existe de garantido até agora no primeiro trimestre de
2021 seriam, na previsão generosa do próprio Pazuello, 93,4 milhões de doses.
Em janeiro e fevereiro, 1 milhão da vacina da Pfizer/BioNTech, 31 milhões da
CoronaVac mais 30 milhões da vacina da AstraZeneca/Oxford. Isso se as duas
últimas concluírem as pesquisas, forem aprovadas, e se a primeira superar
desafios logísticos não triviais ligados à distribuição a -70 ºC. Se tudo
correr bem, daria, considerando alguma perda, para vacinar perto de 28 milhões
no início do ano que vem.
Enquanto
isso, os países ricos já vacinam suas populações. Garantiram doses suficientes
para superar qualquer contratempo. Uma análise do jornal “New York Times”
afirma que “se todas as doses contratadas forem entregues, a União Europeia
poderia vacinar toda a sua população duas vezes, Reino Unido e Estados Unidos
quatro vezes, e o Canadá seis vezes”. Outro estudo, publicado no “British
Medical Journal”, com dados até 15 de novembro, estimou que haverá cinco
vacinações para cada canadense, três para australianos e britânicos, duas para
japoneses e europeus, uma para americanos e… meia para brasileiros.
Países
ricos reservaram mais da metade das 7,5 bilhões de doses disponíveis no
planeta. Só Japão, Austrália e Canadá, com apenas 1% dos casos, garantiram 1
bilhão dessas doses. A “corrida maluca” para assegurar o acesso aos imunizantes
já tem vencedores no planeta. E, como o carro dirigido naquele desenho animado
por Dick Vigarista e seu assecla Mutley, o Brasil de Bolsonaro e Pazuello ficou
para trás.
Confusão sem fim – Opinião | Folha de S. Paulo
Há
plano, mas não vacina; Bolsonaro e Doria agora disputam seringas e agulhas
Andou
bem o Supremo Tribunal Federal ao liberar a obrigatoriedade da vacinação contra
a Covid-19. Em pauta estava o interesse comum na saúde pública, que se sobrepõe
à liberdade individual, e por isso igualmente acertou o plenário ao autorizar
restrições para quem recusar imunização.
Os
obstáculos maiores se erguem alhures, do outro lado da praça dos Três Poderes.
Mesmo que o Ministério da Saúde se penitencie, volta e meia, pelos disparates e
fracassos logísticos do general Eduardo Pazuello, o presidente Jair Bolsonaro
se encarrega de turvar as águas dia sim e outro também.
Entre
as últimas investidas estultas, Bolsonaro recorreu a um truísmo para arremeter
contra a vacinação: faltarão doses ao longo de 2021 para imunizar toda a
população, portanto não haverá como governadores e prefeitos imporem medidas
restritivas a seus concidadãos, como permitiu o STF.
Faltou
o presidente reconhecer que a culpa pela imprevidência é sua, antes de mais
ninguém, e depois de seu ministro da Saúde.
É
o cúmulo da desfaçatez argumentar com o resultado da própria incompetência em
cumprir um dever sanitário básico —sem nada dizer da sabotagem flagrante— para
criticar quem tenta trilhar o caminho correto.
O
esforço do presidente para confundir vacina obrigatória com compulsória, ou
forçada, representa só mais um arranque em sua cruzada contra a ciência e a
razão.
Ninguém
seria nem será arrastado de casa para receber uma injeção coercitiva —nem
correria ou correrá o risco, muito menos, de transformar-se num jacaré, como
disse o irrefreável Bolsonaro.
O
poder público, se bem-intencionado, tem instrumentos melhores para induzir as
pessoas a se imunizar, mesmo que persistam dúvidas infundadas sobre segurança.
Uma
maneira civilizada seria condicionar o acesso a serviços oficiais —como emissão
de documentos, ou matrículas de ensino— a uma prova de vacinação.
Prossegue
a picuinha de Bolsonaro com o governador paulista, João Doria (PSDB), provável
concorrente eleitoral em 2022. Na contenda, empenham-se saúde e vida dos
brasileiros. Agora Planalto e Bandeirantes disputam
seringas e agulhas; pipocam rumores de que o ministério poderia
confiscar a vacina Coronavac antes desdenhada.
Já
que os dois lados não trabalham juntos, como seria o ideal, ao menos o vencedor
dessa guerra pode ser o cidadão brasileiro, na medida em que São Paulo vai
forçando Brasília a se mover.
EUA
e Europa já iniciam a vacinação; no Brasil, se Bolsonaro e Pazuello ficarem
calados e enfim trabalharem pelo bem comum, com sorte ela virá em fevereiro ou
março.
Assédio na Alesp – Opinião | | Folha de S. Paulo
Ato
deplorável do deputado Fernando Cury mostra machismo truculento resiste
O
vídeo que registrou o episódio não deixa margem para dúvida: durante sessão da
Assembleia Legislativa paulista, na quarta-feira (16), o deputado
Fernando Cury (Cidadania) aproxima-se de maneira insidiosa por trás da deputada
Isa Penna (PSOL), apalpa seu seio direito e é por ela repelido.
A
parlamentar estava de pé, diante da mesa da Presidência da Casa, conversando
com o presidente, Cauê Macris (PSDB), quando foi alvo da investida vil. A
reação do deputado, após o assédio tornar-se público, também não ofereceu
terreno para interpretações dúbias sobre sua miséria moral.
Discursou
o parlamentar, com requintes de cinismo: “Gostaria de frisar a todos,
principalmente às mulheres que estão aqui, que não houve, de forma alguma, da
minha parte, tentativa de assédio, de importunação sexual ou qualquer outra
coisa com algum outro nome semelhante a esse”.
A
seguir, prosseguindo com a impostura, pediu desculpas pelo que teria sido um
enlace inofensivo: “Se a deputada Isa Penna se sentiu ofendida com o abraço que
eu lhe dei, eu peço, de início, desculpa por isso. Desculpa se eu a constrangi.
Desculpa se eu tentei, como faço com diversas colegas aqui, abraçar e estar
próximo”.
O
partido do abraçante compulsivo foi mais sucinto
e pragmático. Em nota assinada por Roberto Freire e Arnaldo Jardim,
seus presidentes nacional e estadual, o Cidadania afirmou que “a legenda não
tolera qualquer forma de assédio e atuará fortemente para que medidas
definitivas sejam adotadas”.
Isa
Penna, a vítima da canalhice, fez o que deveria fazer. Subiu à tribuna para
denunciar o abuso e demandou providências para punir o agressor. Com apoio do
PSOL, despertou ampla solidariedade e mobilizou parcela expressiva da opinião
pública a seu favor.
Não
se sabe se a agressão será reconhecida pelo Conselho de Ética da Assembleia —um
tipo de órgão que infelizmente não dispõe da credibilidade necessária e,
ademais, é composto por sete homens e apenas uma mulher na Alesp.
Certo
é que o lamentável sucedido expõe a resistência da mentalidade machista
truculenta, que traduz em opressão física e moral seus privilégios patriarcais.
Felizmente a resposta firme de setores da sociedade e de parte das instituições permite nutrir a esperança de que os abusos não passem impunes e de que as assimetrias venham um dia a ser superadas.
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