sábado, 19 de dezembro de 2020

O que a mídia pensa: Opiniões / Editoriais

Contra a egolatria, a lei – Opinião | O Estado de S. Paulo

Ao se manifestar sobre se a vacinação deve ou não ser compulsória, o STF voltou a lembrar a Jair Bolsonaro que existem leis no Brasil

Ao se manifestar sobre se a futura vacinação contra a covid-19 deve ou não ser compulsória, o Supremo Tribunal Federal (STF) tornou a lembrar ao presidente Jair Bolsonaro que existem leis no Brasil – e que estas, ao contrário do que sustenta o buliçoso presidente, não permitem que a vontade de ególatras como ele, violentamente contrários à obrigatoriedade, se sobreponha à saúde da coletividade. 

Uma dessas leis, a 6.259, de 1975, determina que toda vacinação realizada em programas nacionais de imunização é obrigatória e que “o cumprimento da obrigatoriedade das vacinações será comprovado através de Atestado de Vacinação”, conforme se lê no artigo 5.º. 

Se o presidente considerar essa lei antiga demais, há uma bem mais recente, assinada por ele mesmo: é a Lei 13.979, de fevereiro de 2020, que estabelece em seu artigo 3.º que, para enfrentamento da pandemia, “as autoridades poderão adotar, no âmbito de suas competências”, diversas medidas, entre as quais a “realização compulsória” de “vacinação e outras medidas profiláticas”.

Assim, não havia necessidade de mobilizar o Supremo para que se manifestasse acerca de tema tão plenamente pacificado por uma legislação tão clara. Mas os ministros do STF provavelmente sabiam que sua decisão não tinha caráter apenas jurídico: diante da campanha insana movida por Bolsonaro contra a vacina, era necessário expressar com clareza meridiana que a vontade do presidente e de seus camisas pardas ainda não é a lei.

E não foi um dia qualquer. No momento em que o Supremo se reunia, o País tomava conhecimento de que o número de mortos em 24 horas em decorrência da covid-19 voltou a superar mil, enquanto vários Estados reportam que seus sistemas de saúde estão à beira do colapso em razão do aumento súbito de internações.

Não são poucos os especialistas que alertam que, se o isolamento não for retomado com força e se a vacinação atrasar, o recrudescimento da pandemia pode superar os piores momentos da chamada “primeira onda”. Mas, se dependesse somente do presidente Bolsonaro, não haveria nem distanciamento social nem quarentena desde o primeiro dia da pandemia.

Recorde-se que a primeira derrota legal do presidente na pandemia foi a rejeição, pelo Supremo, da medida provisória em que ele tentou centralizar as decisões acerca de quais serviços seriam considerados “essenciais” e, portanto, poderiam permanecer abertos durante a quarentena. Na prática, Bolsonaro queria que tudo fosse considerado “essencial” – inclusive barbearias, salões de beleza e academias de ginástica – para que nada ficasse fechado, como se não houvesse um vírus mortal à solta.

Assim, o Supremo tem servido como obstáculo efetivo para a marcha da insensatez bolsonarista. No voto mais eloquente da sessão de quarta-feira passada, o ministro Alexandre de Moraes disse que o discurso antivacina é “hipócrita” e que “a preservação da vida, da saúde, seja individual, seja pública, em um país com quase 200 mil mortos pela covid-19, não permite demagogia, ideologia, obscurantismo, disputas eleitoreiras e, principalmente, não permite ignorância”. Já a ministra Cármen Lúcia foi certeira: “O egoísmo não é compatível com a democracia. A Constituição não garante liberdade a uma pessoa para que ela seja soberanamente egoísta”.

Até mesmo o ministro da Economia, Paulo Guedes, advertiu que a recuperação econômica tão desejada por seu chefe “só será possível na medida em que nós tenhamos um retorno seguro ao trabalho, e esse retorno seguro ao trabalho exige vacinação em massa da população”.

Mas o demolidor da República não se deu nem se dará por vencido. Jair Bolsonaro atacou a decisão do Supremo, classificando-a como “inócua”, porque “não temos como conseguir vacina para todo mundo” – o que é uma clara confissão de inépcia. E tornou a fazer terrorismo em relação à vacina, advertindo que, ao tomá-la, o cidadão pode “virar um jacaré”, entre outras barbaridades – que não causariam espanto na boca de uma criança de sete anos, mas, ditas por um chefe de Estado em meio à catástrofe da pandemia, antecipam tempos ainda mais sombrios à frente.

A mentira e o mito – Opinião | O Estado de S. Paulo

Jair Bolsonaro jamais se preocupou com o bem-estar econômico e social dos mais carentes

É impressionante a quantidade de mentiras que o presidente Jair Bolsonaro é capaz de contar sem alterar o pulso apenas para sustentar uma narrativa política que o beneficie. Na live do dia 17 passado, transmitida no Facebook, o presidente afirmou que “não teve 13.º do Bolsa Família este ano porque o presidente da Câmara dos Deputados deixou a MP (da prorrogação do auxílio emergencial) caducar”. E quem quiser reclamar, que “vá cobrar do presidente da Câmara”.

Rodrigo Maia reagiu imediatamente. Primeiro, disse que o presidente é um “mentiroso”. Depois, pautou para ontem, horas após o ataque que sofreu, a votação da Medida Provisória (MP) 1.000/2020, que prorrogou o pagamento do auxílio emergencial para mitigar os efeitos adversos da pandemia, que dá sinais de recrudescimento. Seria no âmbito desta MP que o pagamento do 13.º do Bolsa Família seria tratado. Exposta a mentira do presidente e dado um bom susto nele e em sua equipe, o presidente da Câmara retirou a MP da pauta.

Se não houver pagamento do adicional do Bolsa Família neste ano, é porque o presidente e seus articuladores políticos foram incapazes de negociar com o Parlamento a fonte de financiamento do benefício. Não há dinheiro para bancar a demagogia do presidente da República. Esta é a razão principal, entre outras, para que a MP não tenha sido votada até agora. Para custear o pagamento extra do Bolsa Família neste ano, benefício instituído por Bolsonaro no fim do ano passado, teria de haver remanejamento de recursos orçamentários já destinados a outros fins. E isto implica negociação política, algo que Jair Bolsonaro não sabe e não quer fazer. Nunca quis.

O ministro da Economia, Paulo Guedes, foi claríssimo. “Sou obrigado, contra a minha vontade, a recomendar que não pode ser dado o 13.º do Bolsa Família”, disse Guedes em entrevista coletiva ao final da apresentação do balanço de fim de ano. “É lamentável”, prosseguiu o ministro, “mas (Jair Bolsonaro) precisa escolher entre cometer um crime de responsabilidade e a lei.” É, pois, de impeachment que se está falando.

Caso o 13.º do Bolsa Família fosse pago pelo segundo ano consecutivo, configuraria uma despesa permanente, exigindo, portanto, que o Executivo a compensasse por meio do corte de despesas ou aumento permanente de receitas. O corte, segundo o ministro Paulo Guedes, foi “impossível pelo pandemônio da pandemia”. Tampouco houve aumento de receitas de forma permanente.

Não por outra razão, após a reação de Rodrigo Maia, os apoiadores de Bolsonaro na Câmara se apressaram para tentar retirar a votação da MP da pauta. Isto dá a ideia da balbúrdia que é a administração de Bolsonaro, cujo governo não é outra coisa senão um “deserto de ideias”, como o próprio Rodrigo Maia já havia qualificado em entrevista ao Estado.

Estivesse genuinamente preocupado com o bem-estar social e econômico de seus compatriotas, Bolsonaro teria se dedicado com afinco à construção de uma agenda programática mais robusta para enfrentar esta crise sem precedentes. Teria aberto canais de diálogo permanente com o Congresso e a sociedade. Teria pensado em políticas públicas e fontes de financiamento. Teria assumido o papel de líder da Nação no momento mais dramático de sua história recente. Mas nenhuma causa parece ser capaz de engajar o presidente a não ser a sua inoportuna campanha pela reeleição e a garantia de noites de sono tranquilo para os seus filhos.

Se “mito” é um termo que pode ser associado a Bolsonaro, em poucas situações é mais aplicável do que à sua suposta preocupação com o bem-estar econômico e social dos mais carentes. Basta lembrar que, a depender da vontade de Bolsonaro, o auxílio emergencial que garantiu a sobrevivência de milhões de brasileiros no curso da pandemia não teria passado de três parcelas de R$ 200.

Bolsonaro jamais foi tocado pela compaixão, como mostram seus mais de 30 anos de vida parlamentar. Uma vez alçado à Presidência da República, mostra que nada mudou, para infortúnio dos brasileiros que têm de lidar com duas tragédias: uma crise sanitária e a acefalia governamental.

O Fundeb no prumo – Opinião | O Estado de S. Paulo

Decisão no Senado está em linha com o objetivo estruturante do Fundo e foi sensata

Em votação simbólica, o Senado aprovou a regulamentação do novo Fundo de Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb), restaurando o texto-base sem as emendas aprovadas pela Câmara, entre as quais a possibilidade de transferência de até 10% de recursos do ensino fundamental e médio para escolas filantrópicas, comunitárias e religiosas, além de repasses para o ensino profissionalizante do Sistema S e para funcionários terceirizados da rede pública. A decisão está em linha com o objetivo estruturante do Fundo e, dada a maneira atabalhoada com que as alterações foram feitas e a urgência de aprovar a regulamentação antes do fim do ano para que a rede escolar possa contar com novos recursos já em 2021, foi sensata.

O § 1.º do art. 213 da Constituição estabelece que, quando houver falta de vagas e cursos regulares na rede pública na localidade de residência do aluno, recursos públicos poderão ser destinados a bolsas em escolas comunitárias, confessionais ou filantrópicas que demonstrarem insuficiência de recursos. Mas o mesmo dispositivo especifica que o Poder Público é obrigado a investir prioritariamente na expansão de sua rede na localidade. É precisamente para este fim que se presta o Fundeb.

Instituições beneficentes têm um papel histórico na educação, assim como na saúde. Como disse ao Estado Kildare Meira, sócio da Covac Sociedade de Advogados, muitas vezes “elas chegam onde o Estado não chega e compõem o conceito de serviço público, mesmo não sendo estatais”. Esse é o caso sobretudo da educação infantil (creche e pré-escola) na zona rural e de estabelecimentos para portadores de necessidades especiais.

Essas entidades já recebem recursos do Fundeb e na nova regulamentação continuarão a receber, desde que comprovem, entre outros requisitos, seu caráter não lucrativo. Como disse o relator do projeto no Senado, Izalci Lucas (PSDB-DF), “toda essa educação é pública, a gestão é que é estatal ou privada. O importante é que o aluno possa estudar numa boa escola”.

No caso do ensino fundamental e médio, técnicos em ensino como os do Todos pela Educação apontam que, excetuada a zona rural, há vagas suficientes na rede pública. E, nos casos excepcionais em que não há, é papel do Fundeb justamente garantir recursos para promover a sua implementação.

De resto, as emendas foram apresentadas na última hora, sem estudos de impacto e justificativa para a cota de 10% nem mecanismos de fiscalização. “Poderemos ter migração de alunos para essas instituições, que ficam fora do radar de verificação de qualidade pelo governo”, afirmou Priscila Cruz, diretora executiva do Todos pela Educação. “Não vamos conseguir assegurar se serão escolas que seguem a BNCC (Base Nacional Comum Curricular).”

Quanto aos repasses para matrículas no ensino médio profissionalizante vinculadas ao Sistema S, segundo a Campanha Nacional pelo Direito à Educação e a Associação Nacional de Pesquisa em Financiamento da Educação, esse modelo já recebe volume elevado de recursos, tem número limitado de matrículas e é pouco capilarizado pelo País.

“O Poder Público continua com a possibilidade de fazer convênios com as escolas comunitárias e confessionais, só que não com recursos do Fundeb”, lembrou Izalci Lucas. Com a garantia de que os recursos do Fundo serão canalizados para a estruturação, expansão e qualificação das bases da rede pública – não à toa, o Senado também rejeitou a proposta de incluir funcionários terceirizados na cota de 70% para salários de profissionais da educação – e de que a participação da União na composição do Fundeb crescerá gradualmente dos atuais 10% para 23%, ficará inclusive mais fácil para Estados e municípios implementarem, conforme as suas contingências locais, parcerias estratégicas com instituições beneficentes e de ensino profissionalizante.

Agora o projeto retorna à Câmara. É imperativo que ele seja aprovado ainda neste ano. Sem isso, segundo os cálculos do Todos pela Educação, 1.471 municípios, em geral mais carentes, podem perder R$ 3 bilhões em recursos para o ensino.

Fim do auxílio testa popularidade de Bolsonaro – Opinião | O Globo

Reeleição pressiona presidente a não cumprir promessas de respeito aos princípios da austeridade financeira

O auxílio emergencial tem ajudado milhões de famílias carentes e, em boa parte em virtude disso, a popularidade de Jair Bolsonaro tem se mantido em nível razoável. O que acontecerá com a imagem presidencial quando o auxílio chegar ao fim no dia 31? É uma questão ainda sem resposta, mas decisiva para o futuro do governo.

Na pandemia, governos e políticos do mundo todo têm sofrido abalo na popularidade. Não é o caso de Bolsonaro, que tem logrado a proeza de manter uma avaliação positiva acima de um terço — na primeira quinzena do mês, seu desempenho no governo era classificado como “ótimo” e “bom” por 37% na pesquisa Datafolha, e por 35% no Ibope.

O apoio ao presidente é concomitante ao novo avanço do vírus. A Covid-19 volta a lotar UTIs, e a marca inaceitável de mais de 185 mil mortos avança para chegar aos 200 mil. A popularidade presidencial caíra no início da pandemia, mas a tendência mudou quando o auxílio emergencial de R$ 600 começou a ser distribuído no final de abril. Em setembro, o valor foi reduzido pela metade e prorrogado até o final deste mês. Em janeiro, acaba.

Como reagirá o presidente? Os bolsonaristas de raiz, sectários, estimados pelo DataFolha em 15% da população adulta, fazem barulho, mas não o reelegerão sozinhos. Bolsonaro torce para que não haja uma aliança ampla que dispute com ele o Planalto. Prefere que 2022 repita a campanha polarizada de 2018. Travestido de representante da “nova política”, com uma plataforma de direita, o ex-capitão enfrentou e venceu o Fernando Haddad de um PT em farrapos, depois da série de escândalos de corrupção, do impeachment de Dilma e da prisão de Lula.

O presidente candidato à reeleição sabe que o auxílio emergencial o ajudou a entrar em bastiões antes inexpugnáveis de eleitores petistas no Nordeste, cativados pelo Bolsa Família. Descobriu no poder o manejo de instrumentos populistas. Logo quis lançar seu “Renda Cidadã”, sem ter dinheiro para isso no Orçamento. Diz que desistiu, mas ninguém leva a sério.

Trata-se de saber se, com o Centrão, conjunto de partidos cujo habitat são governos gastadores, atentará contra o teto dos gastos, única âncora fiscal que mantém as despesas do governo sob alguma rédea. O projeto dos sonhos de Bolsonaro custa dinheiro suficiente para estourar o Orçamento de 2021, que já prevê um déficit de R$ 247 bilhões.

Criar o tal “Renda Cidadã”, ou seja lá que nome tenha, absorveria o Bolsa Família e seu orçamento de R$ 30 bilhões anuais. Os números seriam estratosféricos. Para o auxílio emergencial foram destinados R$ 322 bilhões, dos quais, segundo a Instituição Fiscal Independente (IFI), do Senado, deverão ser liberados efetivamente R$ 293 bilhões, restando um saldo de R$ 29 bilhões para 2021. O déficit orçamentário entra em choque com as ambições eleitorais do presidente e de seus aliados, que não têm compromisso com a austeridade fiscal. Haverá turbulências à frente.

Brasil ficou para trás na ‘corrida maluca’ para garantir vacinas – Opinião | O Globo

Países ricos já reservaram mais da metade das doses disponíveis.Por aqui, plano chegou tarde

Enquanto o plano de vacinação apresentado pelo governo federal é objeto de um escrutínio detalhado e desperta enorme controvérsia, um fato parece incontornável: não haverá vacina para todos, pelo menos no curto prazo. O governo demorou a agir e, quando agiu, transformou uma questão científica no cavalo de uma batalha política entre o presidente Jair Bolsonaro e o governador paulista, João Doria.

Depois de torcer e retorcer as palavras, o ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, acabou enfim aceitando que o governo encomendará qualquer vacina aprovada, mesmo a CoronaVac, a que Bolsonaro se referia pouco tempo atrás como “vacina do Doria”. Pazuello precisa desesperadamente correr atrás de vacinas que não estão garantidas.

Uma análise do epidemiologista Wanderson Oliveira estima que seriam necessárias 325 milhões de doses para um programa de vacinação nacional. No papel, o plano de Pazuello fala em 425,5 milhões de doses ao longo do ano que vem. Tudo certo, então? Claro que não.

Das vacinas previstas, o que existe de garantido até agora no primeiro trimestre de 2021 seriam, na previsão generosa do próprio Pazuello, 93,4 milhões de doses. Em janeiro e fevereiro, 1 milhão da vacina da Pfizer/BioNTech, 31 milhões da CoronaVac mais 30 milhões da vacina da AstraZeneca/Oxford. Isso se as duas últimas concluírem as pesquisas, forem aprovadas, e se a primeira superar desafios logísticos não triviais ligados à distribuição a -70 ºC. Se tudo correr bem, daria, considerando alguma perda, para vacinar perto de 28 milhões no início do ano que vem.

Enquanto isso, os países ricos já vacinam suas populações. Garantiram doses suficientes para superar qualquer contratempo. Uma análise do jornal “New York Times” afirma que “se todas as doses contratadas forem entregues, a União Europeia poderia vacinar toda a sua população duas vezes, Reino Unido e Estados Unidos quatro vezes, e o Canadá seis vezes”. Outro estudo, publicado no “British Medical Journal”, com dados até 15 de novembro, estimou que haverá cinco vacinações para cada canadense, três para australianos e britânicos, duas para japoneses e europeus, uma para americanos e… meia para brasileiros.

Países ricos reservaram mais da metade das 7,5 bilhões de doses disponíveis no planeta. Só Japão, Austrália e Canadá, com apenas 1% dos casos, garantiram 1 bilhão dessas doses. A “corrida maluca” para assegurar o acesso aos imunizantes já tem vencedores no planeta. E, como o carro dirigido naquele desenho animado por Dick Vigarista e seu assecla Mutley, o Brasil de Bolsonaro e Pazuello ficou para trás.

Confusão sem fim – Opinião | Folha de S. Paulo

Há plano, mas não vacina; Bolsonaro e Doria agora disputam seringas e agulhas

Andou bem o Supremo Tribunal Federal ao liberar a obrigatoriedade da vacinação contra a Covid-19. Em pauta estava o interesse comum na saúde pública, que se sobrepõe à liberdade individual, e por isso igualmente acertou o plenário ao autorizar restrições para quem recusar imunização.

Os obstáculos maiores se erguem alhures, do outro lado da praça dos Três Poderes. Mesmo que o Ministério da Saúde se penitencie, volta e meia, pelos disparates e fracassos logísticos do general Eduardo Pazuello, o presidente Jair Bolsonaro se encarrega de turvar as águas dia sim e outro também.

Entre as últimas investidas estultas, Bolsonaro recorreu a um truísmo para arremeter contra a vacinação: faltarão doses ao longo de 2021 para imunizar toda a população, portanto não haverá como governadores e prefeitos imporem medidas restritivas a seus concidadãos, como permitiu o STF.

Faltou o presidente reconhecer que a culpa pela imprevidência é sua, antes de mais ninguém, e depois de seu ministro da Saúde.

É o cúmulo da desfaçatez argumentar com o resultado da própria incompetência em cumprir um dever sanitário básico —sem nada dizer da sabotagem flagrante— para criticar quem tenta trilhar o caminho correto.

O esforço do presidente para confundir vacina obrigatória com compulsória, ou forçada, representa só mais um arranque em sua cruzada contra a ciência e a razão.

Ninguém seria nem será arrastado de casa para receber uma injeção coercitiva —nem correria ou correrá o risco, muito menos, de transformar-se num jacaré, como disse o irrefreável Bolsonaro.

O poder público, se bem-intencionado, tem instrumentos melhores para induzir as pessoas a se imunizar, mesmo que persistam dúvidas infundadas sobre segurança.

Uma maneira civilizada seria condicionar o acesso a serviços oficiais —como emissão de documentos, ou matrículas de ensino— a uma prova de vacinação.

Prossegue a picuinha de Bolsonaro com o governador paulista, João Doria (PSDB), provável concorrente eleitoral em 2022. Na contenda, empenham-se saúde e vida dos brasileiros. Agora Planalto e Bandeirantes disputam seringas e agulhas; pipocam rumores de que o ministério poderia confiscar a vacina Coronavac antes desdenhada.

Já que os dois lados não trabalham juntos, como seria o ideal, ao menos o vencedor dessa guerra pode ser o cidadão brasileiro, na medida em que São Paulo vai forçando Brasília a se mover.

EUA e Europa já iniciam a vacinação; no Brasil, se Bolsonaro e Pazuello ficarem calados e enfim trabalharem pelo bem comum, com sorte ela virá em fevereiro ou março.

Assédio na Alesp – Opinião | | Folha de S. Paulo

Ato deplorável do deputado Fernando Cury mostra machismo truculento resiste

O vídeo que registrou o episódio não deixa margem para dúvida: durante sessão da Assembleia Legislativa paulista, na quarta-feira (16), o deputado Fernando Cury (Cidadania) aproxima-se de maneira insidiosa por trás da deputada Isa Penna (PSOL), apalpa seu seio direito e é por ela repelido.

A parlamentar estava de pé, diante da mesa da Presidência da Casa, conversando com o presidente, Cauê Macris (PSDB), quando foi alvo da investida vil. A reação do deputado, após o assédio tornar-se público, também não ofereceu terreno para interpretações dúbias sobre sua miséria moral.

Discursou o parlamentar, com requintes de cinismo: “Gostaria de frisar a todos, principalmente às mulheres que estão aqui, que não houve, de forma alguma, da minha parte, tentativa de assédio, de importunação sexual ou qualquer outra coisa com algum outro nome semelhante a esse”.

A seguir, prosseguindo com a impostura, pediu desculpas pelo que teria sido um enlace inofensivo: “Se a deputada Isa Penna se sentiu ofendida com o abraço que eu lhe dei, eu peço, de início, desculpa por isso. Desculpa se eu a constrangi. Desculpa se eu tentei, como faço com diversas colegas aqui, abraçar e estar próximo”.

O partido do abraçante compulsivo foi mais sucinto e pragmático. Em nota assinada por Roberto Freire e Arnaldo Jardim, seus presidentes nacional e estadual, o Cidadania afirmou que “a legenda não tolera qualquer forma de assédio e atuará fortemente para que medidas definitivas sejam adotadas”.

Isa Penna, a vítima da canalhice, fez o que deveria fazer. Subiu à tribuna para denunciar o abuso e demandou providências para punir o agressor. Com apoio do PSOL, despertou ampla solidariedade e mobilizou parcela expressiva da opinião pública a seu favor.

Não se sabe se a agressão será reconhecida pelo Conselho de Ética da Assembleia —um tipo de órgão que infelizmente não dispõe da credibilidade necessária e, ademais, é composto por sete homens e apenas uma mulher na Alesp.

Certo é que o lamentável sucedido expõe a resistência da mentalidade machista truculenta, que traduz em opressão física e moral seus privilégios patriarcais.

Felizmente a resposta firme de setores da sociedade e de parte das instituições permite nutrir a esperança de que os abusos não passem impunes e de que as assimetrias venham um dia a ser superadas.

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