sábado, 19 de dezembro de 2020

Oscar Vilhena Vieira* - Desafios para 2021

- Folha de S. Paulo

Precisamos abrir espaço para a ciência, o bom governo e a solidariedade social

Em 2020, o futuro resolveu nos pregar uma peça e fazer uma visita inesperada e perturbadora, revelando sua face distópica e arbitrária, mas também destacando uma série de virtudes que serão indispensáveis para sobreviver em um mundo cada vez mais instável, inseguro e complexo.

Quem imaginaria, às vésperas das festas de final de ano de 2019, que mais de 1,6 milhão de pessoas perderiam a vida e as rotinas de todos os demais seriam profundamente afetadas pela pandemia? A angústia do isolamento, para os que tiveram recursos e perseverança para se protegerem, e o medo e a contaminação, para aqueles que foram obrigados a permanecer nas trincheiras, foram incorporados à vida de cada um. Exceto, é claro, para aqueles que vivem em delirante negação, ou que veem a pandemia como oportunidade para perseguir objetivos inomináveis.

O encontro da pandemia com a onda de populismo não poderia ter sido mais trágico. Como era de se esperar, onde prevaleceu a polarização, o obscurantismo, o negacionismo e a desconfiança, como no Brasil, México, Estados Unidos ou na Índia o vírus se propagou de forma mais ampla e matou mais pessoas. Dada a natureza amoral e oportunista do vírus, o impacto da pandemia sobre a população tem sido uma consequência, sobretudo, da capacidade e dos esforços coletivos para a prevenção e o tratamento da doença.

Ao minimizar os riscos da pandemia, conspirar contra as medidas preventivas de afastamento social, promover aglomerações, desarticular políticas de saúde e se contrapor, de múltiplas formas, à vacinação, governantes populistas atraíram para si a responsabilidade política e jurídica por milhares de mortes que poderiam ter sido evitadas, como alertou José Carlos Dias, ex-ministro da Justiça e presidente da Comissão Arns de Direitos Humanos, em recente entrevista a esta Folha.

Em sentido oposto, este estranho ano também colocou em evidência uma série de virtudes que se demonstraram indispensáveis no enfrentamento da atual crise e que certamente serão essenciais para lidar com as crises climáticas, sanitárias ou mesmo sociais que se armam no horizonte.

Produzir e levar a ciência à sério, não se deixando embalar pela ideologia ou resignação, tem sido uma virtude essencial na luta contra a pandemia. A produção, em tempo recorde, da vacina, deixa claro que sem a ciência não há como retomarmos a normalidade. Sem os meios digitais e o emprego sistêmico de tecnologias de comunicação, ficaríamos paralisados. Sem logística, morreríamos na praia.

A virtude do bom governo, pautado em critérios racionais, éticos e democráticos, capaz de promover a coordenação de esforços e cooperação, inclusive internacional, em favor do bem comum, também tem se demonstrado essencial. Basta olhar para Nova Zelândia, Canadá ou Alemanha.

Por fim, sem a virtude da solidariedade, exercitada em sua dimensão humana sobretudo por profissionais de saúde, ou coletivamente pelos sistemas de proteção social e de bem-estar, a catástrofe seria ainda maior. Muitos outros segmentos também envidaram esforços para acolher os mais vulneráveis e manter a própria economia em funcionamento, mitigando os efeitos nefastos de atitudes irresponsáveis, políticas e individuais, que atentam contra a vida.

O grande desafio de 2021 é colocar limites à vaga populista, abrindo espaço para que a ciência, o bom governo e a solidariedade social nos retirem dessa enrascada e nos fortaleçam para enfrentar as novas borrascas que certamente teremos pela frente.

Às generosas leitoras e leitores, desejo um bom ano.

*Oscar Vilhena Vieira, professor da FGV Direito SP, mestre em direito pela Universidade Columbia (EUA) e doutor em ciência política pela USP.

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