É
difícil compreender a atuação do Supremo Tribunal Federal (STF) nesse caso da
permissão de reeleição dos presidentes da Câmara e do Senado na mesma
legislatura. Seria fácil se partíssemos da aparência de posição política dos
votos dados até agora. Apenas o ministro Marco Aurélio ateve-se à única questão
que importa: “Indaga-se: o § 4º do artigo 57 da Lei Maior enseja interpretações
diversas? Não. É categórico”.
O
próprio Gilmar Mendes, relator que deu origem aos votos favoráveis à reeleição
de Rodrigo Maia e David Alcolumbre, disse em seu voto que essa é uma questão
política, e como tal deveria ser tratada pelo Congresso. Imaginei que os
ministros pudessem avaliar como uma decisão interna do Congresso, o que já era
uma interpretação distorcida, pois a Constituição proíbe expressamente, e o STF
tem a obrigação de resguardá-la.
Mas
os ministros partiram para interpretações que revelam posições pessoais, como,
por exemplo, o relator dizer que a regra de proibição de reeleição só vale a
partir do ano que vem. Como explicar que a Constituição vale num ano e não vale
no outro? Deixar passar essa mudança apenas com uma autorização do Congresso,
sem alterar a Constituição, é mesmo incompreensível.
A indefinição desta eleição está atrasando as votações no Congresso há meses. O presidente do Senado, David Alcolumbre também faz um papel muito feio, parou tudo no Senado para negociar sua reeleição, e a eleição de seu irmão à prefeitura de Macapá. Feio é perder, poderá responder, típica atitude de quem, como ele, procurou a reeleição sem nem mesmo tentar mudar a Constituição.
Já
a posição de Rodrigo Maia é inteligente politicamente. Diz que não vai se
candidatar e quer aprovar as reformas. Pode até sair candidato mais tarde - e
parece que nos bastidores está trabalhando para isso - , alegando pedidos. Se
pensar a longo prazo, não fará isso. Mas é tentador não deixar que o presidente
Bolsonaro tome conta da Câmara.
O
ministro Gilmar Mendes alegou, entre tantas outras interpretações criativas,
que a proibição de reeleição foi baseada na legislação da ditadura militar, que
queria dificultar a vida dos políticos de oposição. Esqueceu-se de que a os
constituintes de 1988 mantiveram a proibição, com o fim específico de que ela
impedisse a reeleição da mesma direção da Câmara no mandato subsequente ao que
exerceu na Mesa Diretora.
Gilmar
considerou “desinfluente”, para o estabelecimento desse limite, que a reeleição
ou recondução ocorra dentro da mesma legislatura, ou por ocasião da passagem de
uma para outra. Nada mais longe da intenção dos legisladores da Constituinte.
Bastava uma pesquisa rápida, se realmente não tinha essa informação, para saber
que dias antes da aprovação da Constituição, o senador Jarbas Passarinho,
ex-ministro de governos militares, propôs que o artigo 57 fosse mais explícito
incluindo a expressão "por dois anos", a duração dos mandatos dos
presidentes das Casas.
O
então deputado Nelson Jobim, que trabalhou na redação da Constituição, explicou
que o que se queria evitar é que a Mesa eleita no primeiro ano da legislatura
fosse reeleita para o terceiro e o quarto ano da legislatura. O deputado
ressaltou que não haveria proibição de que "a mesa eleita no terceiro ano
da legislatura pudesse ser reeleita no primeiro ano da legislatura
seguinte".
Mesmo
assim, a rigidez era tamanha que a reeleição em legislaturas diferentes só foi
permitida em 1999, quando Antonio Carlos Magalhães e Michel Temer conseguiram
um segundo mandato consecutivo para comandar o Senado e a Câmara. Jobim está
vivo e poderia esclarecer a intenção dos constituintes se o ministro Gilmar
Mendes tivesse alguma dúvida.
O
preocupante é que a Justiça está assumindo posições políticas em suas decisões.
O ministro Nunes Marques, bolsonarista convicto, votou a favor da reeleição,
mas apenas do Senado, favorecendo o afastamento de Rodrigo Maia, desafeto do
Palácio do Planalto. E o juiz da Terceira Vara Criminal de Maceió, Carlos
Henrique Pita Duarte, anulou as investigações e arquivou o inquérito que
acusava o deputado Arthur Lira, candidato do presidente Bolsonaro à presidência
da Câmara, de ter enriquecido com base em “rachadinhas” quando era deputado
estadual.
Há uma frase famosa de Rui Barbosa que diz que o Supremo tem direito a errar por último. Parece ser o caso.
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