Mas
falta que outras instituições brasileiras saiam de seu estupor e se manifestem
No
domingo último (6), esta coluna se perguntou o que a comunidade médica, através
de seus conselhos e sociedades, tinha a dizer sobre o papel de Jair Bolsonaro
na tragédia da Covid-19. Já que muitos de seus membros votaram nele —sendo que,
por suas qualificações acadêmicas, poderiam ter percebido que estavam elegendo
um demente—, a experiência de nove meses de pandemia, a luta nas linhas de
frente e o custo de até agora 180 mil vidas talvez lhes dessem finalmente
subsídios para um posicionamento.
Esse
posicionamento começou a surgir, provocado pela perda nesta semana por Covid do
dr. Ricardo Cruz, brilhante cirurgião de cabeça e pescoço, aos 66 anos, no
Hospital Samaritano, aqui no Rio. Nada faltou a Cruz em recursos médicos
durante semanas de internação. Mas nem assim foi possível salvá-lo —porque o
vírus não é uma "gripezinha".
Em nota oficial há dois dias, a Sociedade de Medicina e Cirurgia do Rio de Janeiro protestou contra a "miopia criminosa", a "política homicida" e a "desumanidade, negligência e criminosa irresponsabilidade de políticos e mandatários" no combate à doença —sem citar nomes, embora a referência à "falta de liderança" aponte fatalmente para o de Jair Bolsonaro.
É
só um começo. Quando Bolsonaro for levado a responder por cada morte causada
por suas atitudes diante da pandemia, precisaremos de especialistas para
fundamentar as acusações. Mas não se pode esperar. Com quase mil mortes por dia
e pelo desatino com que o governo trata a saúde, outras sociedades médicas,
principalmente de caráter nacional, deveriam se manifestar.
E,
como Bolsonaro não visa destruir somente a saúde, seria o caso de as
instituições ligadas à educação, ao meio ambiente, à diplomacia, aos direitos
humanos e à própria Justiça também acordarem de seu estupor e saírem em defesa
do que acreditam. Ou em breve já não haverá muito o que defender.
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