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O Globo
O
presidente Bolsonaro descreve uma rota de escape em sua trajetória política,
movendo-se para longe de sua origem, deixando a incoerência como sua marca, o
que não chega a ser novidade entre nós. Eleito à Presidência da República em
situação radicalizada, identificada pelos cientistas políticos como um ponto
fora da curva, tentará a reeleição a bordo de uma coligação partidária
comandada pelo “Centrão”, expressão máxima da baixa política que fingiu
abominar durante a campanha presidencial.
Quis, sem sucesso, governar prescindindo dos partidos e das instituições
democráticas. Perdeu seu primeiro ano de mandato com tentativas golpistas,
alimentando uma turba extremista. Conflitos com o Congresso e com o Supremo
Tribunal Federal (STF) provocaram crises institucionais, que só abandonou
quando a prisão de seu ex-auxiliar, o ex- PM Fabrício Queiroz, pôs em risco
seus filhos, especialmente o senador Flávio Bolsonaro, investigado pelas
“rachadinhas” quando era deputado estadual.
Buscou cordialidade com o Supremo quando os processos sobre fake news e
manobras antidemocráticas chegaram dentro do Palácio do Planalto, no gabinete
do ódio. Livrou-se de Sergio Moro, um ministro simbólico de seu pseudo-empenho
em combater a corrupção, e foi se blindar justamente no avesso do avesso disso.
O Centrão tem a pretensão de domá-lo, para transformá-lo de líder político
tosco e autoritário em candidato populista e sensível às necessidades do povo.
Na posse, o novo presidente da Câmara, deputado Arthur Lira, sublinhou a
necessidade de auxiliar os necessitados (leia-se auxílio emergencial) e
repetiu: “Vacinar, vacinar, vacinar”. Os políticos já sabem que o negacionismo
tira votos de Bolsonaro e querem dar-lhe um banho de humanismo. Escancarada a
inutilidade dos partidos — só Bolsonaro já esteve em dez deles —, assim como a
pandemia escancarou a desigualdade social, ambos fenômenos bem brasileiros, o
presidente que só pensa naquilo busca a reeleição com nova roupagem, mas
disposto a conservar seus eleitores extremistas.
Uma engenharia política semelhante à de 2018, mas naquela ocasião não havia
candidato na centro-direita que fosse competitivo. Bolsonaro engoliu o
eleitorado do PSDB no Sudeste e obrigou que os fisiológicos do Centrão
aderissem a ele em meio à campanha. O fantasma do petismo uniu diversas
correntes em torno de Bolsonaro, e continuará sendo assim caso a
centro-esquerda não se organize.
A eleição para as presidências da Câmara e do Senado mostrou que os partidos de
centro-direita já estão tomando o caminho da adesão, oficial ou camuflada, ao
governo Bolsonaro. A esquerda está dominada pelo petismo, talvez até com Lula
na cabeça da chapa, o sonho de consumo de Bolsonaro. Provavelmente Moro será
considerado parcial com o voto de minerva do ministro Nunes Marques.
O PSDB parece se desmilinguir, e não é à toa que o ex-presidente Fernando
Henrique insiste na candidatura de Luciano Huck. Um grupo de tucanos já abriu
conversas com o Cidadania, mas quer que surja daí um novo partido, com outro
nome, o que não agrada a Roberto Freire, seu presidente. Rede e Partido Verde
já conversam também sobre fusão com o Cidadania, que pode até mesmo receber o
deputado federal Rodrigo Maia. Juntamente com ACM Neto, o ex-presidente da
Câmara mantinha contato constante com Huck, o que ficou prejudicado pelos
recentes movimentos do DEM.
Com o desmantelamento do bloco de centro-esquerda que se tentava formar, com
PSDB, DEM e MDB e Cidadania, para lançar Huck, Freire tenta manter a possível
candidatura em pé. Huck tem acesso ao eleitorado nordestino, o que lhe coloca à
frente de outros candidatos do mesmo grupo, como João Doria. Mas é o que
bolsonaristas consideram “adepto de uma agenda identitária de esquerda”, um
liberal-progressista que não seria bem aceito pelos liberais-conservadores e
conservadores. Pode transformar-se na alternativa à polarização entre PT e
Bolsonaro. Mais palatável para eleitores liberais do que Ciro Gomes, que também
disputa, desde 2018, esse espectro da centro-esquerda.
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