quinta-feira, 4 de fevereiro de 2021

O que a mídia pensa: Opiniões / Editoriais

A hora da verdadeira oposição – Opinião | O Estado de S. Paulo

O tenebroso exemplo venezuelano deve ser lembrado no momento em que o bolsonarismo avança sobre as instituições brasileiras.

O chavismo estabeleceu uma sólida ditadura na Venezuela não apenas como resultado da truculência golpista do falecido caudilho Hugo Chávez e de seu impiedoso herdeiro, Nicolás Maduro, mas também – e talvez principalmente – pelo sucesso do assalto promovido pelos gângsteres bolivarianos às instituições de Estado. E esse assalto foi bem-sucedido, entre outras razões, pela ausência de uma oposição organizada, unida e com propósitos claros.

O tenebroso exemplo venezuelano deve ser lembrado justamente no momento em que o bolsonarismo avança insidiosamente sobre as instituições democráticas brasileiras. Cada dia que passa sem reação à altura desse desafio ajuda a consolidar esse desmonte do sistema de freios e contrapesos, que limita o poder numa democracia representativa.

Tal como ocorreu na Venezuela, a oposição a Bolsonaro claramente perdeu-se em lutas internas, movidas por objetivos imediatos e paroquiais, que só dizem respeito aos interesses eleitorais de seus caciques, sem qualquer conexão com os anseios da sociedade.

A mediocridade das forças que poderiam obstar a marcha bolsonarista permitiu que o presidente Jair Bolsonaro, malgrado suas inúmeras agressões à democracia e seu criminoso desserviço ao povo em meio à pandemia de covid-19, conseguisse eleger seus candidatos ao comando da Câmara e do Senado.

Para adicionar insulto à injúria, vários parlamentares supostamente de oposição aderiram às candidaturas patrocinadas por Bolsonaro, ávidos por participar do festim governista no Congresso e por obter espaços nas Mesas Diretoras e nas comissões. Nem na Venezuela a oposição foi tão pusilânime.

Os partidos com maior consistência ideológica – PSDB, DEM e PT – parecem perdidos com questiúnculas de poder e profundas contradições internas, que embaralham seu discurso e enfraquecem a mensagem com a qual pretendem motivar o eleitorado.

Com a fragilização desses partidos tradicionais, restam no horizonte político pouco mais de duas dezenas de legendas que só existem para aproveitar as oportunidades fisiológicas abertas pelo governismo. Há de tudo nesse balaio: de partidos cujos proprietários foram condenados por corrupção a agremiações que se alugam para quem pagar mais. No topo de tudo, temos um presidente da República que já foi de oito partidos e hoje nem partido tem, o que dá a exata medida do menosprezo bolsonarista pelo debate partidário próprio das democracias.

O que une esses indigitados é sua absoluta indiferença às necessidades do País e sua associação com lobbies empenhados na manutenção de privilégios. Para eles, a democracia é mero instrumento de apropriação do poder e de suas benesses.

Para interromper essa putrefação da democracia, é necessário que haja uma oposição digna do nome. Para começar, é preciso ser oposição de verdade, sem hesitação.

“Do meu ponto de vista, o PSDB deveria ser mais claramente de oposição”, disse o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso em entrevista ao Estado, na qual avaliou, de modo sombrio, o comportamento de seu partido na eleição para o novo comando do Congresso. “A força do presidente da República é muito grande e é muito difícil ganhar uma eleição no Congresso contra o presidente. Mas, se não vai ganhar, é para marcar posição. Acho que o PSDB ficou um pouco esvaecido lá”, disse FHC, num diagnóstico que serve para os demais partidos de oposição.

Para o ex-presidente, é a própria sobrevivência do PSDB que está em questão. “Em política, ou você tem posição clara ou fica difícil. (...) O povo não é bobo. A gente pensa que a população não percebe, mas percebe. Se você não toma posição no momento oportuno, quando chega a hora H é tarde.”

FHC advertiu que “o PSDB precisa tomar rumo, precisa ter uma palavra afirmativa forte” – do contrário, corre o risco de acelerar seu “ciclo descendente”. Ou seja, o PSDB e os demais grandes partidos de oposição talvez continuem a existir, mas perderão a razão de sua existência caso se permitam confundir com as siglas que mercadejam votos e só pensam na próxima eleição. É tudo o que o Chávez de Eldorado quer.

A MP da Vacina – Opinião | O Estado de S. Paulo

Bolsonaro é incapaz de avaliar moralmente os efeitos de seus rompantes e demagogia.

O presidente Jair Bolsonaro suprimiu do texto da primeira versão da Medida Provisória (MP) 1.026/21, também chamada de MP da Vacina, dois dispositivos importantes. O primeiro autorizava a União a assumir a responsabilidade sobre eventuais efeitos adversos que as vacinas pudessem causar. O segundo autorizava a União a contratar seguradoras ou criar um fundo público para cobrir indenizações reivindicadas por quem apresentasse problemas de saúde após ser vacinado.

A supressão desses dispositivos foi noticiada pelo Estado, com base na Lei de Acesso à Informação. A isenção de responsabilidade por eventuais reações adversas era exigência contratual da Pfizer, que ofereceu 70 milhões de doses ao Brasil, e foi alvo de críticas de Bolsonaro, que classificou como “leoninas” as cláusulas por ela pedidas para assinar o contrato. “Lá, no contrato da Pfizer, está bem claro que não nos responsabilizaremos por qualquer efeito colateral. Se você virar um jacaré, é problema de você”, disse ele em discurso na Bahia, antes de pedir a supressão dos dois dispositivos. Batendo bumbo para seu superior, o ministro da Saúde afirmou que a aquisição dessa vacina seria uma “conquista de marketing, branding e growth” para a Pfizer.

O detalhe é que os trechos suprimidos haviam passado pelo crivo técnico dos Ministérios da Justiça e da Saúde, da Advocacia-Geral da União (AGU) e da Controladoria-Geral da União (CGU), que não viram qualquer problema jurídico na primeira minuta da MP da Vacina. Mesmo assim, Bolsonaro exigiu que fosse revista. A isenção de responsabilidade sobre efeitos adversos de uma vacina está “adequada à realidade dos fatos, uma vez que não há ainda vacinas cuja maturidade de pesquisa seja suficiente para seguimento do processo regular de aprovação”, reiterou o parecer da AGU, desprezado por Bolsonaro. A CGU lembrou que o governo já se expõe ao risco de ser responsabilizado por efeitos colaterais das vacinas, pois elas são aprovadas pela Anvisa.

Com isso, Bolsonaro voltou a deixar claro que, entre a ciência e o direito, de um lado, e a demagogia e o populismo, de outro, ele não hesita. No mundo inteiro, quando pesquisam novos medicamentos, os laboratórios precisam de uma reserva de segurança que os proteja de eventuais ações judiciais. Essa é uma prática antiga, inclusive no Brasil. Quando alguém faz um exame de imagem ou se interna em um hospital para ser submetido a uma cirurgia, antes assina um contrato-padrão isentando o estabelecimento, médicos e instrumentadores da responsabilidade pela indenização de eventuais riscos. A chamada reserva de segurança surgiu primeiramente nos países desenvolvidos, à medida que o direito de defesa do consumidor se fortalecia. Aceita nos meios jurídicos e pela Organização Mundial da Saúde, a justificativa para essa reserva é que, por se renovarem permanentemente no plano tecnológico, as atividades clínicas e médicas implicam contingências.

Em resposta às críticas de Bolsonaro, para quem os vacinados ficariam sem indenização caso virassem “jacaré”, a Pfizer distribuiu nota lembrando que, quanto mais a economia se globaliza, mais os direitos e as obrigações jurídicas tendem a ser universalizados. Por causa disso, todos os contratos para fornecimento de vacinas por ela assinados com dezenas de países das três Américas, da Europa e da Ásia seguem o mesmo modelo.

Diante do disparate cometido por Bolsonaro na primeira minuta da MP da Vacina para inviabilizar um acordo para a compra de 70 milhões de doses de imunizantes da Pfizer, entidades das áreas científicas e de saúde pública afirmaram que ele se deixou levar por uma “birra” sem fundamentação técnica. Na realidade, é muito mais do que isso. Sua iniciativa também tem uma dimensão preocupante no plano ético, dadas sua falta de compaixão pelo próximo e sua notória incapacidade de avaliar moralmente as consequências de seus rompantes e de sua demagogia. 

Em busca de força produtiva – Opinião | O Estado de S. Paulo

Voltou-se a cuidar do potencial produtivo, mas sem retomar o padrão de 2019.

A reação da economia, puxada principalmente pelo consumo, foi sustentada também pelo investimento produtivo, isto é, pela demanda de máquinas, equipamentos, construções e outros componentes do capital fixo, segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Isso significa aumento da capacidade de produção e, em muitos casos, também pode indicar modernização das empresas e da estrutura pública. Em novembro, o total investido foi 3,1% maior que em outubro e 3,6% superior ao de um ano antes. As boas notícias incluem os dados trimestrais, mas apenas de curto prazo. No trimestre móvel até novembro houve aumento de 6,3% sobre o período imediatamente anterior, mas queda de 2,3% no confronto com os mesmos meses de 2019.

Confiança na evolução dos negócios é, em geral, o principal estímulo para a compra de máquinas, equipamentos e outros itens de capital fixo pelos empresários. A urgência de repor bens desgastados também pode entrar nos cálculos, mas esse fator pode ser afetado pela perspectiva de avanço da demanda.

Mesmo com algumas oscilações, a melhora das expectativas, depois do desastre de março-abril, foi um dos eventos mais positivos do ano passado. Depois dessa reação, no entanto, o empresariado já se mostra bem mais cauteloso do que há alguns meses, de acordo com algumas das últimas sondagens da Confederação Nacional da Indústria (CNI) e da Fundação Getúlio Vargas (FGV).

A maior cautela é observável mesmo entre os empresários ainda otimistas. Embora em território ainda positivo, isto é, acima de 50 pontos, o Índice de Confiança do Empresário Industrial diminuiu 2,2 pontos entre dezembro e janeiro, e chegou a 60,9, segundo pesquisa da CNI. A mudança ocorreu, informa o relatório, “em meio ao cenário de incerteza e com o fim das medidas emergenciais do governo de apoio às empresas e às famílias”. A pesquisa da FGV mostrou a piora, em janeiro, do Índice de Situação Atual e do Índice de Expectativas do empresariado, ambos abaixo de 100, isto é, da fronteira entre pessimismo e otimismo.

Esses indicadores seriam preocupantes mesmo se os investimentos, no ano passado, se houvessem recuperado inteiramente em relação ao nível de 2019. Mas nem isso ocorreu, de acordo com os números do Ipea. Apesar da retomada, mais sensível no segundo semestre, o total investido no ano foi 4,6% menor que o aplicado de janeiro a novembro do ano anterior. No acumulado de 12 meses a queda foi de 4,4%.

O investimento cresceu, até novembro, principalmente pela incorporação de máquinas e equipamentos pelas empresas. A soma investida naqueles dois itens aumentou 7,7% de outubro para novembro e superou por 9% o valor de um ano antes. No trimestre o avanço foi de 14%, mas a comparação com o período setembro-novembro de 2019 aponta recuo de 6,6%. No ano, o valor diminuiu 8%. Em 12 meses, encolheu 7,6%.

No caso da construção civil, os investimentos de novembro repetiram os de outubro e foram 0,5% menores que os de um ano antes. Na série trimestral houve aumento de 1,6%, no período até novembro, e perda de 0,1% em relação ao mesmo trimestre móvel de 2019. Houve recuo de 3% no ano e de 3,4% em 12 meses. Houve sinais de reativação no setor imobiliário privado, mas nenhum indício de melhora no setor público. O balanço geral foi muito ruim.

Os dados da produção industrial, divulgados na terça-feira pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), parecem combinar com as informações do Ipea sobre o investimento fixo. A fabricação de bens de capital cresceu 2,4% em dezembro e foi 35,4% maior que a de um ano antes, mas no acumulado anual houve uma redução de 9,8%.

Informações organizadas pelo setor privado detalham o recuo do investimento público. Segundo a Confederação Nacional dos Transportes (CNT), o total investido em rodovias pelo governo federal, em 2020, ficou em R$ 6,74 bilhões. Descontada a inflação, esse valor foi menor que o aplicado em 2010 (R$ 9,87 bilhões) apenas em manutenção de estradas. Isso afeta, obviamente, a eficiência geral da economia.

Feijão com arroz – Opinião | Folha de S. Paulo

Pauta econômica imediata deve ater-se ao realismo e buscar amparo aos pobres

Vai além de preferências políticas e ideológicas a constatação de que a conjuntura do país exige medidas imediatas para afastar o risco de uma nova e severa recessão econômica. É lamentável que a tarefa esteja a cargo de um governo já comprovadamente inepto, mas trata-se de uma imposição da realidade.

Nesse contexto, importa menos se o presidente da República e os recém-eleitos presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado se debruçam sobre a pauta legislativa movidos por genuína convicção reformista ou mesmo humanitária. Interessa que façam avançar, ao menos, o que é urgente.

Mais precisamente, há pela frente uma complexa conciliação de dois objetivos essenciais: de um lado, proporcionar o maior amparo possível à população vulnerável, no que se anuncia como mais um ano de sacrifícios e privações; de outro, indicar compromisso mais que retórico com uma trajetória de reequilíbrio das contas públicas.

A administração Jair Bolsonaro não soube fazer nem uma coisa nem outra até aqui. Enquanto o presidente exortava a população a pôr vidas em risco com a retomada de atividades, foi o Congresso que instituiu o auxílio emergencial em vigor até dezembro passado.

A expansão vertiginosa de gastos não se fez acompanhar de nenhuma providência voltada ao ajuste futuro. No alheamento do Planalto e na inoperância do Ministério da Economia desapareceram as reformas administrativa e tributária, as privatizações, o aperfeiçoamento do teto de gastos.

O resultado é uma dívida pública equivalente a quase 90% do Produto Interno Bruto e com prazos cada vez mais apertados —a antessala de uma crise de confiança capaz de elevar juros, paralisar investimentos e ceifar mais empregos.

Nem mesmo o Orçamento deste 2021 está aprovado, tal a anomia do governo Bolsonaro. É por aí que se precisa começar, com o debate imediato de como elevar a transferência de renda às famílias sem extrapolar o limite da despesa.

Em paralelo, deve-se examinar a proposta de emenda constitucional que autoriza ajustes emergenciais, em caso de necessidade, como suspensão de concursos e reajustes salariais do funcionalismo.

Felizmente notam-se mostras de realismo nas primeiras manifestações dos dois novos chefes do Legislativo, que declararam apoio a um auxílio social dentro do teto de gastos. Também o ministro Paulo Guedes, da Economia, dá sinais de que pode esquecer por ora promessas irrealizáveis e ideias contraproducentes como a volta da CPMF.

Para Bolsonaro e aliados do centrão, está em jogo a sobrevivência política —muito menos assegurada do que fazem parecer as vitórias parlamentares. Que isso desperte algum senso de urgência e impeça nova sabotagem contra o país.

 Antimendigo – Opinião | Folha de S. Paulo

Prefeitura de SP põe pedras embaixo de viaduto, em estratégia cruel e ineficaz

Pedras, pregos, mangueiras de alta pressão ou simplesmente o confisco das poucas posses. Todas essas armas e mais algumas já foram usadas por sucessivas administrações municipais de São Paulo para tentar retirar moradores de rua de áreas tidas como sensíveis.

A prefeitura sob a gestão de Bruno Covas (PSDB) acaba de escrever mais um dos capítulos dessa triste rotina ao mandar instalar pedras pontiagudas sob o viaduto Dom Luciano Mendes de Almeida, na zona leste, para evitar que mendigos durmam no local.

Após uma péssima repercussão, que não deveria surpreender, a administração se apressou em exonerar o responsável pela decisão.

Essa intervenção antimendigo não passou, mas várias outras passaram, não só na gestão Covas como nas de inúmeros antecessores. Embora dirigentes mais à direita tenham maior facilidade em adotar um discurso de exclusão em defesa da ordem e da segurança, governantes mais à esquerda também incorreram nesse tipo de medida.

Submetidas a diversos tipos de pressão, muitas vezes contraditórias, prefeituras acabam aderindo às pedras e aos pregos. É obviamente uma estratégia moralmente errada e ineficaz mesmo em seus propósitos tortuosos —no máximo, dispersa a população de rua.

Cumpre reconhecer, porém, que está entre as funções legítimas da prefeitura impedir que ocupações permanentes (barracos) se formem sob os viadutos da cidade. Obter esse efeito sem exercer nenhum tipo de coerção não é trivial.

A questão dos moradores de rua é das mais complexas e difíceis de resolver, e dinheiro constitui apenas parte do problema. Mesmo países ricos e com programas sociais bem concebidos não conseguem convencer todos os indivíduos que não têm onde morar a abandonar as vias e viver em abrigos —ou pelo menos a criar conexões com os serviços médicos e de assistência.

No Brasil, ademais, regras de comportamento desnecessariamente restritivas nos abrigos dificultam ainda mais a missão.

Embora não existam fórmulas mágicas, torna-se mais fácil alcançar os moradores de rua se os programas que podem ajudá-los a sair dessa situação estiverem baseados em confiança e não na repressão. Trata-se de meta a ser alcançada por meio de pequenos avanços sucessivos, numa linha semelhante à da redução de danos.

Nas comissões, Lira prepara jogo pesado na Câmara – Opinião | Valor Econômico

Congresso gastará tempo e energia preciosos na discussão de assuntos que passam longe dos grandes problemas

Tanto o governo quanto os dois novos presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado, Arthur Lira (PP-AL) e Rodrigo Pacheco (DEM-MG) apresentaram projetos que consideram mais importantes para o trabalho no ano legislativo. Da parte do presidente Jair Bolsonaro veio sua agenda de costumes reacionária. As prioridades econômicas, boas e ruins, são todas conhecidas. A relação é extensa (são 26), e inclui na prática tudo que já foi enviado ao Congresso. É como se o calendário do Legislativo voltasse ao início de 2020.

Bolsonaro, Lira e Pacheco, que se encontraram ontem, apresentaram uma declaração de boas intenções, contemplando os principais pontos da agenda liberal do ministro Paulo Guedes. Em declaração dos presidentes da Câmara e Senado, porém, constou a necessidade de um auxílio emergencial, refutada por Guedes, cujo formato e montantes não se conhece. Lira se comprometeu a apressar a tramitação das reformas administrativa e tributária.

Essas reformas são fundamentais, mas não avançaram no Congresso porque o presidente da República as desdenha. As mudanças administrativas jogam a possibilidade de tornar o Estado moderno e mais eficiente para a próxima geração. Por exigência de Bolsonaro, nada do que for aprovado deverá valer para os atuais servidores públicos. Não será o Centrão que mudará isso.

A reforma tributária tem sido retardada pelo ministro Paulo Guedes, cuja proposta se resumiu a uma contribuição sobre bens e serviços, unindo PIS e Cofins. O ministro prometeu há um ano “para a próxima semana” as demais propostas, que nunca apareceram. Guedes não desistiu de implantar sua CPMF remoçada e é possível que volte à carga em breve, na esperança que a nova direção do Congresso seja receptivas a ela.

As três PECs enviadas simultaneamente ao Congresso no início de 2020 envelhecem na lista de prioridades, que não existe. A PEC emergencial é a mais urgente, mas continua competindo com as outras duas, a do Pacto Federativo e a dos Fundos. No fim do ano o relator, com aval do governo, tentou fazer um “juntão” das três, retirando sua potência. Com a crise fiscal e o aumento da pressão por gastos com novo auxílio, é possível que de alguma forma prosperem no Congresso.

Projetos votados por uma ou outra das Casas também têm chance de vingar, como o da autonomia do Banco Central, a do novo mercado de câmbio, o marco regulatório das start ups e a nova lei do gás. O Centrão não gosta de privatizações, apesar de o governo insistir na venda da Eletrobras. Polêmica, a mudança no regime de partilha da Petrobras encontrará resistências.

Elogiados pela bancada ruralista, alentada pelo novo comando do Congresso, os projetos de regularização fundiária (o original legalizava o vale-tudo da grilagem), o das novas regras para o licenciamento ambiental e, em especial, a autorização para mineração nas terras indígenas, estão na pauta. Com o mundo de olho no desastre ambiental na Amazônia e Pantanal, e a política destrutiva do atual governo, é provável que o Congresso não os vote.

A agenda de “costumes” do presidente, por outro lado, tem avenida aberta para avançar, diante do redesenho do poder na Câmara. As escolhas cruciais foram as da ultrabolsonarista Bia Kicis (PSL-DF) para a mais importante comissão da Casa, a da Constituição e Justiça, e a não menos relevante Comissão Mista de Orçamento, para a deputada Flávia Arruda (PL-DF), esposa do ex-governador do DF, José Roberto Arruda, preso por corrupção.

Bolsonaro mantém sua fixação em armamentos. Há projetos que facilitam seu registro, posse e utilização e outro que faculta a todos os militares e policiais, dos rodoviários aos civis, a aquisição de até 10 armas - um prato feito para milícias -, além do “excludente de ilicitude” para ações de militares as operações de garantias da lei e da ordem.

Bia Kicis, que decidirá sobre admissibilidade e tramitação de qualquer projeto importante, como pedidos de impeachment e criação de CPIs, é favorável a todos eles. Ela é investigada em inquérito do STF sobre fake news, fez propaganda contra máscaras e distanciamento social, pregou o uso de cloroquina, e esposa todo o bestiário bolsonarista. Há grande oposição a essa agenda, mas é inegável que o Congresso gastará tempo e energia preciosos na discussão de assuntos que passam muito longe dos grandes problemas nacionais.

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