Os
congressistas deveriam explicar aos eleitores o seu voto e a razão
A
Carta Magna de 1988 diz no seu artigo 1.º, parágrafo único, que “todo o poder
emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente,
nos termos desta Constituição”. A julgar por isso, a recente eleição de Arthur
Lira (PP-AL) para presidente da Câmara seria inconstitucional, tamanha a
distância que a maioria dos seus deputados manteve do povo.
O
que se viu foi um processo de vassalagem a um candidato que não teria vencido
se não fosse o apoio recebido do presidente Jair Bolsonaro, até mesmo sob forma
que anteriormente abominava, o toma lá de verbas e cargos, e o dá cá de votos,
vistos como o melhor para lhe evitar incômodos, como um processo de impeachment
e comissões parlamentares de inquérito. E também para facilitar medidas para aumentar
sua popularidade e suas chances de reeleição em 2022. O anterior presidente da
Câmara, deputado Rodrigo Maia, não se curvava diante de Bolsonaro, já Lira deve
responder com gratidão.
Quanto a isso, merece destaque a reportagem Por eleição, Planalto libera R$3 bi a parlamentares, publicada por este jornal no último dia 29. Lamentavelmente, negociações de liberação de recursos para parlamentares em troca de apoio político no Congresso é prática antiga e comum em Brasília, mas o que chamou a atenção agora foi a dimensão do valor e a coincidência com o período pré-eleitoral nas duas Casas do Congresso.
Quanto
a essas negociações, o jornalista Carlos Brickmann fez esta comparação: “Para
evitar o constrangimento de levar uma proposta indecente a um parlamentar
decente”, o que procurasse o governo ou fosse chamado para negociar deveria
portar um código de barras para mostrar o valor de seu interesse, e acelerar as
negociações.
Nos
Estados Unidos, propostas legislativas feitas por congressistas em favor de
seus redutos eleitorais são chamadas de earmarks, como aquelas plaquinhas
colocadas em orelhas de bovinos. Lá são combatidas por uma instituição chamada
CAGW (Cidadãos contra o Desperdício Governamental), como não cabíveis num
orçamento federal que deve ser voltado para o bem comum, e não para interesses
específicos e locais. Aqui caberia iniciativa similar, pois tais emendas
parlamentares e outras verbas que recebem violam outro dispositivo
constitucional, o de que todos são iguais perante a lei, pois no processo
eleitoral os candidatos já incumbentes são beneficiados por essas dotações
relativamente aos candidatos sem mandato. Assim, elas constituem indiretamente
um financiamento público de campanhas, que distorce a competição entre
candidatos.
Voltando
à representação dos eleitores, a brasileira é extremamente frágil. Vivi em
países com voto distrital, em que o eleito passa a representar um distrito, e
não apenas aqueles que o elegeram, e tem o hábito de prestar contas aos
moradores distritais ao longo de seu mandato, sem o que poria em risco a
renovação dele. Houvesse isso aqui, os congressistas deveriam estar agora
explicando em quem votaram na segunda-feira passada e a razão. Muitos
enfrentariam problemas, pois a avaliação de Bolsonaro vem caindo e está perto
de 30% a proporção dos que veem sua gestão como ótima ou boa. Aliás, a
representatividade dos parlamentares eleitos no Brasil é tão baixa que é como
se eles fossem parlamentares cometas, pois só aparecem diante do eleitor a cada
quatro anos, em busca de votos.
No
Senado, o resultado pareceu-me diferente do da Câmara e não tão ruim. Foi
eleito o senador Rodrigo Pacheco (DEM-MG) por maior margem relativa de votos,
tendo como adversária apenas uma concorrente simbólica, Simone Tebet (MDB-MS),
que disputou individualmente. Seu próprio partido deixou de apoiá-la. Bem
articulado, Pacheco teve apoio até do PT.
Li
na Agência Brasil reportagem sobre seu discurso de posse e destaco estes
trechos: “Defendeu a independência da Casa, o combate à corrupção, a geração de
empregos, o combate à pandemia, a estabilidade econômica e a preservação do
meio ambiente. (...) (O Senado deve) atuar com vistas no trinômio saúde
pública, desenvolvimento social e crescimento econômico, com o objetivo de
preservar vidas humanas, socorrer os mais vulneráveis, gerar emprego e renda.
(...) também citou as reformas, sobretudo a tributária. (...) votações de
reformas que dividem opiniões (...) deverão ser enfrentadas com urgência, mas
sem atropelo”. Em tese, tudo muito bonito.
Pacheco
chegou ao Congresso em 2014, como deputado federal, e no seu primeiro mandato
alcançou a presidência da importante Comissão de Constituição e Justiça, o que
demonstra poder de articulação, ratificado pela eleição recente. Seu currículo
não levanta tanto as sobrancelhas como o de Arthur Lira, mas tem sido criticado
por conflito de interesses entre suas ações políticas e negócios da família.
O
que quero mesmo é um Brasil melhor, mas tenho minhas dúvidas quanto à eficácia,
nessa direção, dos novos presidentes da Câmara e do Senado, principalmente do
primeiro. Certo mesmo é que vou acompanhar de perto o trabalho deles.
*Economista (UFMG, USP E HARVARD), professor sênior da USP.
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