Governo
Bolsonaro será reconhecido como criminoso se a política voltar ao normal
Não
há mais nenhuma
projeção razoável em que o número de brasileiros mortos na pandemia de
Covid-19 fique abaixo de 300 mil. Essa marca deve ser alcançada no final deste
mês ou no começo do próximo.
Se
governadores e prefeitos tiverem grande sucesso com as medidas restritivas que
estão adotando, talvez consigamos evitar os 350 mil. O que decidirá se
ficaremos mais perto do terço de 1 milhão de mortos, do meio milhão de mortos
ou do 1 milhão inteiro será a corrida entre as novas variantes mais contagiosas
do vírus, as
vacinas que Bolsonaro não comprou e o lockdown
que Bolsonaro tenta proibir.
Pois
bem, talvez interesse ao leitor saber que, enquanto tudo isso acontece, muita
gente, entre os ricos e poderosos, civis e militares, ainda pensa o seguinte:
“Certo, o governo Bolsonaro causou essa mortandade toda. É bonito? Não é bonito. Por outro lado, ele não perdeu popularidade nos primeiros 200 mil cadáveres. Talvez sobreviva a mais 200 ou 300 mil cadáveres. Enquanto Bolsonaro tiver chance de reeleição, é melhor continuar a apoiá-lo, ou, ao menos, esperar para ver quantas centenas de milhares de cadáveres são necessárias para que um presidente brasileiro comece a perder voto”.
O
cenário com que essa turma conta é o seguinte: o
acordão continuaria barrando o impeachment de Bolsonaro. Centenas de
milhares morreriam, mas imediatamente perderiam o título de eleitor. A
capacidade de os brasileiros se importarem com quem morreu continuaria tão
baixa quanto foi em 2020.
Em
algum momento a vacina chegaria, pois os outros países já teriam se vacinado e
sobraria imunizantes para retardatários como o Brasil. Nesse quadro, a vacina
poderia causar uma recuperação da economia no final do ano ou no começo do
próximo, o que poderia reeleger Bolsonaro.
Vou
dar aula de moral e cívica sobre o valor da vida humana para essa turma? Eu
não. Só tentaria quem não os conhecesse. Mas
fica um aviso à turma de sempre: pode dar errado.
O
auxílio emergencial neste ano será bem menor. Talvez uma população
indiferente a 100 mil mortos não seja indiferente a 300 mil, até pelo aumento
da probabilidade de ser sorteado pelo vírus. Montar
um acordão de impunidade da Covid tão logo depois do acordão contra a Lava Jato
é testar muito a paciência do eleitorado.
No
fim do ano, muitos recursos que poderiam ter vindo para o Brasil agora já terão
ido para países que vacinaram mais cedo. E a vacina não trará de volta apenas a
atividade econômica: também trará os protestos de rua. Deem uma olhada no que
está acontecendo no Paraguai enquanto conversamos.
Houve
um sentimento geral de que Bolsonaro
se fortaleceu com a eleição de Arthur Lira para a presidência da Câmara. Como
vai essa ideia? Desde que “recuperou as rédeas do poder”, Bolsonaro
fez uma bagunça na Petrobras e desistiu publicamente de combater a
pandemia. Parece ter sido mais um daqueles “agora o governo Bolsonaro começa de
verdade” que falhou. Não sei quantos desses cabem em um mandato.
Enfim,
quem quiser continuar apostando em Bolsonaro tem que se lembrar do seguinte:
está se amarrando a algo que certamente será
reconhecido como criminoso se a política brasileira voltar ao normal. E
a probabilidade de isso acontecer na eleição de 2022 pode estar começando a
subir.
*Celso Rocha de Barros é doutor em sociologia pela Universidade de Oxford (Inglaterra).
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