Primeira
metade do ano deverá ser marcada pela combinação de atividade fraca e inflação
ainda elevada
A
economia brasileira terá mais um ano difícil em 2021, especialmente no primeiro
semestre, marcado pela combinação de atividade fraca e inflação ainda elevada.
Com o avanço do número de casos e mortes pela covid-19 e a vacinação lenta, a
adoção de medidas mais rigorosas de isolamento social se tornou necessária em
muitos Estados e municípios, o que vai afetar especialmente o setor de
serviços. Além disso, a volta do auxílio emergencial demorou, prejudicando a
demanda nos primeiros três meses do ano, e não foi acompanhada de iniciativas
mais firmes para controlar a expansão dos gastos públicos obrigatórios, o que
mantém o câmbio sob pressão, num momento de alta dos preços de commodities. Em
resposta à inflação mais elevada, o Banco Central (BC) deverá começar neste mês
um ciclo de aumento dos juros, apesar da falta de fôlego da economia.
Além do ambiente doméstico difícil, o cenário externo pode ficar menos favorável para países emergentes como o Brasil. A alta das taxas de retorno dos títulos de 10 anos do Tesouro americano aponta para um quadro complicado para esse grupo de economias. A expectativa de um ritmo forte de crescimento nos EUA pode resultar numa elevação precoce da inflação, levando o Federal Reserve a retirar parte dos estímulos monetários antecipadamente, ainda que esse não seja o cenário com que trabalham os dirigentes do BC americano. O risco de um quadro externo mais adverso é causar uma desvalorização adicional do real, que segue muito mais depreciado do que sugerem fatores como os termos de troca (a diferença entre preços de exportação e importação) e a situação das contas externas.
O
governo federal é o grande responsável pelo cenário negativo. A economia só
terá chance de deslanchar com a vacinação em ritmo acelerado. Com a falta de
planejamento na compra de imunizantes pelo Ministério da Saúde, o processo
avança lentamente, custando milhares de vidas e atrasando a normalização da
economia. Na semana passada, o país teve mais de 10 mil mortes por covid-19.
Enquanto isso, o presidente Jair Bolsonaro minimiza a gravidade da crise
sanitária, desdenha de medidas como o uso de máscaras e se opõe a decisões de
maior isolamento social, apesar da escalada do número de casos e de óbitos, num
momento em que o sistema de saúde de diversos Estados se aproxima do colapso.
A
Tendências Consultoria projeta um crescimento de 2,9% em 2021, menos que a
herança estatística que o ano passado deixou para este ano, de 3,6%. Isso
significa que, se PIB não crescer nada em relação ao fim de 2020, a expansão
será da magnitude do carregamento estatístico. “Ainda estamos trabalhando nos
números trimestrais, mas a projeção de 2,9% embute a perspectiva de contração
no primeiro semestre”, diz a economista Alessandra Ribeiro, sócia e diretora de
macroeconomia e análise setorial da consultoria.
Em
relatório da Tendências, os economistas Thiago Xavier e Lucas Assis destacam os
fatores que contribuem para interromper a retomada da economia no começo do
ano. “Do ponto de vista qualitativo, o contexto é de elevação de casos de
covid-19, já superando os patamares registrados no auge do contágio em 2020, de
redução do arsenal de políticas fiscal e monetária anticíclicas e de
persistência da relativa pressão inflacionária corrente.” Segundo eles, é um
ambiente especialmente difícil para os vetores fundamentais para a recuperação
sustentável da economia no curto prazo, como a demanda das famílias, a
atividade de serviços, o mercado de trabalho e a confiança do consumidor.
Os
dois notam que a suspensão do auxílio emergencial desde janeiro é “uma
limitação importante” para o consumo das famílias e para o PIB. O benefício vai
voltar, mas num valor mais baixo e para um público menor, devendo vigorar por
um período de quatro meses. O volume total do auxílio em 2020 superou R$ 293
bilhões, o que representa 4% do PIB total e 6% do PIB das famílias, observam os
analistas da Tendências. Em tese, o auxílio neste ano estará limitado a R$ 44
bilhões, dadas as restrições fiscais.
O
cenário para o investimento também se turva. O descontrole da doença gera tanto
efeitos diretos, ao impedir a retomada do mercado de trabalho da construção
civil e limitar a demanda por bens industriais, quanto efeitos indiretos, uma
vez que a persistência de um quadro complicado para a pandemia é fonte
expressiva de incertezas, afetando as decisões das empresas de investir, dizem
Xavier e Assis. “Ao final, não há saída na direção de uma recuperação econômica
sem superar inevitavelmente a pandemia da covid-19”, resumem eles.
Também
atrapalham a retomada a taxa de câmbio excessivamente desvalorizada e os juros
futuros elevados, pressionados pelas incertezas no campo fiscal e por fatores
como a atitude mais intervencionista de Bolsonaro na economia. A volta do
auxílio é necessária, mas deveria ser acompanhada por medidas mais consistentes
de ajuste das contas públicas, como de controle dos gastos com pessoal. A
versão da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) Emergencial aprovada na
sexta-feira pelo Senado não tirou o Bolsa Família do teto de gastos, mas não
embute regras mais duras de consolidação fiscal num prazo mais curto. Nesta
semana, a Câmara dos Deputados deverá analisar o texto.
O
dólar está próximo de R$ 5,70, afetando a inflação num quadro de alta forte das
commodities. Para piorar, as taxas mais elevadas dos títulos de longo prazo dos
EUA são preocupantes para emergentes como o Brasil - o rendimento dos papéis do
Tesouro americano de 10 anos está perto de 1,6% ao ano, depois de começar 2021
em 0,93%. A aprovação do pacote de estímulo fiscal nos EUA, de US$ 1,9 trilhão,
deve ajudar a manter essas taxas em nível alto.
Ao
comentar o ambiente externo, Alessandra diz que, “de um lado, há crescimento
mais expressivo nas principais economias e alta de commodities, o que seria
positivo para o Brasil”, mas, de outro, há uma expectativa antecipada de
aumento dos juros, com o receio de inflação maior. “Esse cenário pode ser mais
difícil para emergentes, em especial para aqueles com fundamentos mais
frágeis”, afirma ela. “No Brasil, o risco é um câmbio mais depreciado, maiores
pressões inflacionárias, alta mais expressiva dos juros futuros e o BC tendo
que ser mais agressivo no processo de normalização da política monetária”. Se
concretizado, esse quadro vai afetar ainda mais o ritmo da economia brasileira,
minando uma eventual retomada no segundo semestre, que depende primordialmente
de um processo mais rápido de vacinação.
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