O
silêncio cúmplice dos pré-candidatos diante da pandemia
Há
exatamente um ano, 45 pessoas - incluindo ministros, assessores, parlamentares
e empresários - acompanharam o encontro de Jair Bolsonaro com o então
presidente dos Estados Unidos Donald Trump.
O
jantar no famoso resort de Mar-a-Lago, na Flórida, não trouxe nenhum resultado
concreto em termos diplomáticos ou comerciais. Em compensação, 23 integrantes
da comitiva brasileira retornaram contaminados com o novo coronavírus. Começava
ali uma longa história de negativa da doença, dos seus efeitos e dos métodos
cientificamente comprovados para combatê-la.
Bolsonaro
é insensível à morte. Ao ordenar, na quinta-feira, “chega de frescura e
mimimi”, nosso governante mais uma vez desrespeitou o luto nacional permanente
em que vivemos desde o início do ano passado.
Logo
no dia seguinte, porém, ao sair do Palácio do Alvorada, assegurou: “Até o final
do ano acabou o vírus já, com toda a certeza". Essa frase deixa claro que
há um cálculo bastante racional por trás de toda a sua psicopatia.
Na lógica macabra do presidente, mais dia, menos dia a maioria da população será vacinada e em outubro de 2022 o pior terá passado. Com um pouco de sorte - a manutenção das baixas taxas de juros internacionais, um novo boom de commodities e um generoso bônus estatístico depois das quedas de 2020 e do primeiro semestre de 2021 -, o candidato à reeleição poderá até se vangloriar de uma boa taxa de crescimento do PIB durante a campanha.
Com
um exército de milhões de seguidores nas redes sociais e uma teia de grupos de
WhatsApp com capilaridade em todo o Brasil, editoriais da imprensa, manchetes
negativas na TV e notas de repúdio não o comovem - pelo contrário, lhe servem
de alimento e incentivo.
Adorado
por 30% do eleitorado, blindado pelo Ministério Público e com o Supremo
Tribunal Federal acuado, não lhe interessa se morrem a cada dia mil, duas mil
ou cinco mil pessoas.
Na
sua desastrosa gestão da pandemia, só houve um episódio em que o presidente foi
obrigado a recuar na irresponsabilidade. No início do ano, ameaçado duplamente
pela possibilidade, ainda que remota, de aceitação de um pedido de impeachment
por Rodrigo Maia e pelo marketing agressivo de João Doria com a vacina do
Butantã, optou por moderar o discurso e tratou de acelerar os processos de
aprovação e obtenção dos imunizantes.
Contudo,
afastado o risco político com a vitória de Lira e Pacheco no Congresso e
vislumbrando que Doria não decolou nas pesquisas, a morbidez voltou a ditar o
rumo das ações presidenciais.
Esse
episódio demonstra que Bolsonaro não se importa se ao final serão 300, 400 ou
500 mil brasileiros mortos - o que o move é o instinto de sobrevivência para
permanecer no Palácio do Planalto até 2026.
Está
cada vez mais claro que não há outro caminho para o governo adotar um
comportamento responsável no combate à covid-19 se não for pela política. E tão
chocante quanto a postura de Bolsonaro é a inação dos seus potenciais
adversários nas próximas eleições.
No
PT, Lula e Haddad concentram todos os seus esforços na reversão das condenações
dos integrantes do partido na Lava-Jato. Enquanto isso, Ciro Gomes atira em
todas as direções com o objetivo único de ser a alternativa da esquerda num
eventual segundo turno em 2022.
Sergio
Moro, por sua vez, submergiu diante das novas atividades profissionais como
diretor de empresa que presta consultoria jurídica para empreiteiras envolvidas
com corrupção.
Quanto
a Luciano Huck, há quatro anos continua seu chove-não-molha de tuítes e artigos
publicados em jornais, repletos de belas palavras e ótimas ideias, mas carentes
da coragem de assumir-se como um verdadeiro político.
Cada
um à sua maneira, todos parecem apostar na velha estratégia do “quanto pior,
melhor”. Ao torcerem para a pandemia e a crise econômica corroerem a
popularidade de Bolsonaro até as eleições, indiretamente Lula, Haddad, Ciro,
Moro e Huck se mostram coniventes com as centenas de milhares de mortes pela
covid-19.
O
caos que se dissemina nas ruas, hospitais e cemitérios de todo o país exige que
cada eventual candidato saia do conforto das suas contas de Twitter, onde
criticam os descalabros do atual mandatário para seus seguidores, e assumam
desde já a postura de liderança que prometem exercer a partir de 1º de janeiro
de 2023.
Não
se trata aqui da defesa de uma utópica formação de uma “frente ampla” com a
definição antecipada de uma chapa única para concorrer à Presidência em 2022.
Há
várias ações que os principais pré-candidatos poderiam tomar em conjunto para
encurralar Bolsonaro politicamente e, assim, forçá-lo a combater seriamente a
pandemia, a começar por uma intensa campanha na mídia tradicional e nas redes
sociais em que todos se colocariam lado a lado na defesa da vacinação, do uso
de máscaras e de ações efetivas de distanciamento social.
No
Congresso, os pré-candidatos também poderiam se lançar num processo articulado
com vistas, pelo menos, à aprovação de uma CPI mista para investigar as
responsabilidades do governo federal pelas mortes pela covid.
Unidos,
os aspirantes ao Planalto também poderiam empreender um giro internacional
buscando alertar os demais países da gravidade da situação brasileira e dos
riscos que ela representa para o mundo em termos de novas variantes do vírus,
tentando assim acelerar a obtenção de novas doses das vacinas.
Em
botânica, existe um outro sentido para o termo “conivente”. Trata-se de
estruturas que na base são separadas, mas cujos ápices se inclinam e se
aproximam até se contactarem, mas sem se fundir - como certas flores, em que
filetes independentes se unem para tornar mais eficiente o processo de
polinização.
Lula,
Haddad, Ciro, Moro, Huck, Doria e qualquer um que queira se lançar candidato no
ano que vem têm diante de si a escolha de qual significado darão para sua “conivência”:
se, pela omissão, serão sócios de Bolsonaro na morte de outros milhares de
brasileiros ou se, juntos, abrem mão de diferenças pessoais e ideológicas para
pressionar o governo a pôr fim ao estado de calamidade em que nos encontramos.
*Bruno Carazza é mestre em economia, doutor em direito e autor de “Dinheiro, Eleições e Poder: as engrenagens do sistema político brasileiro”.
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