O
dilema do legislador é controlar um executivo forte sem sofrer com esse
controle
Tem
sido cada vez mais disseminada uma interpretação de que a operação Lava Jato foi uma cruzada
quixotesca de um grupo de promotores e do juiz Sérgio Moro, que só conseguiu
sucesso porque um grupo anti-PT queria tirar Lula e o PT do poder. Esse grupo anti-PT
teria “dado corda” para a Lava Jato e depois usado a operação para promover o
impeachment da presidente Dilma Rousseff – e para, logo em
seguida, matar a própria Lava Jato antes que eles fossem suas novas vítimas.
Essas
interpretações conspiratórias pressuporiam uma extrema sofisticação
estratégica. Cometem o equívoco de tomar as intenções dos atores a partir dos
resultados que foram atingidos. O fato de os componentes da Lava Jato terem
agido de forma estratégica em seus cálculos de ação política não
necessariamente significa que seus resultados foram consistentes com suas
preferências. Ou seja, nem todos os resultados da força-tarefa eram previsíveis
ou mesmo foram por ela previstos.
Outra interpretação pueril é imaginar que o término da Lava Jato seria, necessariamente, sinônimo de retorno do sistema político ao equilíbrio predatório anterior. Um legado de várias transformações institucionais, organizacionais e tecnológicas foi deixado pela força tarefa. Por mais “garantismos” que estejamos observando recentemente, inclusive na PGR e na Suprema Corte, os riscos e custos de engajamento em comportamentos desviantes aumentaram exponencialmente, mesmo que de forma não linear.
A
Lava Jato equivaleria à famosa “pílula vermelha” do filme Matrix, que impediria
a sociedade de “desver” as mazelas do sistema político.
Diante
do desempenho inconteste da Lava Jato, o contrafactual é a força-tarefa não ter
sido enterrada antes. Desconfio de que não exista, no mundo, precedente de uma
operação coordenada entre polícia, Ministério Público e Judiciário de combate à
corrupção que tenha durado tanto tempo. Talvez a maior falha dos atores
envolvidos na Lava Jato foi a de não ter tido a coragem de decretar o seu final
quando ainda estava no auge.
É
preciso fazer uma distinção entre retrocessos na política de combate à
corrupção e retrocessos institucionais. Essa distinção é difícil de ser
entendida, até porque as instituições afetam a política e também são afetadas
por ela. Mas só ingênuos acreditaram que no governo do Capitão não haveria
retrocessos do primeiro tipo. O segundo tipo de retrocesso será mais difícil de
acontecer, pois as regras e os procedimentos desenvolvidos com a Lava Jato e
outras operações são dotadas de resiliência institucional.
A
trajetória da Lava Jato deve ser pensada a partir das muitas alterações
percebidas nas coalizões ao seu redor, na medida em que, ao longo desses sete
anos, mudaram as forças políticas e os interesses de cada grupo em apoiar ou
bloquear a operação.
Em
momentos de grande incerteza política e eleitoral, em que elites políticas
atuais percebem que é improvável que continuem a controlar o processo político
no futuro, elas buscam “travar” a política. Nessas ocasiões, é esperado que
“amarrem as mãos” de elites políticas futuras por meio de uma ampla delegação
de poderes que preserve a autonomia e independência de juízes e
promotores.
Essa
foi a escolha do constituinte de 1988, quando havia grande incerteza sobre quem
iria ocupar o cargo de maior poder na república. Na medida em que legisladores
e juízes/promotores tinham objetivos comuns (ex. controlar um Executivo
poderoso), não haveria problemas com a delegação de amplos poderes às
organizações de controle, como a Lava Jato. Problemas emergiram quando
legisladores se viram ameaçados com a atuação coordenada de juízes e promotores
que traziam não só limites ao Executivo, mas a eles próprios.
*Cientista político e professor titular da Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas (FGV Ebape)
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