O
Brasil necessita de uma ampla agenda de políticas pró-crescimento
Em
meu primeiro artigo neste espaço, Teoria
Econômica, Ideologia e Crescimento (10/9/2012), procurei
mostrar que quando a ideologia se
sobrepõe à racionalidade,
conduzindo ao excessivo apego por parte dos governantes aos cânones de uma
determinada corrente do pensamento econômico, os custos para a sociedade podem
ser elevados.
Naquela oportunidade, eu estava preocupado com a orientação de política econômica do governo petista de Dilma Rousseff. Antevi um desastre que, infelizmente, se concretizou. Agora ocorre o contrário, na esteira do discurso liberal. Mas minha preocupação com a influência nefasta do apego ideológico, quase religioso, a determinadas crenças, continua a mesma.
O
liberalismo econômico se consolidou com os trabalhos publicados no século 18
por pensadores como Quesnay, Locke, Mandeville e,
sobretudo, Adam
Smith, com sua obra Uma
Investigação sobre a Natureza e as Causas da Riqueza das Nações, de
1776. A ideia central era que o setor privado, operando em concorrência
perfeita, levaria à prosperidade e promoveria o bem-estar social. A função do
Estado seria apenas a de fornecer os bens públicos, atuar nas falhas de mercado
e estabelecer a legislação para que a iniciativa privada exercesse seu papel.
Após
a grande recessão iniciada em 1929, John Maynard Keynes nos mostrou a
possibilidade do chamado equilíbrio recessivo, abaixo do pleno-emprego. O gasto
público entra na equação para suprir a escassez de demanda e recolocar a
economia em uma trajetória virtuosa comandada pelo investimento privado.
A
partir de 1950, a economia neoclássica, que instrumentalizou o liberalismo com
ferramentas matemáticas e teorias de equilíbrio geral, começou a ganhar muita
força. Com as contribuições dos monetaristas da Escola de Chicago,
especialmente George
Stigler e Milton Friedman e a hipótese das
expectativas racionais (John
Muth, Robert
Lucas e Leonard
Rapping), essa corrente do pensamento econômico passou a
predominar na academia.
De lá para cá, muitos dos conceitos dos neoclássicos foram revistos, alterados e até mesmo abandonados.
Hoje
sabemos que não há relação direta entre emissão de moeda e inflação. No mundo
da moeda fiduciária e dos pagamentos digitais, quando se diz que os governos
financiam seus déficits com expansão monetária, o que de fato ocorre é uma troca
de passivos do Tesouro por passivos de curto prazo dos bancos centrais (que
também pagam juros). Talvez por ainda estar preso à tradição monetarista, o
ministro da Economia afirmou, no ano passado, de forma equivocada, que, se o
governo não conseguisse rolar adequadamente a dívida em 2021, o Brasil entraria
em hiperinflação.
Há
também fortes evidências empíricas, mundo afora, de que desigualdade e pobreza,
além de socialmente injustas, prejudicam o crescimento econômico.
Aprendemos
também que os agentes econômicos são homo sapiens e não homo economicus, como
pensavam os defensores das expectativas racionais. Isso quer dizer que nem
sempre mercados livres e desregulados são eficientes para conduzir a
equilíbrios compatíveis com o bem-estar.
Há
sólida evidência empírica internacional que mostra que os investimentos
públicos, desde que apresentem taxas de retorno total (privada mais social)
superior ao custo dos fundos para financiá-los, favorecem o crescimento
econômico.
Sem
dúvida é preciso zelar pela consolidação
fiscal, mas resumir a política econômica a cortar gastos a
qualquer custo – embora nem isso esteja sendo feito – é uma aposta arriscada
demais. A tese de que a redução do tamanho do Estado conduz automaticamente ao
aumento do investimento privado não tem encontrado suporte nas evidências
empíricas.
O
Brasil precisa de uma ampla agenda de políticas pró-crescimento. Ao invés
disso, o que mais se observa, na equipe econômica, é apenas o discurso
supostamente liberal. Pena que se trata de um liberalismo envelhecido, tacanho.
*Economista e Diretor-Presidente da MCM Consultores. Foi consultor do Banco Mundial, subsecretário do Tesouro Nacional e chefe da assessoria econômica do Ministério da Fazenda
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