segunda-feira, 8 de março de 2021

Claudio Adilson Gonçalez* - Liberalismo tacanho

-  O Estado de S. Paulo

O Brasil necessita de uma ampla agenda de políticas pró-crescimento

Em meu primeiro artigo neste espaço, Teoria Econômica, Ideologia e Crescimento (10/9/2012), procurei mostrar que quando a ideologia se sobrepõe à racionalidade, conduzindo ao excessivo apego por parte dos governantes aos cânones de uma determinada corrente do pensamento econômico, os custos para a sociedade podem ser elevados.

Naquela oportunidade, eu estava preocupado com a orientação de política econômica do governo petista de Dilma Rousseff. Antevi um desastre que, infelizmente, se concretizou. Agora ocorre o contrário, na esteira do discurso liberal. Mas minha preocupação com a influência nefasta do apego ideológico, quase religioso, a determinadas crenças, continua a mesma.

O liberalismo econômico se consolidou com os trabalhos publicados no século 18 por pensadores como QuesnayLockeMandeville e, sobretudo, Adam Smith, com sua obra Uma Investigação sobre a Natureza e as Causas da Riqueza das Nações, de 1776. A ideia central era que o setor privado, operando em concorrência perfeita, levaria à prosperidade e promoveria o bem-estar social. A função do Estado seria apenas a de fornecer os bens públicos, atuar nas falhas de mercado e estabelecer a legislação para que a iniciativa privada exercesse seu papel.

Após a grande recessão iniciada em 1929, John Maynard Keynes nos mostrou a possibilidade do chamado equilíbrio recessivo, abaixo do pleno-emprego. O gasto público entra na equação para suprir a escassez de demanda e recolocar a economia em uma trajetória virtuosa comandada pelo investimento privado.

A partir de 1950, a economia neoclássica, que instrumentalizou o liberalismo com ferramentas matemáticas e teorias de equilíbrio geral, começou a ganhar muita força. Com as contribuições dos monetaristas da Escola de Chicago, especialmente George Stigler e Milton Friedman e a hipótese das expectativas racionais (John MuthRobert Lucas e Leonard Rapping), essa corrente do pensamento econômico passou a predominar na academia.

De lá para cá, muitos dos conceitos dos neoclássicos foram revistos, alterados e até mesmo abandonados.

Hoje sabemos que não há relação direta entre emissão de moeda e inflação. No mundo da moeda fiduciária e dos pagamentos digitais, quando se diz que os governos financiam seus déficits com expansão monetária, o que de fato ocorre é uma troca de passivos do Tesouro por passivos de curto prazo dos bancos centrais (que também pagam juros). Talvez por ainda estar preso à tradição monetarista, o ministro da Economia afirmou, no ano passado, de forma equivocada, que, se o governo não conseguisse rolar adequadamente a dívida em 2021, o Brasil entraria em hiperinflação.

Há também fortes evidências empíricas, mundo afora, de que desigualdade e pobreza, além de socialmente injustas, prejudicam o crescimento econômico.

Aprendemos também que os agentes econômicos são homo sapiens e não homo economicus, como pensavam os defensores das expectativas racionais. Isso quer dizer que nem sempre mercados livres e desregulados são eficientes para conduzir a equilíbrios compatíveis com o bem-estar.

Há sólida evidência empírica internacional que mostra que os investimentos públicos, desde que apresentem taxas de retorno total (privada mais social) superior ao custo dos fundos para financiá-los, favorecem o crescimento econômico.

Sem dúvida é preciso zelar pela consolidação fiscal, mas resumir a política econômica a cortar gastos a qualquer custo – embora nem isso esteja sendo feito – é uma aposta arriscada demais. A tese de que a redução do tamanho do Estado conduz automaticamente ao aumento do investimento privado não tem encontrado suporte nas evidências empíricas.

O Brasil precisa de uma ampla agenda de políticas pró-crescimento. Ao invés disso, o que mais se observa, na equipe econômica, é apenas o discurso supostamente liberal. Pena que se trata de um liberalismo envelhecido, tacanho.

*Economista e Diretor-Presidente da MCM Consultores. Foi consultor do Banco Mundial, subsecretário do Tesouro Nacional e chefe da assessoria econômica do Ministério da Fazenda

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