Os
efeitos da recuperação mostram que faz sentido gastar primeiro e posteriormente
reaver via aumento da arrecadação
O
agravamento da situação sanitária com o recrudescimento da pandemia nos últimos
meses está obrigando a maioria dos governos a buscar um segundo esforço fiscal
para manter a recuperação econômica viva. As novas medidas de afastamento
social e, como consequência, as novas restrições a várias atividades econômicas
importantes trouxeram o risco da repetição da recessão que ocorreu no segundo
trimestre de 2020.
Os números já conhecidos mostram no terceiro e parte do quarto trimestre de 2020 uma recuperação econômica bastante forte embora ainda não o suficiente - com exceção da China - para compensar a queda que ocorreu entre março e junho. Alguns casos atingiram números históricos como o do Reino Unido com uma queda do PIB médio de 2020 superior a 8% quando medido contra o ano anterior.
Nos
Estados Unidos, a maior economia do mundo, a queda foi bem menor, mas ainda
assim um valor que vai fazer parte dos registros históricos com certeza. O
Brasil, apesar de todas as incertezas que vivemos, mostrou uma performance
admirável com uma queda média pouco superior a 4%, mas com uma recuperação
bastante forte em vários setores importantes da economia. Como comparação no
mundo emergente o México chegou a mais de 8% de queda também.
Mas
sem uma ação forte e imediata por parte dos governos - completando a postura
agressiva dos Bancos Centrais na política monetária - voltaremos certamente a
uma recessão profunda em um momento em que a aplicação de várias vacinas
permite trabalhar com um horizonte mais otimista para o controle da pandemia
neste ano.
Gosto
de acompanhar o caso do Reino Unido pois o Partido Conservador, do ministro
Boris Johnson, tem uma longa e conturbada história de conservadorismo fiscal
radical em muitas décadas. Pois seu ministro das Finanças foi um dos mais
ousados na montagem de um programa de estímulos ao setor privado na recessão do
ano passado e agora - apesar de um déficit fiscal recorde que assusta os
conservadores - repetiu a mesma dose em fevereiro. Sua única mudança em relação
ao primeiro programa foi uma mensagem que deixou bem claro que após uma nova
estabilização por conta do sucesso da vacinação da população os ingleses vão
ter que pagar - do próprio bolso - os gastos extraordinários incorridos pelo
tesouro britânico.
Em
outras palavras, no Reino Unido o governo aceitou o fatiamento do novo Plano em
duas etapas; na primeira estão os gastos necessários para estabilizar a
economia e depois, a fase de aumento de impostos e redução de despesas
correntes para estabilizar a dívida pública.
Aqui
no Brasil esta forma de agir provocou um pânico no mercado financeiro pela
falta de confiança de que o governo Bolsonaro, antes das eleições de 2022, tome
as medidas compensatórias necessárias à estabilização de nossa dívida pública.
Talvez tenham razões para isto, mas na Medida Provisória aprovada no Senado - e
certamente na Câmara de Deputados - as medidas simultâneas de compromisso com a
austeridade fiscal foram fortemente desidratadas. Mas de qualquer forma as
regras para um novo pacote de estímulos econômicos que dependem da aprovação
legislativa estão estabelecidas e concentradas na transferência de recursos
para a camada mais pobre da população.
Serão
elas suficientes para suportar o pesado impacto de medidas de afastamento
social sobre a atividade econômica na espera do progresso da vacinação em
massa? Creio que não, pois a nova paralisação das atividades nos setores de
serviço e comércio vão atingir empresas já muito enfraquecidas e que
dificilmente sobreviverão a novas restrições de suas atividades. O governo deve
tomar medidas semelhantes as que estão em vigor no Reino Unido, do tipo
bolsa-empresário para as empresas que serão mais afetadas nos próximos meses.
Na Inglaterra o governo tem um vasto cardápio de medidas que vão da postergação
ou cancelamentos de impostos até o pagamento direto de até 80% dos salários dos
funcionários.
A
indústria está tendo no Brasil uma proteção conjuntural importante - e pouco
percebida pelos analistas mais conservadores - em função dos efeitos de uma
taxa de câmbio ultra desvalorizada pela saída maciça e continuada de capitais
financeiros de curtos prazo. Com esta situação as vendas no mercado interno
crescem pela alta de preços em reais dos produtos e componentes importados e a
parcela exportada pelo aumento das margens de lucro. Apesar disto faz sentido
um novo programa de adiamento do pagamento de impostos por simples medidas
administrativas da Receita Federal. Finalmente o setor agrícola continua sendo
o grande vencedor em função da produtividade sistêmica em um quadro de demanda
mundial aquecida - e que só tende a aumentar com a recuperação das principais
economias do mundo mais à frente - e uma taxa de câmbio generosa para nossos
produtores.
Apesar
da paranoia fiscal que tomou conta das elites econômicas - principalmente no
mercado financeiro e nos principais órgãos da mídia - os efeitos da recuperação
da economia nos últimos meses mostram que faz sentido gastar primeiro e
posteriormente recuperá-los via aumento da arrecadação. Com o horizonte da
vacinação em massa a ser atingido ainda este ano fica mais fortalecido ainda o
custo/benefício de um novo pacote fiscal no Brasil para enfrentar os próximos
meses.
E,
como no Reino Unido, primeiro aumentar os gastos públicos para depois ajustar o
crescimento do estoque de dívida pública via um aumento temporário e
inteligente da tributação de empresas e pessoas mais ricas, que serão os
grandes beneficiários deste novo pacote fiscal.
*Luiz Carlos Mendonça de Barros, engenheiro e economista, é presidente do Conselho da Foton Brasil. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações.
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