segunda-feira, 8 de março de 2021

Luiz Carlos Mendonça de Barros* - Sem pânico, mas voltando a agir

- Valor Econômico

Os efeitos da recuperação mostram que faz sentido gastar primeiro e posteriormente reaver via aumento da arrecadação

O agravamento da situação sanitária com o recrudescimento da pandemia nos últimos meses está obrigando a maioria dos governos a buscar um segundo esforço fiscal para manter a recuperação econômica viva. As novas medidas de afastamento social e, como consequência, as novas restrições a várias atividades econômicas importantes trouxeram o risco da repetição da recessão que ocorreu no segundo trimestre de 2020.

Os números já conhecidos mostram no terceiro e parte do quarto trimestre de 2020 uma recuperação econômica bastante forte embora ainda não o suficiente - com exceção da China - para compensar a queda que ocorreu entre março e junho. Alguns casos atingiram números históricos como o do Reino Unido com uma queda do PIB médio de 2020 superior a 8% quando medido contra o ano anterior.

Nos Estados Unidos, a maior economia do mundo, a queda foi bem menor, mas ainda assim um valor que vai fazer parte dos registros históricos com certeza. O Brasil, apesar de todas as incertezas que vivemos, mostrou uma performance admirável com uma queda média pouco superior a 4%, mas com uma recuperação bastante forte em vários setores importantes da economia. Como comparação no mundo emergente o México chegou a mais de 8% de queda também.

Mas sem uma ação forte e imediata por parte dos governos - completando a postura agressiva dos Bancos Centrais na política monetária - voltaremos certamente a uma recessão profunda em um momento em que a aplicação de várias vacinas permite trabalhar com um horizonte mais otimista para o controle da pandemia neste ano.

Gosto de acompanhar o caso do Reino Unido pois o Partido Conservador, do ministro Boris Johnson, tem uma longa e conturbada história de conservadorismo fiscal radical em muitas décadas. Pois seu ministro das Finanças foi um dos mais ousados na montagem de um programa de estímulos ao setor privado na recessão do ano passado e agora - apesar de um déficit fiscal recorde que assusta os conservadores - repetiu a mesma dose em fevereiro. Sua única mudança em relação ao primeiro programa foi uma mensagem que deixou bem claro que após uma nova estabilização por conta do sucesso da vacinação da população os ingleses vão ter que pagar - do próprio bolso - os gastos extraordinários incorridos pelo tesouro britânico.

Em outras palavras, no Reino Unido o governo aceitou o fatiamento do novo Plano em duas etapas; na primeira estão os gastos necessários para estabilizar a economia e depois, a fase de aumento de impostos e redução de despesas correntes para estabilizar a dívida pública.

Aqui no Brasil esta forma de agir provocou um pânico no mercado financeiro pela falta de confiança de que o governo Bolsonaro, antes das eleições de 2022, tome as medidas compensatórias necessárias à estabilização de nossa dívida pública. Talvez tenham razões para isto, mas na Medida Provisória aprovada no Senado - e certamente na Câmara de Deputados - as medidas simultâneas de compromisso com a austeridade fiscal foram fortemente desidratadas. Mas de qualquer forma as regras para um novo pacote de estímulos econômicos que dependem da aprovação legislativa estão estabelecidas e concentradas na transferência de recursos para a camada mais pobre da população.

Serão elas suficientes para suportar o pesado impacto de medidas de afastamento social sobre a atividade econômica na espera do progresso da vacinação em massa? Creio que não, pois a nova paralisação das atividades nos setores de serviço e comércio vão atingir empresas já muito enfraquecidas e que dificilmente sobreviverão a novas restrições de suas atividades. O governo deve tomar medidas semelhantes as que estão em vigor no Reino Unido, do tipo bolsa-empresário para as empresas que serão mais afetadas nos próximos meses. Na Inglaterra o governo tem um vasto cardápio de medidas que vão da postergação ou cancelamentos de impostos até o pagamento direto de até 80% dos salários dos funcionários.

A indústria está tendo no Brasil uma proteção conjuntural importante - e pouco percebida pelos analistas mais conservadores - em função dos efeitos de uma taxa de câmbio ultra desvalorizada pela saída maciça e continuada de capitais financeiros de curtos prazo. Com esta situação as vendas no mercado interno crescem pela alta de preços em reais dos produtos e componentes importados e a parcela exportada pelo aumento das margens de lucro. Apesar disto faz sentido um novo programa de adiamento do pagamento de impostos por simples medidas administrativas da Receita Federal. Finalmente o setor agrícola continua sendo o grande vencedor em função da produtividade sistêmica em um quadro de demanda mundial aquecida - e que só tende a aumentar com a recuperação das principais economias do mundo mais à frente - e uma taxa de câmbio generosa para nossos produtores.

Apesar da paranoia fiscal que tomou conta das elites econômicas - principalmente no mercado financeiro e nos principais órgãos da mídia - os efeitos da recuperação da economia nos últimos meses mostram que faz sentido gastar primeiro e posteriormente recuperá-los via aumento da arrecadação. Com o horizonte da vacinação em massa a ser atingido ainda este ano fica mais fortalecido ainda o custo/benefício de um novo pacote fiscal no Brasil para enfrentar os próximos meses.

E, como no Reino Unido, primeiro aumentar os gastos públicos para depois ajustar o crescimento do estoque de dívida pública via um aumento temporário e inteligente da tributação de empresas e pessoas mais ricas, que serão os grandes beneficiários deste novo pacote fiscal.

*Luiz Carlos Mendonça de Barros, engenheiro e economista, é presidente do Conselho da Foton Brasil. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações. 

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