Uma
das principais características do processo de desenvolvimento econômico é a
complementaridade entre a evolução da economia de mercado e da capacidade
estatal. O trabalho original de Charles Tilly, publicado em 1975, narra a
evolução de regiões europeias fragmentadas e suas transformações de pequenos
feudos a regimes complexos centralizados capazes do prover o monopólio de
forças coercitivas.
A
principal explicação para essa evolução, de acordo com Tilly, foi a necessidade
que os países tinham em financiar suas guerras. Isso gerou investimentos na
capacidade de coletar impostos e a formação de burocracias centralizadas.
Mas capacidade estatal não se refere somente à coleta de impostos. O surgimento e a evolução de Estados complexos, com capacidade de garantir direitos de propriedade e prover bens públicos através de burocracia moderna e autônoma, são foco de estudos em ciência política, história, sociologia e economia.
De
Skocpol e Migdal até Acemoglu e Besley, diferentes autores construíram teorias
e modelos para explicar como e quando Estados se tornam melhores. Em muitas
destas teorias, incentivos políticos têm papel central em explicar por que
alguns líderes investem em capacidade estatal e outros não.
Barbara
Geddes, no livro “Politican’s dilemma”, diz que presidentes de democracias não
consolidadas se deparam com uma escolha difícil. Eles podem nomear gestores
eficientes para posições importantes na burocracia estatal e gerar
desenvolvimento econômico ou podem nomear aliados partidários para consolidar
apoio político, mas abrindo mão da capacidade burocrática.
Sistemas
políticos onde incentivos para o uso de clientelismo e patronagem abundam
tendem a ser locais onde políticos preferirão gestores partidários. No entanto,
num contexto onde exista cooperação a crenças de que reformas são importantes,
é possível que mesmo estes políticos joguem o jogo da melhoria de investimento
em capacidade estatal.
O
Brasil já deu importantes saltos de capacidade estatal nos últimos 100 anos, e
alguns desses saltos aconteceram inclusive em momentos de ditadura. Primeiro
com Getúlio Vargas e diversas reformas de profissionalização da burocracia e,
depois, durante a ditadura militar, com a criação de algumas estruturas de alta
capacidade estatal, como Embrapa.
Além
disso, o Estado brasileiro já foi precursor na implementação de programas como
combate a Aids, Bolsa Família ou saúde da família. O Brasil foi um dos
primeiros países a introduzir Imposto de Renda preenchido universalmente pela
internet ou a utilizar urnas eletrônicas em votações.
Por
tudo isso é chocante que durante um período democrático um presidente esteja
conseguindo fazer a capacidade estatal brasileira retroceder décadas, algo que
não foi feito nem nas ditaduras pelas quais o país passou. Bolsonaro escolheu
desde o começo de seu mandato nomear seus aliados partidários para consolidar
seu apoio político em vez de buscar esse apoio nas instituições tradicionais e
no jogo político com o Congresso.
O
que ninguém esperava era que essa escolha fosse levar gente tão incompetente
para o governo. Bolsonaro preencheu cargos de alto escalão com militares e
agentes incompetentes para exercer suas tarefas.
A
seleção feita por motivação partidária e ideológica usou critérios como conservadorismo
e defesa da família tradicional, luta contra a educação de gênero, uso da
Amazônia para exploração de minerais, defesa da liberação de armas à população,
uso de cloroquina para tratar a Covid.
Depois
veio a destruição da capacidade de instituições executarem suas tarefas, seja o
Inpe de usar sensoriamento remoto no monitoramento da Amazônia, do Inep de
realizar testes educacionais, do Ministério da Saúde de implementar um sistema
de testes de Covid em grande escala ou da CGU de usar políticas de transparência
para lutar contra a corrupção.
Finalmente
chegou o apagão estatístico, em que o governo resolve acabar com os sistemas de
informação para que seu retrocesso não possa ser medido e, consequentemente,
punido. Assim o governo acabou com um sistema centralizado de acompanhamento de
casos e mortes causados pela Covid.
E
mais grave ainda, o governo corta os recursos para que o IBGE não consiga
realizar o Censo populacional, a mais importante ferramenta de acompanhamento
de indicadores econômicos e sociais do país.
É
raro na história dos países termos um Estado que retrocedeu tanto como o Brasil
em apenas 2 anos. A incompetência e estratégia eleitoral macabra de Bolsonaro
são efetivas em afundar o país, que infelizmente sofrerá os custos do
desmantelamento do Estado por décadas.
A limitada resistência que acontece dentro da burocracia vem de funcionários de carreira com coragem de enfrentar ordens insanas. Lembre-se disso e do fato de o Brasil ainda não ser uma democracia consolidada da próxima vez que debater a estabilidade da burocracia federal.
Nenhum comentário:
Postar um comentário