sábado, 3 de abril de 2021

João Gabriel de Lima - A direita sem partido

- O Estado de S. Paulo

A maior parte dos países tem um ‘partidão’ à esquerda e um à direita. Brasil é caso peculiar

Partidos políticos não surgem do nada. Na Europa, as principais siglas se formaram a partir de núcleos já estabelecidos na sociedade civil. Os grandes partidos de centro-esquerda – como o trabalhista inglês, o social-democrata alemão e o socialista francês – vieram de sindicatos. Os da centro-direita nasceram de associações religiosas ou assistenciais. Alguns deles compartilham o nome “democrata cristão”. 

Conservadores e liberais de um lado, social-democratas e socialistas do outro. Os quatro campos defendem valores legítimos, criando o debate que alimenta as democracias. A maior parte dos países tem um “partidão” à esquerda e outro à direita. Tais siglas majoritárias protegem contra os extremistas – os quais, nos tempos da Guerra Fria, costumavam vir das esquerdas, e hoje se concentram à direita. 

O Brasil é um caso peculiar, retratado no excelente livro Partisans, anti-partisans and non-partisans, dos cientistas políticos Cesar Zucco e David Samuels. O trabalho, um dos mais citados em conferências e artigos sobre o Brasil, mostra que nossa democracia não desenvolveu uma identidade partidária forte à direita. Os autores demonstram que a disputa no Brasil é entre petismo e antipetismo. Cada uma dessas forças mobiliza entre 20% e 30% do eleitorado. Segundo Cesar Zucco, personagem do minipodcast da semana, a direita brasileira não se define por uma adesão, mas por uma rejeição. É uma direita sem partido. 

Durante a vigência da polarização entre PT e PSDB, os tucanos estiveram perto de se tornar os “democratas cristãos” nacionais. Faltou o enraizamento nas associações civis (o PT, como um partido europeu, viera dos sindicatos). Além disso, o PSDB era uma sigla com origens na esquerda cultural – Chico Buarque compôs os primeiros jingles de campanha de Fernando Henrique. Por fim, escândalos de corrupção afastaram parte do eleitorado dos tucanos. 

As direitas se dividiram. “Cesar Maia achava que havia espaço para um partido liberal no Brasil, e seu filho Rodrigo tentou consolidar a tarefa”, diz Zucco. Esbarrou, no entanto, no fisiologismo atávico do DEM. O Novo tenta ser o PSOL das direitas, mas não consegue decidir se é situação ou oposição em relação ao atual governo. O presidente Jair Bolsonaro, em quem a maior parte dos eleitores à direita votou em 2018, acaba sendo o maior fator de divisão em seu próprio campo político. 

Os liberais sabiam desde a campanha que Bolsonaro não era um deles – o que é reafirmado a cada troca intempestiva no comando de estatais, ou a cada soluço autocrático. Muitos se arrependeram do voto e até fazem campanha pelo impeachment. 

Os verdadeiros conservadores, que defendem a moderação política e o respeito às instituições, incomodam-se com o conflito permanente que o presidente mantém com o Legislativo e o Judiciário – e também com o hábito de criar crises do nada, como acaba de ocorrer na troca de comando nas Forças Armadas

Para Zucco, partidos com peso e convicções claras dão estabilidade ao processo político. Uma sigla com história e um nome a zelar não se sente à vontade para tentar aventuras. Ao contrário dos caudilhos de ocasião, que são sempre imprevisíveis. 

A direita brasileira precisa de um partido para chamar de seu. Caso contrário, como torcedor de time que caiu de divisão, ficará condenada a secar o adversário. Ou, pior, tentada a votar no primeiro que aparecer – para se arrepender depois. 

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