Mas,
por incrível que pareça, a discussão orçamentária tem tudo a ver: investimentos
em saúde, financiamento das Forças Armadas, retomada econômica.
Outras vezes, já disse aqui, que a Constituição e o orçamento carregam a alma da democracia. Uma estabelece os limites e a divisão dos poderes do Estado, deveres e direitos dos cidadãos, as regras de convivência na sociedade. O outro, explicita como o dinheiro dos impostos pagos pela população vai ser aplicado. Estabelece a régua e o compasso para a execução das políticas públicas.
O
Orçamento embute um conflito distributivo. O contribuinte quer pagar menos. As
empresas tentam ampliar incentivos. Os servidores querem melhores salários. Os
aposentados querem aposentadorias e pensões maiores. Os prefeitos e
governadores desejam mais obras. Os setores da saúde, educação, defesa
nacional, segurança, habitação, saneamento reivindicam mais verbas. Só que a
receita é finita e o orçamento não é um saco sem fundo.
A
hiperinflação tornava o orçamento público uma peça de ficção. A estabilização
da economia pelo Plano Real trouxe a possibilidade de um orçamento transparente
e confiável, recuperando seu papel de peça de planejamento das ações
governamentais. Só que a evolução do Estado brasileiro e de nosso sistema
previdenciário elevaram as despesas com funcionalismo e previdência ao patamar
de 80% dos gastos primários. Somadas as despesas obrigatórias com o custeio da
máquina pública, as vinculações constitucionais, as despesas tributárias, sobra
muito pouco ou quase nada para investimentos sociais e em infraestrutura, num
país em que metade da população não tem esgoto, a estrutura de transportes é
ineficiente e as desigualdades sociais são enormes.
O
Orçamento Geral da União de 2021 foi votado só agora no final de março. A
margem de manobra era mínima. Mas o resultado é preocupante. Não adianta
maquiar os números, superestimando receitas ou subestimando despesas. A receita
prevista no OGU/2021 está com uma estimativa correta. Mas o problema está do
lado das despesas. Como disse o economista Felipe Salto, diretor da Instituição
Fiscal Independente, criada pelo Senado Federal: “redução de despesas
obrigatórias a níveis pouco razoáveis, tecnicamente, traz riscos à
transparência nas contas públicas e à gestão fiscal”.
O
orçamento votado subestima gastos obrigatórios com previdência social, abono
salarial, desoneração da folha, Fundo Nacional de Desenvolvimento da Ciência e
Tecnologia e transfere estas verbas para investimentos. Tudo indica que há um
rombo escondido debaixo do tapete de 48 bilhões de reais. O relator do
OGU/2021, Senador Márcio Bittar (MDB/AC), que é meu amigo e posso assegurar um
parlamentar sério e movido pelo interesse público, afirma que tudo foi feito a
quatro mãos com a equipe econômica.
Haverá
veto? Vamos desrespeitar o teto de gastos? Teremos a paralisia do governo?
Vamos reeditar a contabilidade criativa e as pedaladas fiscais que levaram ao
impeachment de Dilma Rousseff? Reviveremos a irresponsabilidade fiscal?
Muitas
perguntas para um país que já tem o horizonte povoado de dúvidas e ameaças.
*Marcus Pestana, ex-deputado federal (PSDB-MG)
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