sábado, 3 de abril de 2021

Poesia | Joaquim Cardozo - Canto do homem marcado

Sou um homem marcado ...

Em país ocupado

Pelo estrangeiro.

Sou marinheiro

Desembarcado;

Marcho na bruma das madrugadas;

                                                    Mas-

Trago das águas

A substância

Da claridade.

DA CLARIDADE!

Sou o indefinido,

O inesperado

Viajante da tarde nua,

Que uma dor augusta comoveu ...

 

Tudo a renuncia,

                        Tudo

O que eu conservo

De altivo e puro,

Sob o meu manto adormeceu.

 

Em outros tempos e antigos

Plantei alfaces, vendi craveiros,

Fui hortelão, fui jardineiro;

E a escura terra ...

                            Terra

Dos meus canteiros,

Sempre arqueava o dorso

Ao gesto amigo

De minha mão.

 

Hoje provo, na boca, um desgosto,

Hoje tenho, no sangue, um sinal

Que não foi e não é das algemas

Da prisão da Vida,

Nem do jugo da Terra,

Nem do pecado original.

Muito bem sei, senhores,

Que sou um sonho cravado na morte,

Que sou um homem ferido no olhar ...

E que trago, bem viva, entre as nódoas do mundo,

A mancha do meu país natal.

 

Sou um homem manchado de sombra

No sonho, no sangue, no olhar,

Sou um homem marcado ...

Em país ocupado

Pelo estrangeiro.

 

Mas esta marca temerária

Entre a cinza das estrelas

Há de um dia se apagar!

Por isso é que me amparo às mãos dispersas da noite ...

E pelos pés difusos do vento é que marcho

Na bruma das madrugadas ...

Trazendo das águas a substância

Da claridade

E um cheiro manso

De manhã fria ...

 

Oh! Soledade!

Oh! Harmonia!

 

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