Seu
enfraquecimento põe o Brasil na contramão das tendências do mundo pós-pandemia
A
reunião de cúpula do Mercosul realizada recentemente em Assunção era para ser
uma confraternização entre amigos e a celebração das conquistas do Tratado de
Assunção. Mas não foi. Ao contrário, cedeu lugar à explicitação das
divergências entre os sócios sobre a flexibilização do acordo. Uruguai e Brasil
a favor, Argentina e Paraguai contra.
Não
obstante, haveria muito a comemorar. O Mercosul transformou a fronteira entre
Brasil e Argentina de fonte de desconfianças e ameaças recíprocas em espaço de
paz e de cooperação. Se olharmos para os conflitos e guerras entre países
vizinhos no resto do mundo, esse não será um feito menor.
Ao contrário do senso comum, o comércio e os investimentos aumentaram. Em termos relativos, no entanto, os porcentuais podem ter regredido em decorrência do efeito China, que impactou o intercâmbio com os demais parceiros do Brasil. A taxa de crescimento do comércio Mercosul-China já foi de 18% ao ano, enquanto a do intercâmbio intrabloco não passava de 11%. Na verdade, estávamo-nos integrando com a China, e não entre os países do subcontinente.
Os
ganhos do Mercosul estenderam-se à harmonização das regras e dos padrões, para
facilitar os fluxos na economia, a cooperação em saúde e alimentação, educação
e transportes, entre tantos outros setores, para ampliar as convergências entre
países e sociedades.
A
questão da flexibilização depende do que se entenda pelo conceito. Se for a simples
rebaixa da Tarifa Externa Comum (TEC), acordada entre os sócios, não representa
uma divergência e é positiva. Se for a liberdade para iniciar negociações,
tampouco seria uma novidade, pois já constou do acordo com o México. Mas se
significar a conclusão de acordos de comércio por cada um dos membros
individualmente, a flexibilidade violaria a TEC, que é a base da união
aduaneira. Nessa hipótese, o Mercosul recuaria a um estágio inicial do processo
de integração, que é o livre-comércio, de pequena relevância para nós.
As
razões do Uruguai para defender a flexibilização são conhecidas e antigas. Seu
interesse está em abrir mercados para a exportação de carnes. No caso do
Brasil, o apoio à flexibilidade é novo e refletiria a fé no globalismo, uma
forma de nacionalismo exacerbado, que considera integração um atentado à
soberania; ou uma visão liberal também radical que se opõe aos acordos de
integração por implicarem ingerência nos mercados. Alguns economistas
americanos ainda não acreditam na sobrevivência do euro e a cada crise
antecipam o seu colapso.
Para
os países que optarem pelo caminho da liberdade na conclusão de acordos
individuais restam duas saídas. Uma é a retirada do Mercosul, uma espécie de
Brexit sul-americano. Outro, a revisão do Tratado de Assunção, que exigiria
ratificação pelo Congresso. Resta saber se mudanças de tal magnitude convêm ao
Brasil. Estou convencido de que não.
Nosso
país é um dos maiores beneficiários da TEC, que cria um mercado cativo para
produtos brasileiros de maior valor agregado que por vezes não têm acesso a
mercados mais competitivos ou mais protegidos. A TEC é ainda um incentivo para
o investimento estrangeiro pela proteção que oferece no mercado local. Por fim,
o enfraquecimento do Mercosul coloca o Brasil mais uma vez – além da pandemia e
da política ambiental – na contramão das tendências do mundo pós-pandemia, pois
alguns de nossos principais parceiros, como Estados Unidos e União Europeia, já
sinalizaram na direção do multilateralismo, de maior participação do Estado na
economia e, mesmo, de certas formas de autarquia.
Em
termos práticos, o Brasil nunca deixou de concluir um só acordo ou tomar uma
decisão relevante por oposição de algum de nossos parceiros. No momento em que
o Mercosul cogita de voltar para trás, a África está ultimando a criação de um
acordo regional de comércio com a participação de mais de 40 países.
A
defesa do Mercosul não deve ignorar suas deficiências e seus defeitos, que são
muitos. Eles vêm, em certa medida, da apropriação do acordo por uma burocracia
diplomática crescentemente desconectada da realidade dos negócios e do sopro
renovador da política.
Em
vez de debilitar o Mercosul, é preciso fortalecê-lo e promover a sua
convergência com a Aliança para o Pacífico (AP), como defendia o presidente
Macri. Essa convergência levará à harmonização de um espaço econômico integrado
por oito países, que representam aproximadamente 80% do território, da
população e do PIB latino-americanos que fizeram a opção pela democracia e por
uma economia de mercado.
Para
reformar não é preciso destruir um dos fundamentos do Mercosul que, além da sua
relevância econômica, é uma das bases da influência do Brasil na região. Para
concluir lembro as palavras de Enrique Iglesias, ex-presidente do BID e um bom
amigo do Brasil: “Vocês, brasileiros, não se dão conta de que seus vizinhos
olham para o Brasil em busca de rumo e de uma liderança que o Brasil hesita em
assumir”.
*Embaixador, foi ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior
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