Valor Econômico
Purgatório de Bolsonaro na CPI e seu
derretimento nas pesquisas de opinião alimentam a cajadada do
semipresidencialismo
A ameaça de explosão da propinolândia do
Ministério da Saúde e o purgatório do presidente Jair Bolsonaro com seu
derretimento nas pesquisas de opinião alimentam a cajadada do
semipresidencialismo.
Seus maiores defensores são o ex-presidente
da República Michel Temer e o ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar
Mendes, que chegaram a escrever uma proposta de emenda constitucional juntos.
Uma congênere desta proposta, com mais poderes para o presidente do que a da
dupla, já tramita no Senado com a assinatura de representantes de todos os
partidos da Casa.
Duas mitigações do presidencialismo já
foram derrubadas em consultas populares em 1963 e em 1993. Se vingar, desta
vez, terá sido por obra e graça do vice-presidente Hamilton Mourão e do
ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O primeiro por ser tão indesejável,
pelo Congresso, quanto Bolsonaro o é no país e o segundo por aparecer, a cada
pesquisa, mais bem posicionado para derrotar o presidente. Além de ponto de
fuga para um Congresso que rejeita o impeachment, o semipresidencialismo
resolveria o problema de uma terceira via sem voto.
Vigente em mais de 50 países, o modelo que inspira Temer e Gilmar aproxima-se daquele vigente em Portugal e na França, onde o presidente é eleito pelo voto direto, escolhe, a partir da maioria congressual, o primeiro-ministro, e, por indicação deste, os integrantes do governo. Ainda chefia as Forças Armadas, conduz a diplomacia, escolhe ministros de tribunais superiores e embaixadores, tem direito de veto e sanção e dissolve o gabinete em situação de crise. Temer rifou a figura do ministro-coordenador que, na proposta original, não precisaria ser originário do Congresso.
Com um governo claudicante e uma geração de
generais educada na base dos tuítes ameaçadores contra aquele que lidera as
pesquisas, o paralelo com o parlamentarismo imposto a João Goulart depois da
renúncia de Jânio Quadros, é evidente. Sua implementação, a partir de 2026, com
referendo, derrubaria a comparação e ainda responderia ao reclamo de um
presidente que, apesar de encurralado, tem direito à reeleição conquistado pelo
voto.
A precipitação da crise, porém, Temer o
reconhece, abre uma oportunidade mais imediata para o semipresidencialismo.
Gilmar Mendes já viu emenda constitucional gorar uma eternidade ou ser aprovada
de um dia para o outro. Além de escândalos que se atropelam, o empurrão viria
da governabilidade deteriorada por um modelo de emendas parlamentares que se
esgotou.
A balbúrdia das emendas extra-orçamentárias
chegou ao ponto de os dois partidos que requisitaram ações no Supremo para
suspender a execução do chamado “orçamento secreto”, o PSB e o Cidadania, terem
voltado atrás por pressão de seus pares no Congresso. Além de não ter sido
aceita pela relatora, ministra Rosa Weber, a desistência levou à desfiliação do
senador Alessandro Vieira (SE) do Cidadania. Há, no Congresso, quem aposte que
a suspensão das emendas a serem executadas em 2021 teria um potencial mais
destrutivo sobre a base do governo do que o circo da CPI.
A obrigatoriedade e os valores das emendas
cresceram à medida que os presidentes, Temer inclusive, foram encurralados pelo
Congresso. A ponto de os parlamentares hoje superarem, com os recursos à sua
disposição, a capacidade de investimento do Executivo. Usufruem do bônus de
governar sem ter que arcar com o ônus de se responsabilizar por atos e gastos.
Para não falar do impacto fiscal, não
apenas das emendas, mas dos projetos que o Congresso remenda e aprova como
quer. Derruba veto presidencial à desoneração da folha de salários das empresas
sem a devida previsão orçamentária e privatiza a Eletrobras com aumento de
despesa da União, exemplifica o deputado Rodrigo Maia (sem partido-RJ), outro
convertido ao semipresidencialismo.
Desde que publicou um artigo sobre o tema,
em 12 de junho, em “O Estado de S. Paulo”, Temer tem sido consultado por
empresários sobre a viabilidade política do semipresidencialismo. Maia não
descarta que a reunião dos 11 partidos de centro-direita contra o voto
impresso, possa vir a ser um embrião da defesa da proposta. É nos dois polos
que hoje lideram a política nacional, porém, que a fagulha custa a acender.
Bolsonaro entrega tudo o que resta no governo
mas não acata uma mudança do gênero, diz uma liderança governista. Lula também
custaria a aceitar uma mitigação dos poderes que o partido tem chances
crescentes de conquistar em 2022. Defensores da proposta dizem que a mudança
evitaria que o PT revisitasse o inferno vivido nas crises de seus mandatos,
mas, no partido, a ideia é vista como se a devolução dos direitos políticos de
Lula tivesse servido de bode na sala para a aprovação da mudança no sistema de
governo.
Em 1993, Lula chegou a discutir com o PSDB
apoio ao parlamentarismo, mas o PT o dobrou com a defesa do presidencialismo.
Há, por isso, no partido, quem ache que o ex-presidente toparia o acordo em
nome do apaziguamento. A hostilidade no mercado pode ser medida pela divulgação
de notícia falsa dos filhos do presidente sobre a idoneidade das melhores
pesquisas eleitorais da praça que atestam a franca vantagem petista. No círculo
mais próximo de Lula, porém, a aposta é que, além de o ex-presidente não querer
abrir mão de governar com plenos poderes, seus apoiadores se sentiriam traídos.
Flávio Dino, governador do Maranhão,
recém-filiado ao PSB e aliado de Lula, votou pelo parlamentarismo em 1993 e
aprova o modelo proposto por Temer e Gilmar mas não vê viabilidade política
para sua aprovação. De engenhoso, diz, acabaria sendo visto como arranjo,
arremedo, tampão.
De todas as dúvidas em torno da saída
proposta a mais irrefutável é a percepção de que o semipresidencialismo
acabaria por eternizar no poder uma maioria parlamentar que, desde o impeachment
da ex-presidente Dilma Rousseff, tem aprovado uma agenda contrária ao programa
do pré-candidato a presidente que lidera as pesquisas. O ministro Gilmar Mendes
tem argumentado que caberia ao presidente arregimentar puxadores de votos para
os partidos aliados de maneira a fazer a maioria parlamentar. O problema é que
as regras para a eleição dessas bancadas serão feitas num Congresso dominado
pelo Centrão. O bloco, portanto, teria todas as condições para impor as regras
por meio das quais se eternizaria no poder.
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