O Estado de S. Paulo
Reforma tributária se transformou numa guerra de narrativas
Definitivamente, o governo não esperava a
saraivada de críticas que a proposta de reformulação no Imposto de Renda – uma
segunda fase da reforma tributária – causou desde que foi divulgada na
sexta-feira passada. O clima é de completa revolta entre os empresários que têm
feito seguidos manifestos de protestos.
A reforma se transformou numa guerra de
narrativas. Cada um tem o seu ponto de vista, reforçando a premissa que vem
impedindo até agora avanços nos últimos 20 anos: todo mundo é a favor da
reforma desde que ela não bata no seu bolso.
Os principais pontos da proposta – a volta da taxação de lucros e dividendos com alíquota de 20% e o fim dos Juros sobre Capital Próprio (usado pelas empresas para distribuir lucros a seus acionistas) – já eram conhecidos pelas informações divulgadas pela imprensa nas últimas semanas.
Mas as grandes empresas e bancos não acreditaram que o ministro da economia, Paulo Guedes, fosse levar para frente justamente a proposta mais pesada. O texto veio salgado para eles, que agora se movimentam intensamente na Câmara e no Senado para barrar a proposta ou minimizar os danos. Guedes não só emplacou a proposta mais salgada no Palácio do Planalto como pagou para ver ao atrelar o ganho de arrecadação com a tributação de lucros e dividendos ao novo Bolsa Família. Um vai compensar o aumento dos gastos de outro, como exige a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF).
A estratégia planejada há meses é reforçar
a narrativa da escolha dos parlamentares entre o auxílio à pobreza versus
benefício a acionistas que há 25 anos estão isentos de pagar o Imposto de Renda
sobre a remuneração do capital investido nas empresas.
Em direção oposta, a principal narrativa do
setor produtivo é a de que a reforma do IR vai aumentar brutalmente a carga
tributária em 2022, justamente no ano da consolidação da retomada econômica
depois da dureza destes dois anos seguidos de pandemia.
As grandes empresas pressionam os deputados
para manter o JCP e reduzir à metade a alíquota da taxação de dividendos. Tem
sido uma correria para tentar marcar agenda com lideranças da Câmara e
encontros com o presidente Arthur Lira. Eles querem que a Receita abra as
contas e prove que não haverá aumento da carga. Mesma demanda na reforma da
Previdência. A diferença é que naquela época eram os trabalhadores assalariados
os insatisfeitos.
Todos se perguntam: Lira vai pagar para ver
e insistir nessa proposta que desagrada ao Pibão?
No início da semana, em entrevista ao Valor
Econômico, o presidente da Câmara até acenou com a redução da alíquota de 20%
para 15% e redução da faixa de isenção da tributação de lucro e dividendos de
R$ 20 mil por mês.
Depois se calou. Só falou generalidades
para não se comprometer. O tititi que passou a assombrar o setor produtivo, nos
últimos dias, é que Lira paute a proposta antes do recesso parlamentar de 15 de
julho, sem chance para debate aprofundado e com negociação de gabinetes no
afogadilho. Na prática, o que mais tem acontecido em tempos de pandemia. Um
rumor que rondou o Congresso é de que Guedes esticou a corda para a reforma não
passar e tentar aprovar a volta da CPMF.
As empresas não se contentaram com o aceno
de Guedes de que vai acelerar a redução da alíquota do Imposto de Renda das
empresas. A alíquota iria cair cinco pontos porcentuais em dois anos, movimento
que o ministro agora fala em fazer de uma só vez no ano que vem.
A tributação de lucros e dividendos virou o
vilão do momento para o PIB e o mercado. Mas não se pode esquecer que a ideia
foi defendida pela maioria dos candidatos na última campanha eleitoral
(inclusive o presidente Jair Bolsonaro).
É pauta da esquerda no País, que tem ficado
bem caladinha desde que o anúncio do projeto botou fogo na economia. Um aliado
importante que os críticos da proposta já contam é o presidente do Senado,
Rodrigo Pacheco, que já disse que o aumento da carga é inaceitável.
Se passar na Câmara, a reforma encontrará
uma muralha no Senado de Pacheco, que anda se desentendendo com Guedes. É para
lá também que os olhares do País estão voltados depois das recentes denúncias
de corrupção na compra das vacinas contra a covid-19.
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