O Estado de S. Paulo
Bolsonaro declarou-se incapaz frente ao esquema patrimonialista, que ele fortaleceu
Bolsonaro é impotente diante do esquema
patrimonialista pelo qual permanece no Planalto.
Não deve ser fácil para o tipo de
autoestima que Jair Bolsonaro exibe ter de admitir-se impotente. Foi o que
aconteceu em relação ao “rolo” no Ministério da Saúde de cuja existência
aparentemente tinha conhecimento. E que deixou rolar, pois se considerava
impotente para fazer qualquer coisa.
Na verdade, Bolsonaro é impotente diante do
mais velho esquema patrimonialista brasileiro, graças ao qual ele sobrevive no
Planalto enquanto ajuda a promover o retrocesso que esse esquema representa. É
tudo tão arcaico quanto a política de clientelismo brasileira: um bem escasso
(vacinas) é controlado por órgão público (Ministério da Saúde) que é feudo de
algum partido. Ao deter parte da máquina pública, o político dono do feudo
distribui ou canaliza recursos para atender aos seus interesses (de toda ordem)
ou os de empresas privadas, das quais também cobra alguma vantagem.
O que a CPI da pandemia ainda não descobriu é quanto custou esse “serviço de influência” política que garantiria a uma empresa privada mercadoria que iria revender com lucro excepcional (na Rússia e na China muitos se tornaram bilionários exatamente assim). As coisas pareciam muito promissoras, pois a empresa em questão já estava recebendo pagamentos antes mesmo da chegada de uma só dose da vacina que se propunha comprar na Índia – tal é a certeza, na ponta da compra e na ponta da venda, de como funcionam negócios via influência política em órgãos públicos.
Não, não foi Bolsonaro que conduziu o País
a esse estado no qual forças políticas se organizam para se aproximarem do cofre
e da máquina públicas transformados em ferramentas para benefício próprio – e
nem se está falando de corrupção. Nesse sentido, os “donos do poder” sempre
foram os mesmos, os métodos nunca se diferenciaram muito e num momento de
sincericídio – a julgar pelo relato de um dos acusadores na CPI da pandemia – o
presidente confessou ser impotente diante do “rolo”.
A impotência presidencial – Bolsonaro não
sabe o que é “agenda política”, que confunde com vociferar a bajuladores –
ajuda o retrocesso em vários campos de enorme amplitude e nos quais o chamado
Centrão tem um interesse direto, e que estão sendo atacados no momento. Entre
eles, os da reforma política eleitoral e reforma tributária, fora a
administrativa. Para trás já ficou outra importante, a da privatização da
Eletrobrás, desfigurada por essas mesmas forças empenhadas em garantir
vantagens setoriais.
A reforma eleitoral caminha, a julgar pelos
documentos preliminares, para diluir a eficácia da cláusula de desempenho e
garantir o controle dos caciques através do Distritão – na contramão do que se
recomenda, que é tentar diminuir o número de partidos e assegurar que o
partido, e não quem manda nele, saia reforçado.
A reforma tributária é essencial que seja
ampla para mudar um sistema que nem se pode descrever como manicômio – pois do
manicômio, como diz a piada, é possível fugir, mas não do sistema tributário
brasileiro. Sob Bolsonaro está virando um arremedo de reforma com claro
interesse eleitoreiro (na correção da tabela do IR), que não ataca a questão
tributária de forma abrangente, cria distorções e ameaça aumentar a já
pesadíssima carga de impostos.
Já se pode registrar na história do Brasil
o fato da onda disruptiva que Bolsonaro surfou para chegar ao Planalto ter
assegurado aos tradicionais donos do Poder a manutenção dos instrumentos de
acesso ao que é público em prol do interesse privado – a clássica definição de
patrimonialismo. Ocorre que o ambiente institucional está mais deteriorado, a
situação fiscal piorada e elites dirigentes no momento atônitas, apostando que
algo vai acontecer para evitar o pior.
O País já era antes disso pobre, desigual e violento, e ficou mais doente. Perde tempo e energia com debates inúteis, num ambiente de polarização política que prima pela imbecilidade típica de fanáticos e extremistas. Tendo um autodeclarado impotente como presidente.
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