O Estado de S. Paulo
Os potenciais ganhos do
semipresidencialismo apresentam custos não triviais
Qualquer sistema político possui um
arcabouço institucional multifacetado e complexo de várias dimensões tais como
regras eleitorais, sistema de governo, estrutura federativa ou unitária, número
de câmaras legislativas, poderes constitucionais do Executivo, nível de
independência das organizações de controle etc., que devem estar em relativo
equilíbrio para dar funcionalidade ao sistema.
Muitos têm argumentado que o sistema político brasileiro, por ser “hiperpresidencialista”, isto é, com concentração excessiva de poderes no Executivo, tem sido fonte incessante de crises. Reformas de toda sorte têm sido propostas de tempos em tempos como “soluções milagrosas” para gerar a tão sonhada eficiência que o presidencialismo multipartidário supostamente não teria condições de ofertar.
A “bola da vez” parece ser o semipresidencialismo, regime no qual um presidente, eleito pelo voto popular, exerceria funções de chefe Estado, e um primeiro-ministro, escolhido pela maioria do Parlamento, exerceria funções de chefe de governo.
A grande promessa do semipresidencialismo
seria uma maior flexibilidade de substituir governos que perdem maioria
parlamentar, sem abalar o mandato presidencial. Essas mudanças ocorreriam,
supostamente, sem grandes traumas ou conflitos tão característicos da rigidez
de presidencialismos puros, que requerem processos de impeachment muitas vezes
traumáticos e polarizados para se livrar de presidentes durante seus
mandatos.
Mas o semipresidencialismo também apresentaria
desvantagens, especialmente quando implementado em um sistema político com
características marcadamente consensualistas, como o brasileiro, pois a entrada
de um primeiro-ministro representaria um ponto de veto adicional num sistema
que já possui inúmeros, tais como representação proporcional, federalismo,
bicameralismo, fragmentação partidária, Judiciário independente etc.
Portanto, a suposta eficiência de uma maior
flexibilidade de mudanças de governos teria que ser confrontada com a potencial
perda de eficiência governativa gerada pela entrada de mais um ponto de veto no
jogo. Além do mais, regimes semipresidencialistas, que conferem substanciais poderes legislativos ao presidente,
tendem a aumentar conflitos com o primeiro-ministro, o que pode acarretar
maiores instabilidades ao governo, especialmente se esses atores pertencerem a
partidos políticos ideologicamente opostos.
Em estudo que analisa 72 democracias no
mundo, que acaba de ser aceito para publicação na revista Government & Opposition, os
colegas André
Borges e Pedro Ribeiro mostram que enquanto os
poderes legislativos do presidente em regimes presidencialistas puros, como o
brasileiro, estimulam a coordenação por meio do aumento da coesão e da
disciplina partidária, em regimes semipresidencialistas teriam o efeito
inverso. Ou seja, diminuiriam a coesão e disciplina enfraquecendo assim os partidos.
A almejada eficiência do
semipresidencialismo é, portanto, condicionada à existência de presidentes
fracos, sem poderes legislativos formais e sem condições de desafiar políticas
consideradas indesejáveis que o primeiro-ministro queira implementar. Só nestas
condições é que presidentes teriam incentivos para cooperar com o
primeiro-ministro e, como consequência, níveis mais elevados de unidade e
disciplina partidária poderiam ser observados.
Ainda que de forma não linear, tem sido por
via do presidencialismo multipartidário que o Brasil tem vivido em relativa
estabilidade macroeconômica, responsabilidade fiscal, inclusão social e racial,
diminuição de pobreza e desigualdade, combate à corrupção etc.
Considerando que todo sistema político tem
ganhos e perdas e que o modelo atual tem gerado estabilidade democrática de
forma sustentável e a custos relativamente baixos quando bem gerido, a pergunta
que fica é se vale a pena correr os riscos das incertezas do regime
semipresidencialista.
*Cientista político e
professor titular da escola brasileira de administração pública e
de empresas (FGV EBAPE)
Nenhum comentário:
Postar um comentário