segunda-feira, 9 de agosto de 2021

Sergio Lamucci -Risco fiscal e crise política afetam a retomada

Valor Econômico

Os ataques de Bolsonaro à democracia e a sanha populista do governo poderão comprometer uma recuperação mais firme da economia

As perspectivas para a recuperação da economia brasileira começam a se nublar novamente, com as incertezas causadas pela piora do risco fiscal e pela crise institucional provocada pelos ataques diários do presidente Jair Bolsonaro ao sistema de votação do país e a ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). Num quadro de avanço da vacinação e de relaxamento progressivo das medidas de restrição à mobilidade social, a avaliação predominante era de uma atividade econômica mais firme nos próximos meses. Havia também a expectativa de um câmbio mais valorizado, com a possibilidade de que o dólar ficasse na casa de R$ 5 ou menos, contribuindo para atenuar pressões inflacionárias, num momento de preços de commodities elevados.

Esse cenário mais positivo, porém, está em xeque, refletindo-se num câmbio um pouco mais desvalorizado e em juros futuros mais altos. Isso piora as condições financeiras, o que tem potencial para afetar a retomada da atividade. A melhora na percepção da trajetória das contas públicas, devido à revisão nas projeções para a dívida bruta, é em parte ofuscada pela deterioração do ambiente fiscal. O governo escancara a intenção de expandir com força os gastos em 2022, defendendo manobras como o parcelamento de precatórios para garantir um aumento mais expressivo para o Bolsa Família, por exemplo.

Para completar, o espaço no orçamento para o ano que vem deve ser menor do que se pensava há alguns meses, como diz o economista Armando Castelar, coordenador de economia aplicada do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre). O ponto é que a diferença entre o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Ampliado (IPCA) acumulado em 12 meses até junho, que corrige o teto de gastos, e o Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC) até dezembro, que reajusta despesas como aposentadorias, será menor do que se estimava. O IPCA nos 12 meses até junho ficou em 8,35%, enquanto o INPC neste ano pode superar 7% - até há algum tempo, a expectativa era de um INPC de 6,5% ou menos. Com isso, a folga no teto de gastos para novas despesas deverá ser mais modesta do que parecia há poucos meses.

A ideia de parcelar os gastos com precatórios e eventualmente tirá-los do teto é um mau caminho, diz Castelar, observando que isso abre a porta para que outras despesas sejam tratadas do mesmo modo. Há o risco de enfraquecimento do teto como âncora para a política fiscal, avalia ele.

Esse conjunto de fatores elevou o risco fiscal, embora a situação seja vista como menos dramática no curto prazo por causa da melhora nas projeções para a trajetória da dívida bruta. Na virada do ano, as estimativas apontavam para um endividamento bruto na casa de 95% a 100% do PIB no fim deste ano. A inflação mais alta elevou o PIB em termos nominais e contribuiu para aumentar a arrecadação de impostos, colaborando para previsões mais favoráveis, na casa de 82% do PIB. A aposta num crescimento da economia superior a 5% neste ano também ajuda. Os acontecimentos recentes, contudo, jogam na outra direção, e declarações como a do ministro da Economia, Paulo Guedes, sobre os precatórios - “Devo, não nego; pagarei assim que puder” - só pioram a situação.

O risco político é outro obstáculo à retomada da economia. Bolsonaro passa os dias atacando sem nenhuma prova as urnas eletrônicas e os ministros do STF, indicando que não pretende aceitar uma eventual derrota nas eleições de 2022. Essa crise institucional provocada pelo presidente eleva a incerteza, um fator negativo em especial para o investimento. Quem é mais avesso ao risco tende a esperar a eleição para ver como a situação se resolve, nota Castelar. O resultado tende a ser o adiamento de projetos de investimento por parte do setor privado.

Além disso, é mais um fator que pode afastar parte dos investidores estrangeiros do país, segundo ele. Castelar lembra que o Brasil já é malvisto no exterior por fatores como o impacto da pandemia, que provocou um número elevado de mortes no país, e pela política ambiental. “Esse debate institucional também pesa.”

Castelar afirma que havia uma expectativa de que 2022 seria agitado do ponto de vista político, o que tenderia a fazer o risco país e os juros futuros subirem e o câmbio a se desvalorizar a partir do meio do ano que vem, embora com menos intensidade do que nas eleições de 2002. “Num certo sentido, isso está sendo antecipado.”

A crise institucional causada por Bolsonaro começou enfim a bater no mercado, sendo mais um motivo a pressionar o câmbio. Com contas externas sólidas, especialmente devido às exportações de commodities, e juros em alta, o dólar deveria estar mais barato, num nível inferior a R$ 5. Isso ajudaria a empurrar a inflação para baixo, num cenário em que há pressões disseminadas sobre os preços. Mas, se ainda não ficou perto de R$ 5,80, como ocorreu em março, a moeda americana fechou a semana passada em R$ 5,2355. Com o risco fiscal e o político em alta, o câmbio não deverá auxiliar a conter a inflação, dificultando a tarefa do Banco Central (BC) de levar o IPCA de volta para a trajetória das metas, de 3,75% neste ano e 3,5% no ano que vem. Juros mais elevados por mais tempo terão efeito negativo sobre a atividade econômica, afetando especialmente o desempenho do PIB em 2022.

Os ataques de Bolsonaro à democracia e a sanha populista do governo em adotar medidas pouco ortodoxas para aumentar gastos poderão comprometer a recuperação mais firme da economia que se esperava para os próximos meses. Em manifesto divulgado na semana passada, um grupo de economistas, empresários, banqueiros, intelectuais e outros representantes da sociedade civil defendeu enfaticamente o sistema eletrônico de votação e pediu que as eleições sejam respeitadas. Bolsonaro não dá sinais de recuo. No sábado, falou mais uma vez a favor do voto impresso e criticou os ministros do STF. Num país com 14,8 milhões de desempregados e uma inflação superior a 8% em 12 meses, a atitude antidemocrática do presidente pode retardar ainda mais a melhora do mercado de trabalho e a desaceleração dos índices de preços.

 

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