Valor Econômico
Os ataques de Bolsonaro à democracia e a
sanha populista do governo poderão comprometer uma recuperação mais firme da
economia
As perspectivas para a recuperação da
economia brasileira começam a se nublar novamente, com as incertezas causadas
pela piora do risco fiscal e pela crise institucional provocada pelos ataques
diários do presidente Jair Bolsonaro ao sistema de votação do país e a
ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). Num quadro de avanço da vacinação
e de relaxamento progressivo das medidas de restrição à mobilidade social, a
avaliação predominante era de uma atividade econômica mais firme nos próximos
meses. Havia também a expectativa de um câmbio mais valorizado, com a
possibilidade de que o dólar ficasse na casa de R$ 5 ou menos, contribuindo
para atenuar pressões inflacionárias, num momento de preços de commodities
elevados.
Esse cenário mais positivo, porém, está em
xeque, refletindo-se num câmbio um pouco mais desvalorizado e em juros futuros
mais altos. Isso piora as condições financeiras, o que tem potencial para
afetar a retomada da atividade. A melhora na percepção da trajetória das contas
públicas, devido à revisão nas projeções para a dívida bruta, é em parte
ofuscada pela deterioração do ambiente fiscal. O governo escancara a intenção
de expandir com força os gastos em 2022, defendendo manobras como o
parcelamento de precatórios para garantir um aumento mais expressivo para o
Bolsa Família, por exemplo.
Para completar, o espaço no orçamento para o ano que vem deve ser menor do que se pensava há alguns meses, como diz o economista Armando Castelar, coordenador de economia aplicada do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre). O ponto é que a diferença entre o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Ampliado (IPCA) acumulado em 12 meses até junho, que corrige o teto de gastos, e o Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC) até dezembro, que reajusta despesas como aposentadorias, será menor do que se estimava. O IPCA nos 12 meses até junho ficou em 8,35%, enquanto o INPC neste ano pode superar 7% - até há algum tempo, a expectativa era de um INPC de 6,5% ou menos. Com isso, a folga no teto de gastos para novas despesas deverá ser mais modesta do que parecia há poucos meses.
A ideia de parcelar os gastos com
precatórios e eventualmente tirá-los do teto é um mau caminho, diz Castelar,
observando que isso abre a porta para que outras despesas sejam tratadas do
mesmo modo. Há o risco de enfraquecimento do teto como âncora para a política
fiscal, avalia ele.
Esse conjunto de fatores elevou o risco
fiscal, embora a situação seja vista como menos dramática no curto prazo por
causa da melhora nas projeções para a trajetória da dívida bruta. Na virada do
ano, as estimativas apontavam para um endividamento bruto na casa de 95% a 100%
do PIB no fim deste ano. A inflação mais alta elevou o PIB em termos nominais e
contribuiu para aumentar a arrecadação de impostos, colaborando para previsões
mais favoráveis, na casa de 82% do PIB. A aposta num crescimento da economia
superior a 5% neste ano também ajuda. Os acontecimentos recentes, contudo, jogam
na outra direção, e declarações como a do ministro da Economia, Paulo Guedes,
sobre os precatórios - “Devo, não nego; pagarei assim que puder” - só pioram a
situação.
O risco político é outro obstáculo à
retomada da economia. Bolsonaro passa os dias atacando sem nenhuma prova as
urnas eletrônicas e os ministros do STF, indicando que não pretende aceitar uma
eventual derrota nas eleições de 2022. Essa crise institucional provocada pelo
presidente eleva a incerteza, um fator negativo em especial para o investimento.
Quem é mais avesso ao risco tende a esperar a eleição para ver como a situação
se resolve, nota Castelar. O resultado tende a ser o adiamento de projetos de
investimento por parte do setor privado.
Além disso, é mais um fator que pode
afastar parte dos investidores estrangeiros do país, segundo ele. Castelar
lembra que o Brasil já é malvisto no exterior por fatores como o impacto da
pandemia, que provocou um número elevado de mortes no país, e pela política
ambiental. “Esse debate institucional também pesa.”
Castelar afirma que havia uma expectativa
de que 2022 seria agitado do ponto de vista político, o que tenderia a fazer o
risco país e os juros futuros subirem e o câmbio a se desvalorizar a partir do
meio do ano que vem, embora com menos intensidade do que nas eleições de 2002.
“Num certo sentido, isso está sendo antecipado.”
A crise institucional causada por Bolsonaro
começou enfim a bater no mercado, sendo mais um motivo a pressionar o câmbio.
Com contas externas sólidas, especialmente devido às exportações de
commodities, e juros em alta, o dólar deveria estar mais barato, num nível
inferior a R$ 5. Isso ajudaria a empurrar a inflação para baixo, num cenário em
que há pressões disseminadas sobre os preços. Mas, se ainda não ficou perto de R$
5,80, como ocorreu em março, a moeda americana fechou a semana passada em R$
5,2355. Com o risco fiscal e o político em alta, o câmbio não deverá auxiliar a
conter a inflação, dificultando a tarefa do Banco Central (BC) de levar o IPCA
de volta para a trajetória das metas, de 3,75% neste ano e 3,5% no ano que vem.
Juros mais elevados por mais tempo terão efeito negativo sobre a atividade
econômica, afetando especialmente o desempenho do PIB em 2022.
Os ataques de Bolsonaro à democracia e a
sanha populista do governo em adotar medidas pouco ortodoxas para aumentar
gastos poderão comprometer a recuperação mais firme da economia que se esperava
para os próximos meses. Em manifesto divulgado na semana passada, um grupo de
economistas, empresários, banqueiros, intelectuais e outros representantes da
sociedade civil defendeu enfaticamente o sistema eletrônico de votação e pediu
que as eleições sejam respeitadas. Bolsonaro não dá sinais de recuo. No sábado,
falou mais uma vez a favor do voto impresso e criticou os ministros do STF. Num
país com 14,8 milhões de desempregados e uma inflação superior a 8% em 12
meses, a atitude antidemocrática do presidente pode retardar ainda mais a
melhora do mercado de trabalho e a desaceleração dos índices de preços.
Nenhum comentário:
Postar um comentário