Valor Econômico
Existe relação entre Olimpíadas e
desenvolvimento econômico
Os 21 pódios conquistados pela delegação
brasileira nas Olímpiadas de Tóquio estão sendo celebrados como um grande feito
do país. Além do recorde de conquistas numa única edição, as sete medalhas de
ouro, seis de prata e oito de bronze colocaram o país na 12ª colocação geral -
nosso melhor resultado na história, um posto à frente do alcançado no Rio em
2016. O resultado, porém, não surpreende. E isso não tem nada a ver com mérito
desportivo.
Em agosto de 2000, às vésperas dos Jogos
Olímpicos de Sidney, os professores Andrew Bernard e Meghan Busse, então
vinculados ao Dartmouth College e à UC Berkeley, distribuíram entre colegas um
trabalho acadêmico prevendo o desempenho de cada país na competição. Longe de
serem especialistas e fanáticos em esporte que acompanham os campeonatos
mundiais e conhecem os melhores em cada modalidade, a dupla de economistas
construiu seus prognósticos com base em indicadores socioeconômicos.
Embora a ideia original do Barão de Coubertin ao lançar as Olimpíadas modernas fosse premiar os melhores atletas, independentemente de sua nacionalidade, o maior festival esportivo do planeta sempre foi encarado como uma competição entre países. Assim, desde a década de 1950 pesquisas vêm sendo realizadas para explicar por que algumas nações se saem melhor do que outras. E o estudo econométrico realizado por Bernard e Busse é destacado até hoje pelo seu grande potencial preditivo.
A primeira variável que os pesquisadores
levaram em conta foi o tamanho da população. Supondo que talentos estão
distribuídos de modo uniforme na raça humana, é de se esperar que Estados mais
populosos tenham mais atletas fora de série, simplesmente pelo fato de
possuírem mais gente em seus territórios. Mas sabemos que não é bem assim:
Índia, Indonésia e Paquistão, que juntos possuem quase 2 bilhões de habitantes,
conquistaram apenas 12 medalhas em Tóquio - 7 indianas, 5 indonésias e nenhuma
paquistanesa.
Para se gerar um campeão não basta talento;
é preciso treino. E para além do “sangue, suor e lágrimas” derramados por
Rebeca, Alison, Bia e Isaquias, necessita-se de ginásios, quadras e piscinas,
assim como treinadores especializados, fisioterapeutas e nutricionistas.
Soma-se a isso toda uma logística de deslocamentos e hospedagem para a
aquisição de experiência em torneios nacionais e internacionais.
Colocando na ponta do lápis todos esses
investimentos, um medalhista olímpico se faz também com muito dinheiro. Assim,
da mesma forma que os modelos clássicos da teoria econômica estimam a produção
como função das quantidades de trabalho e capital, Bernard e Busse construíram
seu modelo de desempenho olímpico como derivado da população e do PIB per
capita como aproximações para a soma de competência esportiva e disponibilidade
de recursos. Mas ainda não é tudo.
Para os autores, o conteúdo político também
é importante para determinar as posições no ranking no torneio global. Desde os
tempos da Grécia Antiga, as Olimpíadas são uma demonstração de força, e não
apenas atlética. A maioria dos países busca fabricar campeões como uma forma de
se promover internacionalmente ou para demonstrar sua força geopolítica.
Hitler quis fazer da edição de Berlim em
1936 uma exibição do poderio germânico, assim como americanos e soviéticos
transpuseram para as pistas e piscinas seu conflito ideológico na Guerra Fria -
a ponto de boicotarem-se mutuamente em Moscou (1980) e Los Angeles (1984). E
assim como a China se preparou para impressionar o mundo em 2008, até o Brasil
tentou fazer, na Rio 2016, uma celebração dos tempos em que o Cristo Redentor
decolava na capa da Economist.
O modelo de Andrew Bernard e Meghan Busse,
portanto, foi adicionado com variáveis que captavam essa dimensão política,
constatando que ter sido sede dos Jogos ou ter um passado socialista aumenta as
chances de receber medalhas. Para completar, como o retorno do investimento no
esporte vai além do ciclo olímpico de quatro anos, os pesquisadores incluíram
um componente de defasagem na sua regressão.
O resultado final foi bastante
satisfatório. Nas Olimpíadas de Sidney, os autores conseguiram prever, com um
coeficiente de determinação de 96%, a performance de 35 países que haviam
conseguido pelo menos 5 medalhas totais na edição anterior, em Atlanta.
Desde então, o modelo de Bernard e Busse
vem sendo aprimorado com ajustes importantes. Johnson e Ali (2004) chamaram a
atenção para o fato de que países muçulmanos, por não valorizarem as mulheres,
ganham menos medalhas por terem um desempenho pífio nas provas femininas.
Scelles e outros (2020) destacam que alguns países se especializaram em
determinadas categorias - como a Jamaica com os velocistas e o Quênia com
fundistas - e isso lhes confere um resultado superior ao que seus pesos
populacional e econômico fariam supor.
Levando em conta todos esses fatores, o
jornal britânico Financial Times estimou que as equipes brasileiras voltariam
para casa com 20 medalhas neste ano. Conseguimos uma a mais - o que está dentro
da margem de erro.
Esses experimentos econométricos para
prever medalhas ilustram bem os caminhos que podemos adotar para irmos cada vez
mais rápido, mais alto e mais forte (“Citius, Altius, Fortius”, o lema
olímpico) no esporte.
Uma estratégia é investir nos campeões
nacionais, concentrando todo o nosso esforço naqueles atletas que se apresentam
como tendo maiores chances de títulos no futuro. Tende a dar bons resultados,
mas eles em geral são concentrados e efêmeros.
O outro caminho é o foco nas pessoas e na
economia. Melhorar a educação, a inclusão e a diversidade; estimular a parceria
entre os setores público e privado para estimular o investimento, o crescimento
e o emprego - construir um país que promova talentos e gere oportunidades para
todos é muito mais complexo e trabalhoso do que conseguir mais medalhas nas
Olimpíadas.
A grande vantagem é que, além de novos
campeões no esporte, teremos também mais e melhores cientistas, engenheiros,
médicos - enfim, mais cidadania e dignidade no alto do pódio.
*Bruno Carazza é mestre em economia, doutor em direito e autor de “Dinheiro, Eleições e Poder: as engrenagens do sistema político brasileiro”.
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