O Globo
Atordoar e intimidar o inimigo é uma das
táticas necessárias à guerra. A linguagem militar já nos atravessa, e a lógica
rasteira da caserna avança sobre a cultura. Mas, na política, ver adversário
como inimigo é um inquietante sinal. E a confusão produzida por Bolsonaro
parece proposital: visa a não identificar sua estratégia —ou a falta dela. Nem
é possível distingui-la de um caráter perturbado. Talvez nem ele saiba exatamente
como agir para alcançar o desejo de um poder absoluto e vazio.
O ultraje sofrido pela maioria dos brasileiros com essa trama macabra justifica a criação de um novo mote: “Bolsonaro nunca mais”. O sono da democracia produziu um monstro. É preciso acordar do pesadelo e começar a pensar em 2023, na reconstrução do nosso orgulho abatido, na renovação da esperança e da alegria, na crença real num futuro suave. É preciso dar emprego e melhorar a renda. Reabilitar o Estado e dar-lhe condições de voltar a investir.
Precisamos não falar de Bolsonaro. Nunca
mais, porém, ele ainda nos enlaça em contradições. Se baixarmos a guarda,
ficamos expostos às suas falácias e tramas diabólicas. Indefesos diante de seu
caráter ardiloso e do gabinete do ódio. Ingênuos ante ensandecidos generais
palacianos —sem falar do enigma sobre o que realmente pensam e planejam as
Forças Armadas.
Na boa: o que significa quando o bondoso
capitão chega ao extremo de precisar dizer que não dará um golpe? Que ele
enuncia uma freudiana denegação? Um compromisso real — ou mais uma trapaça? Ele
não é para amadores: o paranoico nos converte a todos em paranoicos.
O “tempero do extremismo” foi identificado
pelo professor João Castro da Rocha como condição para Bolsonaro manter as
tolas massas digitais em mobilização permanente. Mas o paradoxo disso é que a
heroica resistência brasileira, ao repudiar o fanatismo medíocre da extrema
direita, escancarou o projeto golpista: há incoerência e incompetência em o
capitão privilegiar um séquito cada vez menor, em vez de ampliar seu apoio
visando às eleições. Ministros do Supremo deram um basta. Ao que parece, comandantes
militares vetaram o golpe e exigiram que o impulsivo Bolsonaro negasse o apoio
deles. Meia-volta, ainda vou ver.
Nesse contexto, onde se situa o ministro da
Economia neoliberal? Sabe-se que esta política econômica — de verdade, bem
ultrapassada — se ancora no investimento privado, na arrumação das contas
públicas para incentivá-lo e na diminuição do Estado. Mas Bolsonaro, de novo,
não consegue coerência: com estilo delinquente, assusta investidores nacionais
e estrangeiros — aumentando a desconfiança causada por sua gestão da pandemia e
da defesa ambiental.
Com isso, o Estado falido não investe e
ainda atrapalha! Assim, Bolsonaro, paradoxalmente, joga ativamente contra si e
a política de seu ministro. Não sabemos como e por que Paulo Guedes ainda se
mantém no cargo, manchando a biografia. A suspeita procede: pode haver método,
desígnio e beneficiários nas linhas subterrâneas dessa loucura devastadora.
*Psicanalista
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