O Globo
Foi uma experiência excruciante assistir ao
depoimento da advogada Bruna Morato à CPI da Covid. Dolorida, incômoda,
nauseante. Não tenho parentes segurados pela operadora Prevent Senior e até
aqui tive a sorte, rara no Brasil do biênio 2020-2021, de não ter perdido
familiares próximos para o novo coronavírus. Assim, não consigo imaginar a dor
de pessoas que estejam nessas situações e tenham assistido ao relato do horror
sem antessala.
Bruna representa um grupo de ex-médicos da
Prevent que assinou a denúncia de um leque inenarrável de irregularidades
cometidas pela operadora e a encaminhou ao Ministério Público e à CPI.
Provavelmente, caberá ao primeiro esmiuçar esse caso a fundo e imputar crimes,
caso eles sejam comprovados.
Mas a CPI encontrou, nos experimentos e nas práticas denunciados pelos médicos e pela advogada, a materialidade que ainda lhe faltava para as muitas evidências de que houve um conluio entre o governo e a Prevent, diante do qual a agência reguladora dos planos de saúde e os conselhos de medicina foram absolutamente omissos, se não cúmplices, para empurrar literalmente goela abaixo de pacientes um tratamento para Covid-19 sabidamente ineficaz e propagandeá-lo publicamente como forma de desencorajar as pessoas de seguir os protocolos sanitários e a necessidade de distanciamento social ou até de lockdown.
O gabinete paralelo, que a princípio
poderia parecer uma abstração criada pelos senadores para designar um conjunto
de médicos, parlamentares e assessores não médicos que passaram a aconselhar
Jair Bolsonaro em substituição ao Ministério da Saúde, ganhou nomes e
sobrenomes no relato da advogada, que até apontou os meandros políticos que a
Prevent percorreu para ganhar o coração e a mente de um presidente empenhado em
boicotar de todas as formas possíveis o enfrentamento ao vírus.
O resultado desse conluio macabro ainda
está por ser desnudado. Diante das acusações de fraudes em prontuários e
atestados de óbito, coações explícitas a funcionários e tapeação de pacientes e
familiares, o buraco de mortes e sequelas deixadas pela promoção irresponsável
do tal kit Covid pode ser bem mais fundo do que o que se sabe até aqui.
É inominável a natureza do que se
descortina no caso Prevent Senior. Caso se comprovem todas as acusações, que
são amparadas em evidências robustas, com farta documentação e relatos cada vez
mais frequentes de segurados, o que se cometeu foram crimes em série contra a
saúde pública e a vida de pacientes atraídos por um plano justamente por um dos
fatores de risco da pandemia: a idade avançada ou a existência de comorbidades
não atendidas por outras empresas.
É urgente que, além do Ministério Público e
da CPI, o CFM, os CRMs e a Agência Nacional de Saúde Suplementar se manifestem
sobre o conjunto de acusações gravíssimas feitas até aqui.
Também é eloquente e inaceitável o silêncio
do antes falastrão Bolsonaro, que adorava evocar a Prevent e o malfadado kit,
ao lado de figuras carimbadas do negacionismo pandêmico, como o também agora
discreto deputado Osmar Terra, para desacreditar a necessidade de as pessoas se
resguardarem, desautorizar o Supremo Tribunal Federal, governadores e prefeitos
e até admoestar as coitadas das emas do Alvorada.
Esse comportamento do presidente na
pandemia não pode ser subitamente esquecido, assim como seus avanços contra a
democracia institucional, perdoados na esteira de uma declaração à nação que só
foi assinada quando ele viu que não teria amparo para o golpe que articulou.
A CPI tratará de imputar a Bolsonaro e a
seu gabinete da morte as responsabilidades pela nossa tragédia na pandemia.
Esta que está na iminência de nos levar à marca de 600 mil mortes e foi
descortinada diante do país nesta terça-feira horripilante.
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