EDITORIAIS
A dilapidação do Orçamento
O Estado de S. Paulo
Enquanto o Legislativo não cria regras de transparência para as emendas de relator, é urgente que órgãos de controle se debrucem sobre essas destinações
A Câmara dos Deputados organizou, no dia 23
de setembro, um debate com especialistas em gestão e direito público sobre
os Impactos
das Emendas de Relator no Orçamento Federal. Sintomaticamente, o debate foi
promovido não pela Comissão do Orçamento, mas pela Frente Ética Contra a
Corrupção. “Eu vejo uma corrupção sistêmica orquestrada por dois Poderes para
fraudar o Orçamento público”, denunciou o professor de Direito Financeiro
Heleno Taveira Torres. “É uma espécie de mensalão por dentro. A diferença é de
meios: o que antes era feito com recursos estranhos ao Orçamento agora está
sendo feito por dentro do Orçamento. O resultado é o mesmo: a compra de apoio
de base parlamentar.”
Como apontou o diretor da Instituição Fiscal Independente, Felipe Salto, “o Orçamento público deveria ser o ápice do processo democrático, porque se trata de discutir a melhor alocação de recursos”. Com vistas à colaboração entre os Poderes eleitos para esse processo, a Constituição previu a possibilidade de emendas parlamentares na proposta orçamentária anual encaminhada pelo Executivo ao Congresso. Por meio delas, os parlamentares e suas bancadas poderiam orientar os recursos às necessidades da população.
Nos últimos anos, contudo, esse propósito
tem sido desvirtuado, e as emendas se tornaram moeda de troca do Executivo para
a cooptação de bases parlamentares artificiais. Desde 2015, as emendas passaram
a ser obrigatórias e sua cota no Orçamento aumentou – chegando a 15% das
despesas não obrigatórias da União e 51% de seus investimentos –, enquanto os
critérios de alocação e mecanismos de transparência eram desmontados.
Além das emendas individuais e das bancadas
estaduais, a legislação previu emendas que poderiam ser apresentadas pelo
relator-geral do Orçamento para realizar ajustes técnicos. Mas, desde 2019, a
cota do relator foi anabolizada, e hoje, dos R$ 34 bilhões reservados às
emendas, metade é do relator. Como a legislação não previu critérios técnicos
de vinculação desses recursos, como no caso das emendas individuais e de
bancada, cria-se na prática um orçamento paralelo sob a égide do Executivo e em
poder do relator.
Como apontou Gil Castello Branco, da ONG
Contas Abertas, esse modo de utilização das emendas é inconstitucional, por
ferir os princípios da impessoalidade, moralidade e publicidade, e distorce as
políticas públicas, por servir a interesses paroquiais dos parlamentares antes
que ao interesse público.
Em maio, o Estado revelou que
pelo menos R$ 3 bilhões das emendas de relator foram distribuídos sem qualquer
procedimento de monitoramento ou critério de alocação, em projetos de diversos
Ministérios selecionados por congressistas da base aliada.
Para dar uma ideia da arbitrariedade dessas
alocações, o município cearense de Tauá, sob o comando da mãe do relator-geral
do Orçamento de 2019, Domingos Neto (PSD-CE), foi brindado em 2020 com R$ 146
milhões, uma média de R$ 2,4 mil por habitante, enquanto o valor per capita
para a capital, Fortaleza, foi de R$ 77,8. Só em dezembro de 2020 e só no
Ministério do Desenvolvimento Regional (MDR), o ex-presidente do Senado Davi
Alcolumbre (DEM-AP) foi contemplado com R$ 277 milhões – 17 vezes mais que a
média das emendas individuais de cada parlamentar. O ministro Rogério Marinho,
por sua vez, destinou R$ 1,4 milhão à obra de um mirante turístico a 300 metros
de um terreno de sua propriedade. Segundo a Controladoria-Geral da União, em
pelo menos 115 convênios do MDR o risco de sobrepreço foi considerado alto ou
extremo.
“Tudo projeta para 2022 uma trajetória
ainda mais dramática de propensão a manejar a máquina pública para atender no
curto prazo eleitoral os governantes e quem se aproxima mais do Executivo”,
disse a procuradora de Contas Élida Graziane.
Enquanto o Legislativo não cria regras de
transparência e critérios de alocação para as emendas de relator, é urgente que
os órgãos de controle se debrucem sobre essas destinações e que o Supremo
Tribunal Federal avalie a compatibilidade dessas emendas com a Constituição.
A ameaça dos juros
O Estado de S. Paulo
Para frear a inflação, o BC promete novos e fortes apertos na política de crédito
Dinheiro curto, crédito caro e empenho
total no combate à inflação, sem preocupação com o crescimento econômico, são
promessas do Banco Central (BC) para os próximos meses, talvez para a maior
parte de 2022. Pressionados por todos os lados – pelas cotações internacionais,
pela seca, pelos problemas de suprimento, pelo dólar e pela irresponsabilidade
do presidente da República –, os preços ao consumidor subiram 10% nos 12 meses
até setembro, sem dar, até agora, sinal de arrefecimento. O recado é claro: o Comitê
de Política Monetária (Copom) vai concentrar-se em sua missão principal, a
defesa do poder de compra da moeda, pondo de lado, por algum tempo, o cuidado
com o estímulo à atividade.
O recado essencial pode ser o mesmo, mas o
tom da mensagem ficou mais dramático. Ao anunciar, na semana passada, o aumento
dos juros básicos para 6,25%, o comitê indicou, como rumo, um avanço no
“território contracionista”. Postada seis dias depois, na última terça-feira, a
ata da reunião veio com acréscimo de um advérbio quase ameaçador. A ideia,
segundo a ata, é levar o ajuste a um patamar “significativamente
contracionista”, para conduzir a inflação às metas de 2022 e de 2023.
Pela última estimativa do mercado, os
preços ao consumidor subirão 8,45% neste ano, passando longe da meta de 3,75%.
A meta oficial para o próximo ano é de 3,5%, mas a alta de preços, pelas
últimas previsões, deve superar 4%. As estimativas do BC também apontam
inflação acima dos objetivos fixados pelas autoridades. Para 2023 o centro do
alvo é de 3,25%.
Já há quem aposte em juros básicos de 9% em
fevereiro. O número surgiu, nas avaliações do mercado, logo depois de conhecida
a ata. Até o começo da semana, as projeções do mercado indicavam juros de 8,25%
no fim de 2021 e de 8,5% no encerramento de 2023. Qualquer dessas estimativas
aponta condições de crédito muito desfavoráveis. As condições já são ruins. Em
agosto o total do crédito concedido foi 2% menor que em julho, refletindo
principalmente a redução de 3,4% nos financiamentos a pessoas jurídicas.
Com o aperto da política monetária, os
juros dos empréstimos negociados livremente, isto é, sem limitações legais,
chegaram a 29,9%, superando amplamente a média, já muito alta, de 25,5%
registrada em dezembro de 2020. Os novos dados do crédito foram divulgados na
última segunda-feira pelo BC. Entre o fim do ano passado e agosto deste ano, os
juros para o segmento corporativo subiram de 11,6% ao ano para 16,2%. O custo
dos empréstimos às famílias passou de 37,2% para 40,9%, limitando severamente a
expansão do consumo e agravando as condições dos consumidores já endividados.
Na contramão das avaliações do mercado, o
Copom mantém tom otimista ao citar a recuperação econômica já observada e as
perspectivas. O balanço do segundo trimestre e os últimos indicadores, segundo
a ata, mostram evolução positiva, sem afetar o “cenário prospectivo” de
“recuperação robusta” no segundo semestre. Parece um cenário estranho, quando
se consideram os dados já conhecidos e as projeções divulgadas a cada semana.
O Produto Interno Bruto (PIB) do segundo
trimestre foi 0,1% menor que o do primeiro. Atualmente, a indústria de
transformação, importante fonte de empregos formais, segue emperrada, embora o
consumo tenha crescido em julho. Mesmo com alguma melhora no terceiro
trimestre, o mercado de emprego deve ter continuado muito ruim – bem pior,
certamente, que na maior parte dos países emergentes e avançados.
Além disso, as projeções de atividade têm
piorado. O crescimento do PIB estimado para este ano caiu em poucas semanas de
5,3% para 5,04%, segundo a pesquisa Focus. Em um mês a expansão estimada para
2022 passou de 2% para 1,57%. Se o aperto monetário continuar e avançar em
território “significativamente contracionista”, como antecipa o Copom, até o
mísero avanço econômico estimado para 2022 poderá ser impossibilitado. Seguir
nesse rumo será um teste de sangue-frio para os membros do Copom – e de
resistência para os consumidores e empresários.
O centro se sustenta
O Estado de S. Paulo
O eleitor alemão manifestou seu desejo por estabilidade, mas também por renovação
As eleições na Alemanha foram inconclusivas
como nunca e equilibradas como sempre. Na corrida eleitoral, a liderança
oscilou entre o bloco de centro-direita da democracia cristã (CDU-CSU), a
centro-esquerda social-democrata (SPD) e os Verdes. Ao fim, revertendo anos de
declínio, o SPD terminou à frente, e terá a chance de formar um governo, em
princípio aliando-se aos Verdes e liberais. Mas as incongruências entre esses
partidos e a margem estreita sobre a democracia cristã da chanceler Angela
Merkel (25,7% contra 24,1%) não permitem descartar que o CDU seja chamado a
negociar ou mesmo que consiga virar o jogo e compor uma maioria. A definição
pode tomar meses.
Essa perspectiva complexa, por mais volúvel
que pareça na superfície, revela que no fundo o eleitor alemão deseja, a um
tempo, continuidade – mas sem estagnação – e renovação – mas sem ruptura.
Em favor da continuidade, os dois partidos
que formam a atual “grande coalizão” e dominaram a Alemanha no pós-guerra – o
mais antigo (SPD) e o maior e atual líder (CDU) – seguiram com mais votos. O
líder social-democrata, Olaf Scholz, é ministro das Finanças de Merkel e
vice-chanceler, o mais popular dos candidatos, e conduziu uma campanha
inteligente, em parte emulando o estilo prudente de Merkel, em parte
enfatizando políticas social-democratas freadas sob a liderança conservadora,
como o aumento do salário mínimo.
Por outro lado, a soma dos dois “partidos
do povo”, que no passado chegaram a concentrar 90% dos votos, caiu para menos
de 50%. Pela primeira vez desde os anos 50, o governo deverá ser composto por
uma coalizão de três partidos.
Em favor da renovação, as urnas revelam um
claro desgaste do bloco CDU-CSU. Em relação às eleições de 2017, que já haviam
sido um nadir para a democracia cristã, a queda foi de 8,8%. Armin Laschet, o
líder do CDU, fez uma campanha desprovida de paixão e ideias, apostando que a
promessa de continuidade da era Merkel bastaria para elegê-lo. O fracasso – o
maior da história do bloco – põe em risco sua orientação centrista, com o
previsível contra-ataque da ala conservadora, preterida na eleição pela
liderança do CDU.
O fiel da balança serão os liberais (FDP) –
que, com 11,5% dos votos, tiveram um ganho de 0,7% em relação ao último pleito
– e, sobretudo, os Verdes. Estes chegaram a liderar as pesquisas, e o resultado
final (14,8% dos votos) tem um gosto de frustração. Mas foi o melhor desempenho
de sua história, com um ganho de 5,8 pontos porcentuais sobre as últimas
eleições.
A primeira opção dos social-democratas será
aliar-se a ambos. As divergências entre os dois não são pequenas. Mas já antes
das eleições eles estavam em negociação, e se firmarem consensos terão em suas
mãos grandes alavancas no próximo governo, que terá de equilibrar os anseios
dos liberais por austeridade fiscal e os dos Verdes por investimentos na
descarbonização.
A desidratação dos grandes partidos e a
ascensão dos menores revelam o desejo por renovação. Mas sem rupturas. Tanto o
extremo à esquerda quanto o extremo à direita perderam votos. O semicomunista A
Esquerda seguiu sua trajetória de declínio, ficando com 4,9% (uma perda de 4,3
pontos porcentuais). A reacionária Alternativa para a Alemanha, que vinha em ascensão,
sobretudo após a crise dos refugiados, perdeu 2,3 pontos porcentuais, ficando
com 10,3%.
Em um período de erosão da democracia – ilustrado pela emergência dos nacionalismos nos EUA (Donald Trump) e Reino Unido (Brexit), por aventuras populistas na Itália ou pelas incertezas na França após o voto de confiança na agenda reformista de Emmanuel Macron –, a cultura política alemã dá sinais de vigor. A liderança seguirá nas mãos competentes de Angela Merkel até que se forme o novo governo, e, por incerto que seja esse processo, é um sinal de que os pulmões da democracia – a negociação e o consenso – prevaleceram sobre seus maiores patógenos – o autoritarismo e a segregação. A mensagem da principal economia e liderança europeia para o mundo (agudamente tempestiva para o Brasil) é que o centro não só pode se sustentar, mas se renovar.
Congresso abre novas brechas a pedaladas
fiscais
O Globo
Estão indo pelos ares, de modo sorrateiro,
os últimos resquícios de credibilidade financeira do Estado brasileiro. O
Congresso Nacional aprovou, para a Lei Orçamentária de 2022, um dispositivo que
institucionaliza a pedalada fiscal. Não deixa de ser irônico que a manobra se
destine a financiar o novo Auxílio Brasil, o programa social eleitoreiro do
presidente Jair Bolsonaro, no passado um crítico veemente do Bolsa Família e
das pedaladas que levaram ao impeachment de Dilma Rousseff. Outra manobra em
curso é romper o teto de gastos para poder pagar dívidas judiciais.
Podem parecer acomodações inofensivas
diante da realidade jurídica. Lá na frente, argumentam os governistas, as
contas se equilibrarão. Mas que ninguém se engane: o Congresso está implodindo
dois dos pilares que ainda sustentam a saúde das contas públicas, o teto de
gastos e a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). O terceiro — a “regra de ouro”
que proíbe contrair dívida para pagar despesas correntes — já caiu faz tempo
(ela vem sendo desrespeitada há três anos pela emissão recorrente de créditos
extraordinários).
Um dos dispositivos críticos da LRF
determina que não sejam criadas despesas permanentes no Orçamento sem receitas
correspondentes. Como não existe receita correspondente aos R$ 60 bilhões
necessários para pagar o Auxílio Brasil, os congressistas se saíram com uma
solução engenhosa: usaram receitas fictícias. Autorizaram, no caso de programas
destinados a combater a fome ou a pobreza, criar despesas desde que já estejam
em tramitação leis destinadas a fornecer as receitas, mesmo que ainda não
aprovadas. E se não forem? Bem, aí ninguém conta o que acontece.
A ideia da pedalada é que os recursos
venham da futura tributação sobre dividendos, recriada na reforma do Imposto de
Renda aprovada na Câmara. O texto dessa reforma é repleto de defeitos, agrava
as distorções do injusto sistema tributário brasileiro e certamente não
sobreviverá incólume no Senado. As mudanças foram propostas sem estudos
aprofundados, mas, pelas contas mais confiáveis, reduzirão a arrecadação. Nada
disso importa para os parlamentares. O que interessa é abrir a porteira para a
pedalada. Depois de aberta, o que mais passará?
A mesma pergunta pode ser feita sobre a
manobra para driblar o teto de gastos no pagamento das dívidas judiciais, os
precatórios. Não se sabe que formato terá mais essa pirueta contábil. Fala-se
em considerar dentro do teto apenas R$ 40 bilhões dos quase R$ 90 bilhões a
pagar. O resto não teria lastro. Abre-se a brecha para aumentar os gastos
públicos além da inflação, que na certa outros tentarão aproveitar. Como não
existe mágica, o dinheiro terá de vir de algum lugar.
É sintomático que o Congresso, tão cioso em
aumentar os gastos na hora do aperto, não demonstre o mesmo empenho na hora de
criar dispositivos que permitam controlar as despesas. A PEC Emergencial perdeu
os dentes com que poderia cortar salários e jornadas do funcionalismo em caso
de necessidade. O texto da reforma administrativa poupa todos os funcionários
da ativa e deixa intocadas as categorias mais privilegiadas, juízes e
promotores. Desta vez, aparentemente, as contas só fecharão com a ajuda do mais
perverso, injusto e insidioso dos impostos: a inflação, cujo peso maior recai
justamente sobre o público-alvo do Auxílio Brasil, os mais pobres.
Leilões abrem caminho para sanar problemas
históricos no saneamento
O Globo
A exemplo da venda da Companhia Estadual de
Águas e Esgotos do Rio de Janeiro (Cedae), que arrecadou R$ 22,6 bilhões, têm
aumentado os leilões de concessões de saneamento em várias partes do país.
Estão previstos seis nos próximos meses. Dois em Alagoas, dois no Ceará, um em
Porto Alegre e outro no estado do Rio, do único dos quatro blocos da Cedae não
arrematado em abril, reunindo bairros da Zona Oeste da capital e 18 municípios.
O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) deverá iniciar
em breve a modelagem de ao menos outros cinco: dois na Paraíba, um em Sergipe,
um em Rondônia, outro em Minas Gerais.
A atualização do Marco Regulatório do
Saneamento Básico em 2020 facilitou a entrada de empresas privadas no setor e
terá um papel transformador para o país em duas frentes. A principal — e mais
óbvia — é tirar o Brasil da posição vexaminosa, ao lado de Honduras, Lesoto e
Nepal, na lista do Banco Mundial que classifica as nações pelo percentual da
população com acesso a serviços de saneamento. O Brasil, um país de renda
média, uma das dez maiores economias do mundo, deveria estar noutro patamar.
Calamidade é uma das melhores palavras para
descrever a situação dos 100 milhões de brasileiros sem acesso a coleta de
esgoto ou dos 35 milhões sem água tratada. Sem falar que metade do esgoto
recolhido no país não recebe tratamento, segundo dados do Instituto Trata
Brasil. Todo dia o Brasil lança na natureza o equivalente a 5.300 piscinas
olímpicas de esgoto não tratado. Proporcionar serviços de qualidade a uma
parcela maior da população trará benefícios na saúde e ajudará a reduzir danos
ambientais.
O segundo benefício dos leilões de
saneamento, se forem bem feitos, vai além do setor. No Brasil, é comum em
alguns círculos ouvir que certos serviços não deveriam ser concedidos à
iniciativa privada. O bordão costuma ser “não pode haver lucro nessa
atividade”. A área do saneamento é didática para desarmar esse argumento.
Nas mãos de estados e prefeituras, uma
parcela considerável da população vive sem serviços considerados básicos em
qualquer sociedade civilizada. Companhias de saneamento estatais, com uma ou
outra exceção, costumam ser cabides de emprego e destaque apenas quando o
assunto é incompetência. Sem coragem de cobrar tarifas realistas, sem o menor
poder de investimento, sem a mínima capacidade gerencial, governadores e
prefeitos de diferentes matizes políticos condenam os mais pobres a continuar
sem água tratada e rede de esgoto.
Qualquer concessão à iniciativa privada,
principalmente as que envolvem atividades monopolísticas, deve ser feita com
todos os cuidados para evitar potenciais abusos. Se executadas corretamente,
são a melhor chance de tirar o Brasil do atraso não apenas no saneamento, mas em
várias outras áreas.
Consumo das famílias recua e põe em risco a
retomada
Valor Econômico
As projeções para a evolução do PIB no
próximo ano estão sendo cada vez mais reduzidas
No início do mês, o IBGE já havia informado
que o consumo das famílias estagnou no segundo trimestre e ficou 6% inferior ao
do fim de 2020. Agora, levantamento do Centro de Estudos de Mercados de
Capitais (Cemec), da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe) revela
que, em parte, isso ocorreu em consequência do aumento da poupança feita pelas
famílias como colchão de segurança. O objetivo é amortecer eventuais choques
causados pela segunda onda da pandemia, pelo aumento das incertezas na economia
e na política, pela alta da inflação e dos juros. Muitos desses fatores
continuarão presentes nos próximos meses, inibindo a demanda e dificultando a
retomada da economia.
Responsável por pouco mais de 60% do PIB
pelo lado da demanda, o consumo das famílias totalizou R$ 1,3 trilhão no
segundo trimestre em comparação com R$ 2,1 trilhões do PIB total do período a
preços de mercado. O consumo ficou no mesmo patamar do início do ano, quando
havia caído em consequência principalmente do fim do auxílio emergencial. A
retomada do benefício, em valor menor, não animou a demanda. Na comparação com
o quarto trimestre de 2019, antes da pandemia, o consumo está 3% menor.
Com base em dados do Banco Central (BC) e
de entidades do setor financeiro, o Cemec-Fipe calculou que a poupança
financeira das famílias totalizou R$ 117 bilhões no 2º trimestre, quase cinco
vezes mais do que os R$ 23,5 bilhões do 1º trimestre, acumulando R$ 473,4
bilhões desde o início de 2019. O estoque elevado é coerente com os dados das
Contas Nacionais, que mostram que a taxa de poupança atingiu recorde de 20,6%
do PIB.
A poupança financeira reunida pelas
famílias no segundo trimestre ficou abaixo dos R$ 171 bilhões do mesmo período
de 2020, quando chegou a um pico com a disseminação da primeira onda da
pandemia que tornou compulsório o isolamento social, inibiu gastos em
atividades como refeições fora do domicílio, viagens e lazer. Houve também o
impulso por poupar mais como precaução diante da incertezas da manutenção do
emprego e até da possibilidade de se ficar doente.
Várias dessas preocupações persistem e
algumas até ficaram mais agudas, inibindo o consumo e reforçando a poupança. A
inflação está em trajetória de alta, sustentada pela desvalorização do real,
que impulsiona a alta dos preços dos produtos importados, e pela maior demanda
internacional de bens como alimentos e minérios. A crise hídrica também é fator
de elevação dos preços. Para segurar a inflação, o BC está aumentando os juros,
o que encarece o crédito e estimula as aplicações financeiras. À incerteza
econômica se somou a insegurança política, provocada pelas ameaças do
presidente Jair Bolsonaro de mudar as regras do jogo. Como resultado, o Índice
de Confiança do Consumidor (ICC) da FV, caiu em setembro pelo segundo mês
consecutivo, voltando ao menor patamar desde abril (Valor 27/9)
Mas essa é apenas parte da história. As
famílias de mais baixa renda também são atingidas pelo cenário negativo, e de
modo mais contundente por não terem condições de fazer poupança financeira.
Embora o emprego tenha apresentado ligeira melhora, especialmente o informal, a
massa salarial não acompanha nem de perto a inflação. O rendimento médio dos
trabalhadores caiu 3% em termos reais no segundo trimestre, comparado ao
primeiro trimestre, e recuou 6,6% sobre o mesmo período em 2020. Como a
inflação está sendo puxada por itens como alimentos, gás e energia elétrica,
penaliza mais a baixa renda. Nos 12 meses até agosto, o IPCA acumulou alta de
9,68%. Para as famílias de renda muito baixa, porém, a inflação em 12 meses
chegou a 10,63%, nos cálculos do Ipea.
Ainda não se sabe como será financiado o
Auxílio Brasil, programa que dará continuidade ao Bolsa Família. Os juros em
alta para combater a inflação trazem como efeito colateral o encarecimento do
crédito e complicam a situação da elevada parcela de endividados. Quase 73% das
famílias tinham alguma dívida em agosto, segundo pesquisa da Confederação
Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC).
Nos dois casos, na alta e na baixa renda o consumo acaba se retraindo, inibindo a recuperação. Esperava-se que o avanço da vacinação favorecesse a reabertura das atividades, animando a economia. Pode até haver alguma expansão no último trimestre, mas já não se prevê que 2022 será auspicioso. As projeções para a evolução do PIB no próximo ano estão sendo cada vez mais reduzidas, da mesma forma com o que acontece com as estimativas para o consumo das famílias.
Política do tumulto
Folha de S. Paulo
Sem boas opções ante a realidade do
mercado, Bolsonaro desgasta a Petrobras
Jair Bolsonaro tem uma política própria
para a Petrobras e os combustíveis: de tempos em tempos, reclama dos preços
altos ou insinua uma intervenção na empresa; pouco depois, recua das bravatas,
como se apenas tivesse se excedido, e afirma de modo inconvincente que
respeitará as regras do jogo.
A síntese desse vaivém é a
irresponsabilidade. Como de costume, o presidente faz parecer que está de mãos
atadas —e posa de inconformado perante seus seguidores.
Tal estratégia canhestra não se conduz sem
danos institucionais, não raro com efeitos econômicos. Bolsonaro coloca em
dúvida a autonomia da direção da Petrobras e ameaça a continuidade do sistema
de preços. Assim, lança descrédito sobre a companhia, que perde valor de
mercado e vê crescer seus custos de financiamento.
Dados os riscos do intervencionismo e o
peso da gigante estatal, os faniquitos do Planalto acabam por degradar as
condições financeiras do mercado como um todo. Para piorar, a demagogia conta
com o apoio do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), o garantidor do
mandato presidencial.
Após tantas investidas sem outra
consequência além do tumulto especulativo, resta saber se Bolsonaro ainda
convence sua audiência.
Por ocasião dos mil dias passados desde a
sua posse, o chefe de Estado mais uma vez arengou sobre combustíveis. Horas
depois, a direção da Petrobras reafirmou que continuaria a fixar seus
preços de
acordo com flutuações do valor do barril de petróleo e da taxa de câmbio.
No dia seguinte, reajustou o preço do diesel.
Mais reajustes virão —há escassez no
mercado global de energia. Bolsonaro apelará a mais ameaças nebulosas ou vai
tomar alguma providência para atenuar os impactos sobre a população?
Noticia-se que está nos planos do governo a
criação de um fundo que financie um subsídio para o consumidor nos momentos de
alta mundial do petróleo —e que receberia recursos de volta em caso de queda de
preços internacionais.
Um mecanismo do tipo, tal como a Cide,
apenas é capaz de atenuar variações, não o patamar de preços. Não será uma
solução que agradará a seguidores acostumados à promessa de soluções mágicas do
bolsonarismo.
A questão, no entanto, tem implicações
eleitorais; no limite, pode suscitar greves de caminhoneiros. Bolsonaro está
emparedado entre seus impulsos populistas e a realidade inescapável de mercado.
Como sua gestão carece de ideias e
articulação, restam as opções de uma providência tardia e de baixo impacto,
como o tal fundo, e algum tipo de represamento de preços que prejudicaria a
Petrobras ou o Tesouro —e o contribuinte.
Desleixo cruel
Folha de S. Paulo
Escassez de remédios para o tratamento de
câncer revela incúria no Orçamento
Desde 20 de setembro, pacientes com câncer
e outras enfermidades também sofrem com a escassez
de radiofármacos essenciais
para tratamento e diagnóstico. A situação tem feito com que hospitais adiem ou
cancelem procedimentos que utilizam esses produtos.
Tão deplorável quanto evitável, o
transtorno ocorre após o principal fabricante nacional das substâncias, o
Instituto de Pesquisa Energética e Nuclear (Ipen), órgão vinculado ao
Ministério da Ciência e Tecnologia, interromper sua produção por falta de
verbas.
Base da chamada medicina nuclear, os
radiofármacos utilizam pequenas quantidades de materiais radioativos em sua
composição, como o lutécio-177, aplicado contra tumores neuroendócrinos, e o
iodo radioativo, usado contra câncer de tireoide. Esses são dois dos insumos
que deixaram de ser fornecidos pelo Ipen.
Além dos pacientes oncológicos, são
beneficiários das substâncias pessoas com problemas cardíacos e, em menor
medida, os acometidos por demência e epilepsia.
Segundo a Sociedade Brasileira de Medicina
Nuclear, a interrupção da produção de radiofármacos, usados em cerca de 2
milhões de procedimentos anuais, pode afetar até 10 mil pacientes/dia.
Embora alertado com antecedência, o governo
federal só liberou recursos emergenciais no dia 22. Porém a verba de R$ 19
milhões, conquanto permita a retomada da produção, esperada para o dia 1º, é
suficiente para apenas mais duas semanas de atividades.
O episódio, para além do drama humano que o
cerca, exemplifica também o desleixo com que governo e Congresso tratam a
elaboração do Orçamento.
Aprovada com grande atraso, a peça trazia
desde o início previsão de recursos sabidamente insuficiente para garantir a
produção anual do instituto —exemplo da incapacidade de Executivo e Legislativo
de estabelecer um planejamento realista para as despesas federais.
Como se não bastasse, só no final de agosto
o governo enviou ao Congresso projeto para a concessão de R$ 34 milhões extras
ao Ipen, o qual, até agora, não foi votado. Serão necessários, ademais, outros
R$ 55 milhões para garantir as operações até o fim do ano.
A recomposição das verbas é o mínimo neste
momento. Fundamental é que governantes e legisladores compreendam que, para
certas atividades, a previsibilidade orçamentária é, literalmente, vital.
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