O Estado de S. Paulo
Não se trata do que Bolsonaro fez ou deixou de fazer, mas do que simplesmente destruiu
A tentativa de se aplicar a régua dos mil
dias para celebrações demonstrou o que se esperava. O governo Jair Bolsonaro
nada tem a festejar. Não há fatos, inspiração relevante ou oscilação dos
gráficos que não sejam lamentáveis.
Os historiadores, um dia, se ocuparão do
legado de Bolsonaro, suas ações e omissões. Os brasileiros, hoje, se ocupam de
sobreviver entre os escombros a que o País está sendo reduzido.
Bolsonaro provocou a deterioração de
setores e atividades que até então resistiam ao pessimismo. A começar pela
política externa, reduzida a improvisações circenses.
Sua visão reacionária caracteriza a política ambiental, renega os conceitos científicos da saúde, desestabiliza o sistema educacional e inibe as manifestações da cultura.
Não se trata do que fez ou deixou de fazer
nestas áreas, mas do que simplesmente destruiu. As sucessivas trocas de
ministros demonstraram a ausência de compromisso com ideias: foram dois das Relações
Exteriores, dois do Meio Ambiente, quatro da Saúde, quatro da Educação, quatro
da Cultura. Todos esquecíveis.
A recente declaração brasileira na 76.ª
Assembleia-geral da ONU mostrou a incoerência e o primarismo da visão do mundo
que o governo pratica. Bolsonaro não quer saber se a China é o maior parceiro
comercial ou se a França exprime conquistas civilizatórias. Despreza o
laboratório americano Pfizer tanto quanto achincalha os chineses do Sinovac. A
desestabilização das relações internacionais repete-se em cada decisão. Com a
mesma ignorância, sem considerar os interesses nacionais.
O caos em que transformou a política
ambiental despertou, às vésperas da conferência da ONU sobre mudanças
climáticas, em Glasgow, a reação do empresariado. Até a economia se deu conta
do risco do isolacionismo e da contaminação do meio ambiente aos seus
fundamentos. O governo promete um programa de desenvolvimento verde para se
recuperar da imagem de destruidor, desmatador e incendiário que construiu. A
conferir se ainda terá crédito.
Na Saúde, a negação da ciência acentuou o
obscurantismo. Bolsonaro viveu a pandemia como quem sai a passeio. São 600 mil
vidas perdidas e o presidente ironizando os que obedecem a medidas de proteção
universais. Transferiu a subalternos responsabilidade de liderança que devia
exercer. Agravou a doença com a charlatanice de remédios letais. Contestou as
vacinas.
O presidente nem sequer imaginou a
gravidade da desmontagem que promoveu no Ministério da Saúde, cortando a
influência de suas equipes técnicas. Entregou a um grupo de militares, pelo
maior tempo da sua milhagem, a gestão para a qual não estavam preparados. Além
do amadorismo, permitiu que ali se instalasse uma rede criminosa de corrupção.
Na Educação, em que se experimentaram
saudáveis propostas – no governo Fernando Henrique, com Paulo Renato, e no
governo Lula, com Cristovam Buarque –, ocorreu um esvaziamento cruel.
Brasileiros de todas as idades foram prejudicados na sua progressão escolar. O
MEC foi reduzido a salão de treinamento dos preceitos obsoletos da indigente
seita olavista, alternativa que evoluiu para o obscurantismo religioso.
A ausência do governo nas difíceis
tentativas de solução para garantir a educação de todos durante a pandemia é um
dos fracassos mais terríveis, com um desfecho recente inacreditável: a
imposição de propaganda do governo na rede da internet que finalmente fará
chegar às escolas. Professores, estudantes, famílias ficaram abandonados à
própria sorte.
Na área da Cultura, deu-se a destruição
moral, ética, ideológica e funcional dos órgãos culturais e a obstrução da
criatividade artística. O moralismo e os sentimentos de vingança dominaram a
ação dos que geriram o incentivo do governo às artes em todas as suas expressões.
Bolsonaro transformou o Brasil em um lugar
inseguro para todos, notadamente para os que pensam.
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