O Globo
O mundo inteiro está crescendo este ano e o
Brasil também, mas menos do que o mundo. A recuperação continuará no ano que
vem e o Brasil crescerá menos até do que o Japão. Todos os países enfrentam
pressão inflacionária, mas os nossos índices estão em patamar muito mais
elevado. Pelo relatório do FMI, estamos em situação pior do que a de outros
países. Os erros que o governo cometeu estão cobrando a sua conta.
Pelos números do World Economic Outlook, o mundo cresce 5,9%, este ano, os países emergentes, 6,4%, e a América Latina, 6,3%. O Brasil, por essa previsão, vai terminar o ano crescendo 5,2%. No ano que vem, esse descompasso fica mais patente. O mundo crescerá 4,9%, os países emergentes, 5,1%, a América Latina, 3%, e o Brasil, apenas 1,5%.
A versão que o ministro Paulo Guedes faz do
desempenho da economia brasileira não conversa com os dados. Ele disse, em
entrevista à CNN internacional, que o Brasil está se recuperando mais rápido do
que a média. Não por esses números do FMI. Disse que o governo digitalizou 68
milhões de pessoas. Ter uma conta digital na Caixa não é ser digital. Por falta
de internet, crianças ficaram sem estudar nas escolas públicas, por exemplo.
Paulo Guedes refutou como “barulho político” a afirmação da entrevistadora de que
o governo brasileiro privilegiou a abertura da economia às vidas humanas. “Nós
fizemos a escolha certa, preservamos a vida humana e praticamos o
distanciamento social”, afirmou Paulo Guedes. Segundo ele, o governo primeiro
adotou o distanciamento, depois a vacinação em massa.
Onde colocar nessa versão as pressões
diárias de Bolsonaro contra o distanciamento social, a recusa às medidas de
proteção, a campanha antivacina, os ataques ao STF que estaria tirando dele o
poder de manter a economia aberta e aos estados e municípios que fizeram o
isolamento?
O ministro disse que a inflação é um
fenômeno mundial. É mesmo, só que o mundo está com alta de preços em patamares
de 4% a 5%. O Brasil está em dois dígitos. Se não estamos crescendo mais do que
outros países, se o nosso mercado de trabalho está tão cheio de desempregados,
por que a nossa inflação é maior? Sem o fator Bolsonaro, não se entende a
inflação brasileira. Há uma crise de energia no mundo pela escassez de carvão,
provocada pela necessidade da China de reduzir sua dependência da mais fóssil
das fontes de energia. Não é o nosso caso.
O que está elevando os preços de energia no
Brasil é, em primeiro lugar, a crise hídrica. Ela foi mal gerida. As medidas
tomadas para conter a demanda foram tardias e insuficientes. Para suprir a
falta da energia hidráulica, o governo acionou as térmicas que são caras e
sujas e ficaram mais caras pela alta do petróleo.
A instabilidade provocada pelo presidente é
parte fundamental da alta do dólar. Afinal, o Brasil é exportador de
commodities e elas estão em alta. Quando isso acontece, o país recebe mais
dólares, e o câmbio fica mais baixo. Apesar disso, o dólar sobe e está afetando
todos os preços, dos combustíveis aos alimentos, das embalagens aos remédios.
O distanciamento em relação aos fatos, o
ministro praticou também na área ambiental. Guedes anunciou um pacote verde de
US$ 2,5 bilhões. “Nós sabemos que o futuro é verde”, disse. O Ministério da
Economia mandou recentemente para o Ministério do Meio Ambiente uma lista de absurdos
que vão do pedido para se permitir desmatamento na Mata Atlântica, à extinção
do já esvaziado Conama.
O FMI recomendou que a recuperação da
economia pós-pandemia seja estimulada através de investimentos em ciência e
inovação, exatamente o setor que agora enfrentou a tesoura afiada do Ministério
da Economia, com o corte de R$ 690 bilhões.
No final da entrevista, a apresentadora
Julia Chatterley, do programa “First Move”, perguntou sobre a empresa dele num
paraíso fiscal. Paulo Guedes disse que perdeu “quatro a cinco vezes o valor
dessa empresa ao ir para o governo”. Uma informação espantosa, levando-se em
conta que havia US$ 9,5 milhões nessa empresa. Teria perdido US$ 50 milhões?
Sobre os fatos da economia, o ministro se distancia da realidade, sobre os da
sua vida financeira, ele, como eu já disse aqui, tem o ônus de dar explicações
claras e convincentes.
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