quinta-feira, 14 de outubro de 2021

Míriam Leitão - O Brasil está pior do que o mundo

O Globo

O mundo inteiro está crescendo este ano e o Brasil também, mas menos do que o mundo. A recuperação continuará no ano que vem e o Brasil crescerá menos até do que o Japão. Todos os países enfrentam pressão inflacionária, mas os nossos índices estão em patamar muito mais elevado. Pelo relatório do FMI, estamos em situação pior do que a de outros países. Os erros que o governo cometeu estão cobrando a sua conta.

Pelos números do World Economic Outlook, o mundo cresce 5,9%, este ano, os países emergentes, 6,4%, e a América Latina, 6,3%. O Brasil, por essa previsão, vai terminar o ano crescendo 5,2%. No ano que vem, esse descompasso fica mais patente. O mundo crescerá 4,9%, os países emergentes, 5,1%, a América Latina, 3%, e o Brasil, apenas 1,5%.

A versão que o ministro Paulo Guedes faz do desempenho da economia brasileira não conversa com os dados. Ele disse, em entrevista à CNN internacional, que o Brasil está se recuperando mais rápido do que a média. Não por esses números do FMI. Disse que o governo digitalizou 68 milhões de pessoas. Ter uma conta digital na Caixa não é ser digital. Por falta de internet, crianças ficaram sem estudar nas escolas públicas, por exemplo. Paulo Guedes refutou como “barulho político” a afirmação da entrevistadora de que o governo brasileiro privilegiou a abertura da economia às vidas humanas. “Nós fizemos a escolha certa, preservamos a vida humana e praticamos o distanciamento social”, afirmou Paulo Guedes. Segundo ele, o governo primeiro adotou o distanciamento, depois a vacinação em massa.

Onde colocar nessa versão as pressões diárias de Bolsonaro contra o distanciamento social, a recusa às medidas de proteção, a campanha antivacina, os ataques ao STF que estaria tirando dele o poder de manter a economia aberta e aos estados e municípios que fizeram o isolamento?

O ministro disse que a inflação é um fenômeno mundial. É mesmo, só que o mundo está com alta de preços em patamares de 4% a 5%. O Brasil está em dois dígitos. Se não estamos crescendo mais do que outros países, se o nosso mercado de trabalho está tão cheio de desempregados, por que a nossa inflação é maior? Sem o fator Bolsonaro, não se entende a inflação brasileira. Há uma crise de energia no mundo pela escassez de carvão, provocada pela necessidade da China de reduzir sua dependência da mais fóssil das fontes de energia. Não é o nosso caso.

O que está elevando os preços de energia no Brasil é, em primeiro lugar, a crise hídrica. Ela foi mal gerida. As medidas tomadas para conter a demanda foram tardias e insuficientes. Para suprir a falta da energia hidráulica, o governo acionou as térmicas que são caras e sujas e ficaram mais caras pela alta do petróleo.

A instabilidade provocada pelo presidente é parte fundamental da alta do dólar. Afinal, o Brasil é exportador de commodities e elas estão em alta. Quando isso acontece, o país recebe mais dólares, e o câmbio fica mais baixo. Apesar disso, o dólar sobe e está afetando todos os preços, dos combustíveis aos alimentos, das embalagens aos remédios.

O distanciamento em relação aos fatos, o ministro praticou também na área ambiental. Guedes anunciou um pacote verde de US$ 2,5 bilhões. “Nós sabemos que o futuro é verde”, disse. O Ministério da Economia mandou recentemente para o Ministério do Meio Ambiente uma lista de absurdos que vão do pedido para se permitir desmatamento na Mata Atlântica, à extinção do já esvaziado Conama.

O FMI recomendou que a recuperação da economia pós-pandemia seja estimulada através de investimentos em ciência e inovação, exatamente o setor que agora enfrentou a tesoura afiada do Ministério da Economia, com o corte de R$ 690 bilhões.

No final da entrevista, a apresentadora Julia Chatterley, do programa “First Move”, perguntou sobre a empresa dele num paraíso fiscal. Paulo Guedes disse que perdeu “quatro a cinco vezes o valor dessa empresa ao ir para o governo”. Uma informação espantosa, levando-se em conta que havia US$ 9,5 milhões nessa empresa. Teria perdido US$ 50 milhões? Sobre os fatos da economia, o ministro se distancia da realidade, sobre os da sua vida financeira, ele, como eu já disse aqui, tem o ônus de dar explicações claras e convincentes.

 

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