Valor Econômico
Mais do que uma decorrência do arranjo
vigente, o que está em curso no controle do MP é um novo pacto institucional do
qual o próximo presidente pode vir a ser a principal vítima
Duas das iniciativas mais vistosas do
Supremo e do Congresso desde a posse do presidente Jair Bolsonaro, o inquérito
das “fake news” e a CPI da Covid, se deram, em grande parte, no exercício de
funções inerentes ao Ministério Público. Talvez por isso a desidratação do MP
hoje em curso no Congresso apareceu como uma adaptação da espécie ao seu
habitat. Mais do que uma decorrência do arranjo vigente, porém, o que está em
curso é um novo pacto institucional do qual o próximo presidente a ser eleito
pode vir a ser a principal vítima.
Basta ver a força adquirida pelo STF e pelo
Congresso no relatório final do deputado Paulo Magalhães (PSD-BA). Ganham vagas
na composição de um Conselho Nacional do Ministério Público que passa a ter o
completo controle sobre os atos dos integrantes da corporação. Se a
inexistência de controle franqueou a politização da corporação, aquele que
agora lhe é proposto tampouco lhe permite cumprir suas funções constitucionais.
A politização do MP foi, até muito recentemente, um processo que teve a anuência das duas instituições que agora se arvoram a controlá-lo. O Supremo anuiu ao validar, por exemplo, o impedimento da nomeação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva à Casa Civil. Foi decorrência da quebra de sigilo telefônico da ex-presidente Dilma Rousseff pedida por um procurador da República e decidida por um juiz federal. E o Congresso também deu anuência aos desmandos da Lava-Jato ao cassar o mandato daquela presidente.
A realidade supera a ficção para além do
bolsonarismo. Agora ambas as instituições se arvoram em seus poderes sobre o MP
a partir de um projeto cuja iniciativa original nasceu de um partido apeado do
poder pelo impeachment.
Como tudo no Congresso, o que era um
cabresto virou uma focinheira com enforcador. Para se aquilatar a ameaça que
esta aliança entre Congresso e Supremo traz para o próximo presidente tome-se,
por exemplo, o que se passa com o Orçamento. Para exercer o poder a lhe ser
conferido pelas urnas, o presidente precisará resgatar o governo das mãos do
Congresso. Por mais parlamentares que eleja, as bancadas não trocarão nenhum
ministério pelo poder de deliberar, sem dar satisfação a ninguém, sobre R$ 18,5
bilhões apenas em emendas de relator.
A única saída será recorrer ao Supremo,
Corte onde dormitam em sono profundo duas ações pela inconstitucionalidade
dessas emendas. Se o controle sobre o MP estivesse em pauta neste futuro
próximo, o Executivo teria mais meios para repactuar as atribuições. Que o
partido do candidato que lidera as pesquisas tenha tomado a iniciativa da pauta
só demonstra que despreza as armadilhas do futuro ou se deixou cegar pela ânsia
de vingança.
É claro que tem alguma coisa errada com um
sistema de controle que, das 52 representações contra o procurador Deltan
Dallagnol, dá curso a duas, sendo que uma delas foi suspensa pelo próprio
Supremo. É claro também que falta transparência, prestação de contas e até um
código de conduta e ética ao MP. A questão que se coloca é que a correção de
rumos se dá numa conjuntura desfavorável a um arranjo institucional mais
democrático.
CNMP e CNJ são irmãos gêmeos. Foram criados
em 2004 para exercer controle sobre duas instituições poderosas e não eleitas.
Se Deltan mal foi punido, o que dizer do ex-juiz Sergio Moro, que até candidato
a presidente será?
Ampliados, os números não deixam dúvidas:
tanto o controle do MP quanto o do Judiciário são imprestáveis, mas o CNJ
consegue ser pior. Entre 2005 a 2019, o CNMP instaurou 137% processos a mais
que seu congênere do Judiciário e aplicou um número 122% maior de penas, ainda
que apenas um décimo delas tenha levado a demissão ou perda de aposentadoria.
A conjuntura de ataques frontais do
presidente da República ao Supremo inibe quaisquer movimentos de correição
sobre a Corte. Pesquisa da FGV-SP deixou claro que a maioria da população vê no
Judiciário uma salvaguarda de seus direitos e interesses. A atuação em defesa
da ciência e da federação ao longo da pandemia reforçou a centralidade da
instituição para a democracia.
Mas se é preciso se curvar às evidências de
que a correlação de forças é desfavorável a reformas institucionais, qual é a
razão de se levar adiante a correição do MP? Se for vingança, quente ou fria,
só pode dar indigestão.
Basta olhar para o que se passa com a
indicação do ex-advogado-geral da União ao Supremo. A pressa do Congresso em
arrochar o controle sobre o MP é inversamente proporcional ao ritmo com o qual
tramita a indicação de André Mendonça. Os mesmos partidários das mudanças
imediatas no CNMP não vêm problema em deixar a Corte desfalcada até 2023.
Querem maximizar os ganhos possíveis na conjuntura sem concessões a um governo
moribundo.
Nada melhor para o Congresso a ser eleito
do que ter o poder de chancelar uma vaga dessas. É um meio de se fortalecer
frente ao banho de legitimidade que qualquer presidente, saído das urnas, terá
na relação com o Legislativo. O Congresso que já tem o Orçamento na mão ruma
para ter uma vaga no STF logo de saída sem o incômodo de negociar o controle do
MP.
Pato manco
A percepção de que André Mendonça é vítima
mais dos problemas de Bolsonaro do que dos seus próprios nunca foi tão real. E
se tornou ainda maior com a iminência da entrada de Moro na disputa eleitoral.
No entorno do presidente, avalia-se que o potencial de votos que o ex-juiz é
capaz de tirar do eleitorado lavajatista de Bolsonaro somado ao eleitor das
pautas identitárias que uma eventual candidatura Eduardo Leite roubaria de Lula
já seriam suficientes para tirar o presidente do segundo turno.
Vem daí, em grande parte, a pressão para a
sabatina num momento em que Bolsonaro ainda é projeto de pato manco. Se perder
as lideranças evangélicas que estão penduradas na vaga, pode enfrentar uma
inexorável mutação de ordem animal.
Mais do que o plenário, o maior obstáculo é
o presidente da CCJ, Davi Alcolumbre (AP-DEM). De tanto obstruir a indicação, o
senador passou a enxergar em Mendonça a miragem de um ministro disposto a se
vingar daquele que lhe impôs a humilhação da espera.
Nenhum comentário:
Postar um comentário