quinta-feira, 14 de outubro de 2021

Cristiano Romero - 2014-2020: a mais longa crise

Valor Econômico

País sofre consequências da polarização política

Nunca a economia brasileira teve tanta dificuldade para se recuperar de uma crise. Há longos sete anos não sabemos o que é crescer, somos uma espécie de "país caranguejo": só andamos para trás. Apesar da gravidade do momento, nunca a sociedade esteve tão dividida e, politicamente, dominada pelos pólos do espectro político, contrariando a velha tradição nacional de se caminhar pelo centro, onde, em tese, está representada a maioria dos brasileiros.

Até a eleição de Jair Bolsonaro (sem partido), asseverávamos que extremistas jamais chegariam à Presidência da República. Atribuíamos a um certo conservadorismo - ou a uma cordialidade “inata” - dos brasileiros a garantia de rejeição à direita e à esquerda radicais. Lembrávamo-nos de que Luiz Inácio Lula da Silva (PT) disputou quatro três eleições antes de chegar lá com imagem e discurso despojados de “radicalismo”.

Ainda há quem acredite na tese de que a inacreditável ascensão de Bolsonaro ao poder máximo da República resultou da facada que o candidato sofreu há menos de um mês do pleito de 2018. Ao apostar nisso, embarcamos num tipo de negacionismo ainda mais tolo que o explorado pelo presidente, que nega a verdade indubitável de um fato (a gravidade da covid-19) para fazer uso político disso (jogar a população contra governadores e prefeitos).

Aceitar a facada como explicação para a grande novidade de 2018 nos leva a dois raciocínios. O primeiro, correto, nos mostra que parcela significativa da população, embora longe de ser majoritária, algo próximo de 20% dos eleitores, cultiva valores de extrema direita projetados por Bolsonaro, como a homofobia, o preconceito contra as mulheres, aos negros e às minorias, a submissão do Estado laico a interesses religiosos, o culto às armas, a xenofobia, o isolacionismo geopolítico e o absoluto desrespeito à liturgia do cargo de presidente da República.

O outro raciocínio, equivocado, na opinião do titular desta coluna, nos leva a não pensar em todos os fatores que nos trouxeram aqui. Para os petistas mais à esquerda, o negacionismo se manifesta quando eles insistem em sustentar a tese de que a presidente Dilma Rousseff sofreu um golpe, do tipo que apeou João Goulart do cargo em 1964. É mais fácil pensar assim porque, desta forma, o militante se desobriga de refletir sobre os erros incríveis que sua presidente cometeu.

A verdade é que, antes de Bolsonaro, outro extremista da política chegou ao poder, embora a bordo de discurso e plataforma nada radicais - Dilma Rousseff. Esta “ganhou” a Presidência de presente de seu mentor, o então presidente Lula, que em 2010, último ano de seu segundo mandato, desfrutava de popularidade superior a 70%, prova de que a maioria absoluta da população aprovara o seu governo, ponto.

Uma vez eleita, Dilma despiu-se da fantasia que não lhe cabia e tratou de governar do jeito que considerou o mais adequado. Incrível mesmo foi Lula não ter desconfiado de que sua dileta auxiliar durante oito anos era uma ameaça ao seu legado presidencial. Que dura lição teve que encarar o líder petista, que, por isso mesmo, jamais fez um mea culpa, afinal, seria como confessar em praça pública que entregou o país a um quadro de seu partido para fazer um aceno à esquerda e, assim, fortalecer a polarização que começou a se esboçar durante a maior crise política de sua gestão - o mensalão.

Como tudo tem explicação, de 2014 a 2016, tivemos a Grande Recessão em consequência da impressionante série de equívocos cometidos pelo governo Dilma na desmontagem do arcabouço macroeconômico que a levará ao poder. O Produto Interno Bruto (PIB) avançou apenas 0,5% no primeiro ano do triênio maldito, antes de recuar 3,5% no seguinte e contrair mais 3,3% no terceiro; naquele período, a renda per capita encolheu cerca de 10% em termos reais.

Trata-se de uma tragédia para um país com quase 70 milhões de miseráveis (considerando-se o número de pessoas atendidas hoje pelo Bolsa Família, acrescido daqueles que estão na fila e ainda estão recebendo o auxílio emergencial) e mais de 100 milhões de pobres. Considerando-se o fato de que, nos três anos seguintes à recessão, a economia patinou - alta de 1,3% em 2017, de 1,8% em 2018 e de apenas 1,4% em 2019 - e justificadamente encolheu 4,1% em 2020 por causa da pandemia, temos, provavelmente, os piores sete anos da economia o brasileira, esta que, entre as décadas de 1950 e 1970, foi a que mais avançou, até então, na história da humanidade.

E o pior é que, novamente por culpa do próprio governo, devemos crescer neste ano, depois de termos ido ao fundo do poço no ano passado, abaixo do que se esperava. Há pouco mais de dois meses, o mercado esperava expansão de quase 6% em 2021. O ministro da Economia, Paulo Guedes, já está prevendo algo pouco acima de 4%.

Para o ano que vem, o ritmo volta ao “novo normal” inaugurado pelo pós-recessão de 2014-2016. E seguimos sem consenso político para sair disso.

 

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