EDITORIAIS
É hora de voltar à sala de aula
O Estado de S. Paulo
Tanto alunos como professores,
principalmente estes, devem superar resistências desarrazoadas e voltar às
escolas na data marcada. É o melhor para a sociedade.
Por determinação do governo de São Paulo,
os alunos das escolas públicas e privadas em todo o Estado terão de voltar às
aulas presenciais, obrigatoriamente, a partir da próxima segunda-feira. Não era
sem tempo. Muitos especialistas em saúde pública e educação vêm defendendo a
reabertura das escolas antes de outros estabelecimentos, seja porque são
ambientes onde é plenamente possível cumprir à risca as medidas preconizadas
pelas autoridades sanitárias, como distanciamento social, aferição de
temperatura e higienização local e pessoal, seja porque a função social das
escolas ganhou importância ainda maior em meio à tragédia que aprofundou a
perversa desigualdade entre os brasileiros.
A bem da verdade, a esmagadora maioria dos alunos da rede particular de ensino já frequenta as aulas presenciais há algum tempo. Na rede pública, no entanto, cerca de 30% dos alunos ainda não voltaram à sala de aula desde fevereiro, quando o retorno foi autorizado. As explicações para a ausência são muito particulares, mas, em geral, estão baseadas no medo de pais e responsáveis em expor as crianças e adolescentes ao coronavírus e na necessidade de muitos desses jovens em permanecer assistindo às aulas online, seja por comodidade, seja pela necessidade de trabalhar para complementar a renda familiar perdida no curso da pandemia.
Como determina o pacto federativo inscrito na
Constituição, cada município paulista tem autonomia para decidir se as escolas
da rede municipal de ensino voltarão a ter aulas presenciais obrigatórias.
Contudo, as escolas da rede estadual e da rede privada (exceto as que se
dedicam integralmente à educação infantil) não terão essa opção a partir do dia
18. É melhor assim. Já foi sobejamente demonstrado que a maioria dos alunos
perdeu muito com o ensino remoto, principalmente os alunos mais carentes,
muitos dos quais nem acesso à internet têm, para não falar da insegurança
alimentar.
A determinação da volta às aulas
presenciais também traz alguma segurança aos pais e responsáveis para planejar
suas vidas e adequar seu dia a dia ao retorno a uma relativa normalidade. São
tempos desafiadores para qualquer um, mas em especial para quem tem filhos em
idade escolar. Houve muitos avanços e recuos, impostos, como não haveria de
deixar de ser, pela própria dinâmica da disseminação do coronavírus, da
ocupação de leitos nos hospitais públicos e privados e do avanço da vacinação.
Sopesados todos esses fatores, o governo
paulista vai na direção correta ao determinar o retorno às aulas presenciais.
“A regra é: criança na escola todos os dias, e não alguns dias. A sociedade já
voltou, as pessoas estão tendo convivência mais aberta e é preciso priorizar a
educação, senão não vamos recuperar a aprendizagem”, disse ao Estado o
secretário estadual de Educação, Rossieli Soares. De acordo com o secretário,
poderão continuar assistindo às aulas remotamente apenas as crianças e
adolescentes que tenham ordens médicas para não frequentarem a escola. Por
determinação do governo paulista, a direção das escolas voltará a informar o
Conselho Tutelar sobre a frequência dos alunos.
Mas não basta determinar a volta
obrigatória às salas de aula. É preciso preparar as escolas para receber o
corpo docente e discente em sua integralidade. Para isso, deixará de ser
exigido o distanciamento de, no mínimo, 1 metro entre os alunos. As turmas que
foram divididas em grupos menores poderão se reagrupar. Outras medidas do
protocolo sanitário, como uso de máscaras e álcool em gel, permanecerão em
vigor.
Pelo tempo dedicado ao tema e a natureza
das medidas anunciadas, o governo paulista demonstra responsabilidade no
processo de retomada das aulas presenciais para todo o alunado. Tanto alunos
como professores, principalmente estes, devem superar resistências
desarrazoadas e voltar às escolas na data marcada. É o melhor para a sociedade.
Por sua vez, as autoridades estaduais devem estar dedicadas ao acompanhamento
desse bem-vindo retorno e agir com rapidez caso seja necessário um recuo. Oxalá
não seja.
O preço do desprezo à ciência
O Estado de S. Paulo
Governo mostrou não compreender que ciência é desenvolvimento, progresso e poder
Menos de um mês após o Instituto de
Pesquisas Energéticas e Nucleares (Ipen) ter sido obrigado a suspender a
importação de insumos para a produção de medicamentos para tratamento de câncer
por falta de recursos orçamentários, afetando com isso mais de 1,5 milhão de
pacientes, o Ministério da Economia reduziu em 87% as verbas para a área de
ciência e tecnologia.
Esses acontecimentos não são fatos isolados
e revelam não só o negacionismo científico do governo Bolsonaro em plena
pandemia, mas, também, o inconsequente desmanche do sistema científico do País.
O corte, de R$ 690 milhões para R$ 89,8 milhões, veio na sequência de uma série
de outros recentes absurdos. Um deles foi o colapso da Plataforma Lattes, do
Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPQ), que reúne
informações sobre trabalhos realizados por todos os pesquisadores brasileiros.
Outro absurdo foram os cortes dos recursos do Instituto Nacional de Pesquisas
Espaciais (Inpe), em plena crise de apagão nos reservatórios de água e de risco
de colapso energético. Entre outras atribuições, o Inpe é responsável pelos
programas de previsão meteorológica e de monitoramento de queimadas e emissão
de alertas climáticos.
Esses fatos mostram que, desde o início do
mandato do presidente Jair Bolsonaro, o Brasil não tem governo nem, muito
menos, estratégia. Nunca, como nestes últimos dois anos e dez meses, o País
esteve tão perdido do ponto vista das políticas industrial, de inovação, de
empreendedorismo, de saúde pública e de educação, as quais dependem de
investimentos em ciência e tecnologia para que possam ter sucesso. Se no tempo
da ditadura o desenvolvimento científico foi associado à pesquisa militar e à
área de informática, a partir da redemocratização ele se voltou a questões de
saúde, energia, meio ambiente, sustentabilidade. Em todos esses períodos não
faltaram recursos para as áreas de ciência e tecnologia. Elas foram dirigidas
por profissionais preparados, e não por um oficial da Aeronáutica de média
patente, como ocorre hoje. Reformado com apenas 43 anos, ele é conhecido apenas
por ter feito uma viagem ao espaço e por se submeter ao negacionismo de seu
superior, apesar da importância de seu Ministério para o futuro do País.
É por isso que dirigentes da Academia
Brasileira de Ciências, da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, da
Academia Nacional de Medicina e de entidades de outras áreas do conhecimento
técnico-científico classificaram o corte orçamentário de “criminoso”, uma vez
que o governo não respeitou a lei que proíbe o contingenciamento dos recursos
do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT). Esses
dirigentes também acusaram o Ministério da Economia de má-fé, por vir liberando
verbas constitucionais a conta-gotas, a fim de que o Ministério da Ciência,
Tecnologia e Inovações não tenha tempo hábil de gastá-las até o final de 2021.
“Esse dinheiro seria usado para recuperar parte da infraestrutura de
laboratórios e equipamentos de grande porte perdidos com os sucessivos cortes
de verbas, além de pesquisas de relevância ligadas ao enfrentamento da
pandemia”, afirmam eles, em nota de protesto.
Como no ano passado o governo investiu na
área um volume de recursos inferior ao que ela recebia em 2009, a situação da
ciência brasileira se tornou dramática. No campo da saúde, isso dificultará
ainda mais o combate à pandemia. No plano econômico, levará à perda da
produtividade do País, num momento em que as disputas no âmbito do comércio
globalizado são cada vez mais acirradas. No plano político, o desprezo pela
produção do conhecimento continuará impedindo a formação de uma política
científica capaz de embasar um projeto de futuro para o País. E, no plano
internacional, levará o Brasil a permanecer na posição de figurante na
geopolítica mundial.
Essas são as consequências nefastas
causadas aos brasileiros pelo governo Bolsonaro, incapaz de compreender que
ciência não é capricho, e sim desenvolvimento, progresso e poder.
Descompasso com o mundo
O Estado de S. Paulo
Projeções do FMI mostram de novo o País em
desvantagem no quadro global
Baixo crescimento, alta inflação,
desemprego elevado e dívida pública acima dos padrões dos emergentes dão ao
Brasil uma posição diferenciada entre seus pares, segundo estimativas do Fundo
Monetário Internacional (FMI). A recuperação global continua, mas com impulso
menor que o estimado em julho, num ambiente de maior incerteza, afetado pela
pandemia e com desempenhos muito desiguais entre países, segundo a Perspectiva
Econômica Mundial, principal relatório periódico do Fundo. As novas projeções
apontam crescimento de 5,9% em 2021 e 4,9% em 2022 para a economia mundial e de
5,2% e 1,5% para a brasileira. O pobre desempenho brasileiro tem muito a ver
com o mau uso de recursos públicos, bem exemplificado, nas notícias do dia a
dia, pelos escândalos do orçamento secreto e das emendas “cheque em branco”.
A expansão agora projetada para o Brasil,
neste ano, é pouco menor que a estimada em julho, de 5,3%. O desempenho
calculado para o próximo ano foi revisto de 1,9% para 1,5%. Os novos números
são muito parecidos com aqueles mostrados pela pesquisa Focus, conduzida no
mercado, semanalmente, pelo Banco Central (BC).
Ao comentar a piora das expectativas em
relação ao Brasil, a economista-chefe do FMI, Gita Gopinath, mencionou os
efeitos da alta de juros e a revisão, para baixo, do crescimento previsto para
os Estados Unidos, segundo maior parceiro comercial do País. Mas essas
explicações apenas dão conta de mudanças no curto prazo. As limitações
brasileiras são muito mais amplas e mais graves e aparecem há muito tempo nos
cálculos dos especialistas.
Baixo crescimento em 2022 e nos anos
seguintes apareceria nas projeções, certamente, mesmo sem o aperto monetário
promovido pelo BC e sem a perda de impulso – aliás, muito moderada – prevista
para a economia americana. Em 2026, de acordo com os cálculos do FMI, o Produto
Interno Bruto (PIB) do Brasil deverá aumentar apenas 2,1%. Taxas maiores são previstas
para outros emergentes, incluídos vários países da América Latina. A
desvantagem do Brasil em relação a seus pares de vários continentes vem sendo
apontada há vários anos por economistas do FMI e de outras instituições
multilaterais.
Essa diferença é explicável pelo menor
potencial produtivo do Brasil. Esse potencial é severamente limitado pelo baixo
investimento em máquinas, equipamentos e obras, pela escassez de inovação, pela
insuficiência do avanço tecnológico e pela carência de mão de obra em condições
de operar uma economia moderna. Pouca integração nas cadeias globais de
negócios, proteção excessiva, impostos pouco funcionais, entraves burocráticos,
orçamentos públicos muito rígidos e desperdício de recursos são componentes
desse quadro.
Estão previstos para o próximo ano R$ 3,4
bilhões em emendas “cheque em branco” – sem destinação transparente e sem
controle institucional. Isso é parte de uma rotina de uso ineficiente, e até
desastroso, de dinheiro público. Esse mau uso afeta a qualidade do gasto
governamental, limita o investimento produtivo, impede o desenvolvimento social
e restringe a modernização e o crescimento da economia. Em países mais bem
administrados, o setor público se endivida para financiar o desenvolvimento. No
Brasil, a maior parte da dívida pública tem origens menos nobres.
É preciso considerar a qualidade do gasto
oficial para avaliar com realismo a diferença entre a dívida pública do Brasil
e a dos demais emergentes. No Brasil, a dívida do governo geral deve passar de
90,6% do PIB em 2021 para 92,4% em 2026. Na média dos países emergentes e de
renda média a trajetória deve ser de 64,3% para 69,8%. Na média dos
latinoamericanos, o aumento será de 73% para 73,2%.
A economia brasileira tem piorado e a
deterioração acelerou-se a partir de 2019. O desemprego é um dos componentes
mais visíveis dessa piora. Em 2022, segundo o FMI, 13,1% dos trabalhadores
brasileiros estarão desocupados. O número é pouco menor que o da projeção
anterior, 13,2%, mas, se confirmado, garantirá o gran finale do mandato do
presidente Jair Bolsonaro.
Além da escola
Folha de S. Paulo
Volta à normalidade do ensino em SP é
bem-vinda, mas há que planejar aprendizado
O governo de São Paulo anunciou que todos
os estudantes das redes estadual e privada de ensino devem voltar
às salas de aula a partir da próxima semana —o que, obviamente,
é desejável.
Importa saber agora, sobretudo, se vão ser
adotadas as providências para fazer das escolas um ambiente seguro em termos
sanitários —e para recuperar os danos de um ano e meio de interrupção das
atividades escolares normais.
Os riscos de saúde diminuíram muito, embora
a reabertura quase total de atividades sociais e econômicas ainda exija
cautela. Os professores estão agora vacinados. Da população paulista com 12
anos ou mais, 72,4% haviam completado sua vacinação até terça (12).
Desde o início de setembro, morrem de
Covid-19 em torno de três pessoas de 19 anos ou menos por semana no estado,
todas menores de 1 ano ou com comorbidades. No junho terrível, eram ao menos
dez. Ao longo da epidemia, morreram 0,003% das pessoas nessa faixa etária;
acima de 70, foram 2%.
Cumpre considerar, de todo modo, que há
escolas sem ventilação e infraestrutura física ou sanitária adequada. Problemas
pedagógicos e de frequência são ainda maiores.
No Brasil, o número de crianças de 4 a 17
anos fora da escola passou de 1,1 milhão para 1,5 milhão de 2019 para 2020,
segundo dados da pesquisa amostral do IBGE compilados em estudo do Unicef.
Além do mais, cerca de 3,5 milhões de
estudantes não tiveram atividade escolar na semana anterior à da realização do
levantamento, de novembro de 2020.
Novos hábitos se desenvolveram: alguns
preferem o ensino a distância, outros tentam conciliar estudos com trabalho,
afazeres domésticos ou maternidade precoce.
É preciso procurar esses jovens, não apenas
esperar que voltem às escolas depois de ano e meio de experiências pessoais e
pedagógicas traumáticas ou frustrantes. De tal tarefa devem participar também
serviços de assistência, reforçados por campanha de matrículas.
Sem avaliação ampla, será ainda mais
difícil recuperar o atraso no aprendizado, entender a saúde mental dos jovens e
preparar programas de reforço e apoio. Na ausência desses planos e de outras
atividades que reforcem a ligação dos alunos com a escola, pode haver evasão
ainda maior.
A experiência forçada da educação básica a
distância evidenciou a precariedade digital. Em pesquisa da União Nacional dos
Dirigentes Municipais de Educação com apoio do Unicef, de fevereiro, 48,7% das
cidades registraram que seus estudantes tiveram muita dificuldade de acesso à
internet.
O uso da rede tem de ser estudado em busca
de melhor aprendizado e correção de iniquidades.
Devagar com o andor
Folha de S. Paulo
O controle do Ministério Público não deve
ser tratado com pressa nem como ataque
Reações exageradas têm prejudicado o debate
a respeito da proposta de emenda constitucional que altera a composição do
Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), órgão de fiscalização
administrativa, financeira e disciplinar da instituição.
Apresentada pelo deputado Paulo Teixeira
(PT-SP), a PEC tramita na Câmara com apoios na
esquerda e nas siglas do centrão —e veemente oposição de
procuradores, cuja associação nacional acusa o texto de pretender
solapar a autonomia do Ministério Público.
Relatada por Paulo Magalhães (PSD-BA), a
atual versão da proposta amplia de 14 para 15 o número de conselheiros do CNMP,
e de 2 para 4 o número de indicados pelo Legislativo no colegiado.
Neste grupo haveria um escolhido pela
Câmara e outro pelo Senado, como ocorre hoje. Além disso, cada Casa do
Congresso poderia escolher, alternadamente, um membro dos Ministérios Públicos
dos estados e da União, mais um magistrado apontado pelo Supremo Tribunal
Federal.
A maior presença de indicados por
parlamentares, por si só, é defensável —e pode representar contraponto saudável
a tendências corporativistas do CNMP e um mecanismo inibidor de abusos.
O texto do relator, porém, avança sobre
aspectos mais questionáveis e chega a uma formulação despropositada ao tratar
da possibilidade de o conselho, em sua nova configuração, rever ou
desconstituir atos “que constituam violação de dever funcional dos membros” ou
“quando se observar a utilização do cargo com o objetivo de se interferir na
ordem pública”.
Com redação tão genérica, o dispositivo de
fato pode abrir caminho para intimidações e cerceamentos do trabalho de
procuradores, em especial quando estiverem em jogo interesses influentes. Não
será surpresa se vier a ser retirado da PEC como forma de facilitar as
negociações congressuais.
Em qualquer hipótese, inexiste motivo para
uma tramitação apressada da matéria —e o açodamento tem sido uma marca da Câmara
sob o comando de Arthur Lira (PP-AL). É preciso cuidado para evitar que algum
ânimo revanchista ou interesseiro de parlamentares contamine a qualidade do
trabalho.
O aperfeiçoamento dos controles sobre o
Ministério Público se faz, sim, necessário —e a análise dos meios não deve ser
tratada como ataque espúrio à imprescindível autonomia da instituição.
Quadro fiscal é a principal causa do
crescimento pífio
O Globo
A deterioração do cenário econômico
brasileiro fica clara na nova rodada de previsões divulgada nesta semana pelo
Fundo Monetário Internacional (FMI). Na projeção de crescimento para o ano que
vem, o Brasil tem o pior desempenho entre todos os países de destaque: 1,5%,
ante 4,9% para a economia global, 5,1% para os países emergentes e 3% para a
América Latina. A previsão de alta no PIB brasileiro caiu 1,1 ponto percentual
desde o relatório de abril do FMI.
É possível elencar várias causas para a
situação: lentidão na recuperação depois da pandemia, ameaça inflacionária,
desvalorização cambial, timidez nas reformas do Estado e tantas outras. A
principal é a perda de confiança, perceptível na aversão do investidor a riscos
num quadro repleto de incertezas.
Ela decorre de um fator crítico: o
desequilíbrio fiscal renitente. A perspectiva é o Estado continuar a drenar
recursos do setor produtivo, consumidos pela insaciável máquina do
funcionalismo, pelas benesses cartoriais que mantêm vivos setores improdutivos
e pelo pequeno expediente da política — sem que sejam destinados a projetos
essenciais em áreas como educação, infraestrutura ou meio ambiente.
No cenário traçado pelo FMI, o governo
continuará no vermelho pelo menos até 2023, perfazendo uma década de déficits
cumulativos, que terão feito a dívida pública saltar de 60% para 92% do PIB. Em
todos os dez anos, o balanço negativo do governo (incluindo pagamento de juros)
terá superado 5,9% do PIB, quando girava em torno de metade disso antes de
2014.
A perda de confiança resulta do abandono
progressivo das âncoras que poderiam recobrar a sanidade nos gastos públicos. A
Lei de Responsabilidade Fiscal perdeu as garras e, no âmbito estadual, se
tornou uma peça de ficção. A “regra de ouro”, que impede o endividamento para
pagar despesas correntes, vem sendo burlada legalmente desde 2017. O mesmo
mecanismo — a burla legal — está prestes a ser implantado para o teto de gastos
por uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que prevê, na versão atual, um
limite de R$ 41 bilhões para pagamento de dívidas judiciais de maior valor, os
precatórios — e, para o resto, instaura um misto de calote e parcelamento.
Se a PEC dos Precatórios for aprovada, como
querem o governo e o Centrão para abrir espaço fiscal ao novo Auxílio Brasil,
representará o fim do teto de gastos. O efeito na trajetória da dívida pública
será desastroso. “O limite ora proposto, na prática, levará à criação de um
passivo com tendência exponencial de crescimento”, afirma comunicado da
Instituição Fiscal Independente (IFI), organismo apartidário ligado ao Senado.
“É particularmente alarmante a postergação de despesas obrigatórias, por
ensejar discussão a respeito dos outros gastos com natureza similar. A
transparência e a lógica do teto de gastos estão sob risco iminente.”
Mais alarmante é a absoluta ausência da
discussão sobre a situação fiscal crítica do país no programa dos
pré-candidatos à Presidência. À esquerda e à direita, as promessas de todos
traduzem a visão do Estado como gerador infinito de recursos para os projetos
mais mirabolantes. Ao mesmo tempo, a situação insustentável de um país que não
consegue avançar porque a classe política evita enfrentar o problema fica a
cada dia mais visível no crescimento baixo, no desemprego alto, na miséria e na
violência que assombram as ruas.
Congresso precisa derrubar veto de
Bolsonaro a projeto de absorventes
O Globo
É de uma insensibilidade estarrecedora o
veto do presidente Jair Bolsonaro ao projeto de lei que estipula a distribuição
gratuita de absorventes higiênicos a estudantes de baixa renda da rede pública,
a presidiárias e a mulheres que vivem nas ruas ou em situação de extrema
vulnerabilidade.
Bolsonaro alegou que o projeto aprovado
pelo Congresso não determina fonte de custeio e que a despesa real seria maior
que a divulgada (R$ 100 milhões). “Não é a cegonha que vai levar o absorvente
pelo Brasil todo, alguém tem que levar, fazer a logística disso”, afirmou
Bolsonaro, chamando a iniciativa pejorativamente de “auxílio modess”. Disse
ainda que, se o Congresso derrubar o veto, tirará dinheiro da Saúde e da
Educação. “Eu não posso sancionar uma coisa se não tiver fonte de recursos.
Recairia em crime de responsabilidade e estaria respondendo a um impeachment.”
A história não é bem assim. O projeto prevê
que as despesas para distribuição dos absorventes viriam da dotação
orçamentária do Sistema Único de Saúde (SUS), origem perfeitamente coerente. E
é curioso que a preocupação com o rigor fiscal — necessária, diga-se — seja
seletiva. Não está presente quando o governo dá pedaladas com os precatórios,
mantém as absurdas emendas do relator no Orçamento ou move mundos e fundos para
criar o eleitoreiro Auxílio Brasil.
Convém dizer que os parlamentares não estão
inventando nada. A discussão sobre “pobreza menstrual” se impõe no mundo
inteiro. Como mostrou reportagem do GLOBO, estima-se que 500 milhões de
mulheres e meninas em todo o planeta não tenham acesso a itens de higiene
adequados, a maioria em países de renda baixa e média. O problema tem impacto
direto na educação. Na África Subsaariana, meninas perdem até 20% do ano letivo,
e outras abandonam a escola devido a tabus sobre menstruação. Um relatório do
Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) aponta que, no Brasil, 713 mil
meninas não têm acesso a banheiro ou chuveiro em casa, e mais de 4 milhões não
dispõem de itens básicos de cuidados menstruais. A distribuição gratuita de
absorventes é política que vigora em países como Escócia e Quênia. No Brasil,
pelo menos 12 estados e o Distrito Federal já adotam a iniciativa em escolas
públicas.
Depois da repercussão negativa, a
Secretaria de Comunicação do Planalto (Secom) disse que, apesar dos vetos, o
governo federal trabalhará para a “aplicação dessa medida”, sem explicar o que
fará.
Os parlamentares precisam entender a importância da iniciativa e derrubar o veto de Bolsonaro, como sugeriu o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG). A questão não deve ficar restrita ao Congresso ou ao Planalto. Aproveitando a ampla repercussão, a sociedade também deveria se envolver. Fabricantes de absorventes poderiam fazer campanhas de distribuição gratuita para mulheres pobres. A mobilização dos cidadãos em torno da questão não seria em vão.
Para FMI, pandemia ainda ameaça recuperação
global
Valor Econômico
Há vasta oportunidade para que apareçam
cepas mais agressivas que driblem as vacinas disponíveis
Direta ou indiretamente, a covid-19 continua
sendo o maior risco para a continuidade da recuperação global, como se deprende
do Panorama Econômico Mundial, divulgado na terça pelo Fundo Monetário
Internacional. As perspectivas são boas, com crescimento global de 5,9% este
ano e 4,9% em 2022, mas o balanço de riscos está mais para “desapontador” do
que para “surpresas positivas” do lado da expansão. No caso do Brasil, o FMI
projeta avanço do PIB de 1,5% no ano que vem, o mais baixo de todas as
economias relevantes do relatório.
O risco do surgimento de novas variantes
mais contagiosas da covid-19 continua alto porque ainda que as nações
desenvolvidas e algumas emergentes tenham conseguido sucesso na vacinação em
massa, a maioria dos demais países segue sem imunizar parcelas substanciais da
população. “Mais da metade do mundo, 35% da população global, não está a
caminho dos 40% da vacinação ao fim de 2021”, registra o relatório. Ou seja, há
vasta oportunidade para que apareçam cepas mais agressivas que driblem as
vacinas disponíveis e ameacem os países com proteção vacinal significativa.
Outros riscos para a recuperação global são
em parte decorrentes dessa assimetria na imunização. Os desacertos entre oferta
e demanda, resultado direto da pandemia, prosseguirão 2022 adentro, e podem
piorar caso novos elos das cadeias de produção global se vejam às voltas com
lockdowns ou restrições sérias à mobilidade - como é o caso de países do
Sudeste asiático agora.
Estes descompassos entre oferta e demanda
estão empurrando a inflação para cima nos EUA, Europa e grandes emergentes,
como o Brasil, em uma intensidade que, se persistir, pode obrigar os principais
bancos centrais do mundo a reagirem, antecipando em relação ao previsto a
normalização monetária. Brasil e outros emergentes já subiram os juros, a Europa
e China ainda não estão perto desta fase, mas os EUA, sim.
Os EUA crescerão acima da média mundial
este ano e no próximo (6% e 5,2%) e em 2022 terão expansão de 3,3% acima de sua
capacidade potencial, com média anual de inflação de 4,5% em 2021 e 3,5% em
2022, bem acima da meta de 2%. O Fed já deu sinais de que começará a remover o
estímulo adicional concedido durante a pandemia ainda este ano, mas não é
seguro que possa continuar sendo comedido no ciclo de alta dos juros, caso o
cenário inflacionário ameace se desgarrar do antecipado.
As ameaças remanescentes também decorrem do
desarranjo pandêmico. As políticas ultrafrouxas com as quais foi combatido
provocou a superavaliação de uma série de ativos financeiros, criando situação
propícia à volatilidade, em especial diante do momento de transição da política
monetária e do quadro de inflação em alta. O Fundo se preocupa ainda com
agitações sociais, provocadas pelo aumento da desigualdade social exposta pela
pandemia e agravada por respostas inadequadas de muitos países. Por fim, há a
possibilidade de novos e mais adversos choques climáticos.
O Brasil não está mal na vacinação,
comparativamente, ainda que tenha demorado muito para iniciá-la por inação de
um governo negacionista. 70,17% tomaram uma dose da vacina e 46,7% completaram
sua imunização. Se os programas de suporte à economia estiveram entre os
maiores do mundo e impediram retração muito pior que a efetiva, a retirada dos
estímulos deixou o país não muito melhor do que na pré-pandemia - e, no caso do
desemprego, muito pior. O FMI rebaixou a expansão em 2022 a 1,5% e estima que
em 2026, daqui a 5 anos, o país deverá estar na mesma toada - crescerá 2,1%. A
inflação anual estimada é de 7,9% agora e 4% em 2022, um pouco acima da meta de
3,5% (e bem abaixo da pesquisa Focus), mas a média anual para o ano que vem é
maior, de 5,3%.
Se as condições financeiras externas
piorarem, como é provável, o real continuará se desvalorizando, o que deixa o
caminho aberto para a continuidade do repasse integral do choque de preços das
commodities para os preços domésticos. O FMI prevê pouco alívio em 2022. O
petróleo, que deve subir 59,1% em 2021, pode cair 1,8% em 2022, os alimentos,
com alta de 27,8%, aumentam 1,9%, e os metais, com 49,7% de avanço, ainda
evoluem 6,5%. O principal parceiro comercial brasileiro, a China, continuará a
crescer bem, 5,6%, mas ao menor ritmo em duas décadas. As condições externas
tendem a se tornar adversas, agravadas pelas domésticas, com uma eleição
agitada a caminho.
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