O Estado de S. Paulo
Fome por mais emendas parlamentares retarda
solução para novo programa social
A fome de deputados e senadores por emendas
parlamentares contrasta com a fome real dos brasileiros. Cerca de 20 milhões de
pessoas passam fome no Brasil, mas Brasília vive o Dia da Marmota repetindo o
que aconteceu nessa mesma época no ano passado.
Durante o processo de retomada da economia
depois do abalo da pandemia da covid-19, governo e aliados no Congresso
decidiram lançar, no segundo semestre de 2020, as bases de um novo programa
social com a marca Bolsonaro, o famigerado Renda Brasil.
Em coro, os governistas cantaram a
necessidade de desenhar um novo programa robusto para enfrentar o aumento da
miséria que chegou junto com a pandemia.
Nada aconteceu a não ser uma briga por emendas parlamentares. O ano de 2020 terminou junto com o auxílio emergencial. A pandemia se agravou, e o benefício foi prorrogado em escala menor a partir de abril desse ano, com cortes mensais dos beneficiários sem transparência do Ministério da Cidadania, como denuncia a Rede Brasileira de Renda Básica.
Desde o início da nova rodada, em abril, o
governo não divulga as informações que poderiam revelar o contingente de
pessoas que vem sendo retirado do programa. Dados essenciais, segundo a
diretora da Rede, Paola Carvalho, para preparar a transição do auxílio
emergencial para o novo programa social.
Chegamos agora ao último trimestre de 2021
no mesmo imbróglio e numa queda de braço da equipe econômica com a ala política
pelo espaço no Orçamento. O programa Renda Brasil virou Auxílio Brasil numa
medida provisória enviada no dia 9 de agosto, e que não define valores para o
novo programa pulverizado em vários tipos de benefícios. Políticos não
lideraram uma discussão ampla para melhorar o novo programa. Concentraram-se em
outras pautas do retrocesso.
Já se vão dois meses desde o envio da
proposta sem ter nada definido e com a repetição dos discursos políticos de que
a prioridade é o programa social do governo.
A verdade, porém, é outra. É a fome por
mais emendas parlamentares que está retardando a solução. A ganância de hoje é
ainda maior na véspera do ano eleitoral.
Já não basta mais o espaço de quase R$ 50
bilhões aberto para novos gastos em 2022 que será obtido com a aprovação da PEC
dos precatórios, proposta que adia o pagamento das despesas com sentenças
judiciais.
Com o impacto da inflação mais alta nas
despesas obrigatórias consumindo quase metade dos R$ 50 bilhões e com a eleição
pela frente, a solução política encontrada é dar um drible na regra fiscal para
prorrogar o auxílio emergencial com um tipo de crédito orçamentário que só pode
ser usado em caso de imprevisibilidade.
Como esse crédito não está sujeito ao teto
de gastos, sobrará mais espaço para emendas e todo tipo de obra eleitoreira que
pulveriza o ínfimo espaço para investimentos públicos realmente relevantes e
estruturantes.
O Ministério da Economia não aceita esse
caminho. A queda de braço se intensifica, ao mesmo tempo em que se aproxima o
fim do auxílio, no dia 31 de outubro.
Enquanto o mundo político alardeia empatia
e fala de urgência diante do quadro dramático vivido pela população de baixa
renda, as negociações de bastidores vêm para confundir mais com o festival de
propostas para driblar as regras fiscais.
Estão todos tentando ganhar tempo para
chegar o dia do fim do auxílio emergencial e emplacar a prorrogação, a saída
mais fácil e que mostra o tamanho da incompetência das autoridades e lideranças
políticas que tiveram mais de ano para decidir. É a aposta mais uma vez no
improviso, no mal feito.
A mobilização nos próximos dias por uma
solução urgente e eficiente precisa ser ainda maior do que a organizada depois
do veto do presidente Bolsonaro ao programa de distribuição de absorventes para
mulheres pobres.
“Quem se permite negociar a fome de milhões
de pessoas já expõe, de longe, um caráter absolutamente indigesto”, resume a
socióloga e conhecedora do Bolsa Família Leticia Bartholo, ao falar do quadro
político que rege a indefinição do programa. Não foi por falta de aviso. Com a
fome não dá para negociar. Contagem regressiva. Faltam 18 dias.
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