Valor Econômico
Não há mobilização por reajuste salarial do
servidor
As contas públicas estão melhores do que
indica a percepção dos mercados. O déficit primário transformou-se em um
superávit de R$ 14 bilhões no consolidado deste ano até setembro, com a ajuda
do gordo superávit de Estados e municípios. A inflação tem sido de grande ajuda
para essa performance e o governo tem “comprado” mais riscos para a política
fiscal do que seria recomendável. É isso que atormenta os agentes econômicos. O
projeto de lei do orçamento de 2022 foi enviado ao Congresso com uma
subestimativa de despesas de cerca de R$ 80 bilhões seja com o Bolsa Família,
com o impacto da inflação sobre os benefícios previdenciários ou com o
prognóstico de gastos com vacinas. A esse montante agrega-se demanda por um
lote de despesas que com certeza supera a margem de gastos permitida pela
Proposta de Emenda Constitucional nº 23, conhecida como a PEC dos precatórios.
Ao levantar a hipótese de reajustar os salários do funcionalismo federal, congelados há três anos, o presidente Jair Bolsonaro acrescentou mais um risco na lista de problemas identificados no Orçamento do próximo exercício. Há o temor de que os pagamentos dos precatórios virem uma bola de neve, a partir da PEC que parcela a dívida e joga prestações para o futuro. Há, ainda, uma gama de pedidos de aumento do gasto público, do vale-gás ao auxílio dos caminhoneiros, da prorrogação da desoneração da folha de salários para 17 setores por mais dois anos a emendas do relator e o fundo eleitoral.
O governo Bolsonaro tem sido duro com os
servidores, é verdade. É o único que não deu reajustes salariais. “Mas esse é
um assunto fora do radar e não há qualquer mobilização dos servidores para
entrar em greve por reajustes”, observa o economista Manoel Pires, do FGV Ibre.
É importante lembrar que, enquanto no setor privado milhões de trabalhadores
perderam o emprego, no setor público não tem demissão.
Se o governo aprovar um reajuste de 5%, que
corresponde à metade da inflação acumulada até agora, aumentará a despesa da
folha de salários em R$ 18 bilhões, estima ele.
O gasto com a folha de pagamentos, que
correspondia a 4,3% do PIB em 2020, caiu para 3,8% do PIB neste ano e, sem
reajuste em 2022, ficará em 3,7% do PIB, o menor valor da série histórica,
obtido por conta da corrosão inflacionária.
O ministro Paulo Guedes argumenta que, a
despeito de todas as pressões por aumento da despesa pública, ele vai entregar
a pasta da Economia, no fim de 2022, com um gasto menor do que herdou. Era de
19,5% do PIB e ele deve entregar em cerca de 18,5 % do PIB. Gostaria de
reduzi-lo para 17,5% do PIB, conforme seria se obedecesse estritamente a lei do
teto de gastos, mas não vai dar. Porém, uma queda no gasto público de um ponto
percentual do PIB nas circunstâncias em que está sendo feita, em meio à
recessão e a pandemia, se confirmada, não é nada desprezível.
Entre os emergentes, o Brasil é o país que
melhor performou nas contas primárias em relação a 2018 e a 2019, segundo dados
do Monitor Fiscal do Fundo Monetário Internacional (FMI) coletados pelo
economista.
Mas esses são os indicadores correntes, e o
mercado está apavorado é com o futuro, onde enxerga uma desordem fiscal.
Depois de todo o barulho para criar o
Auxílio Brasil no lugar do Bolsa Família e em substituição ao Auxílio
Emergencial, Bolsonaro está propondo uma queda importante do gasto social,
salienta Manoel Pires. Neste ano a soma do Auxílio Emergencial anualizado com o
Bolsa Família resulta em um gasto social de cerca de R$ 140 bilhões. Para o
próximo ano, a estimativa é de que esse gasto caia para a casa dos R$ 80
bilhões. Entre o universo de pessoas atendidas pelo Auxílio Emergencial e as 17
milhões de famílias que o novo programa pretende atender, muitos ficarão de
fora do benefício. Milhares de pessoas ficarão sem qualquer assistência social,
o que será devastador.
Dado que a inflação deverá ser superior a
que foi considerada para calcular as contas públicas, pressupondo uma taxa de
9,7%, o espaço fiscal dado pela PEC dos Precatórios sobe para R$ 106,8 bilhões
(sendo R$ 62,2 bilhões da mudança do teto e outros R$ 44,6 bilhões do adiamento
dos precatório), segundo o economista. Desse valor, R$ 51 bilhões estão
comprometidos com o pagamento do Auxílio Brasil, R$ 29,5 bilhões serão destinados
à correção dos benefícios da Previdência Social, seguro-desemprego, Benefícios
de Prestação Continuada (BPC) e abono salarial. E R$ 6,6 bilhões serão para a
ampliação dos mínimos constitucionais para saúde e educação.
Sobram R$ 19,6 bilhões para serem
disputados por reajuste dos servidores, desoneração da folha de 17 setores,
auxílio gás, emendas do relator, auxílio caminhoneiros e tudo o mais.
A demanda por gasto público é infinita e a
pressão sobre a panela orçamentária é crescente. Cabe ao governo estabelecer as
prioridades e por elas lutar no Congresso. Não faz o menor sentido, por
exemplo, deixar miseráveis sem nenhuma assistência para engordar as emendas do
relator, que é por si só uma excrecência, ou o fundo eleitoral. E algo está
muito errado quando a inflação deixa de ser um terrível problema para ser parte
da solução.
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