EDITORIAIS
Mais saneamento
Folha de S. Paulo
Dados dão sinais de que investimentos no
setor podem decolar com o novo marco
Pouco mais de um ano após a aprovação do
novo marco regulatório do saneamento, que abriu espaço para maior participação
do setor privado, há sinais de que o país poderá finalmente reverter décadas de
descaso com o setor.
Segundo dados do
Ministério da Economia, nos 12 meses encerrados em setembro a
carteira de novos projetos em fase de contratação no BNDES chegou a R$ 35,3
bilhões, algo como dez vezes o padrão que vigorava até 2019.
O financiamento privado por meio de
debêntures de infraestrutura, título de crédito que propicia isenção de Imposto
de Renda no rendimento para pessoas físicas, também disparou no mesmo período,
atingindo R$ 12 bilhões. Trata-se de um avanço notável ante média anual de R$
2,4 bilhões que vigorou entre 2013 e 2019.
As concessões recentes têm atraído forte
interesse, como evidenciado nas operações concluídas em Alagoas, no Amapá e no
Rio de Janeiro, que juntas geraram R$ 25 bilhões em outorgas e projetam investimentos
de R$ 47,3 bilhões ao longo da vigência dos contratos.
A partir de tais números, o país poderá se aproximar do patamar de investimentos observado internacionalmente. Entre 2000 e 2016 aportou-se no setor apenas 0,2% do Produto Interno Bruto ao ano, segundo o BNDES, metade do contabilizado na América Latina e menos de 20% da cifra chinesa.
Já não soa irreal, assim, a meta de universalização do acesso à água potável e de cobertura de 90% das residências com coleta e tratamento de esgoto até 2033.
As mudanças trazidas pelo novo marco, longe
de revolucionárias, são simples e sensatas —regulação da Agência Nacional de
Águas, exigência de sustentabilidade econômico-financeira das concessionárias,
competição com o setor privado e garantia de que áreas deficitárias sejam
atendidas com a formação de blocos regionais.
Chega a ser difícil conceber como tais
medidas levaram tanto tempo para serem aceitas no âmbito político, por
interesses paroquiais ou ideologia cega ao interesse da população até aqui
desassistida.
O sucesso ainda está longe de garantido,
porém. A regulação é nova e o fluxo de investimentos está apenas no começo. É
preciso especial atenção para que nenhuma região fique sem cobertura, objetivo
central da regulação.
Existe esse risco, dado que vários
municípios ainda resistem a participar, preferindo desenhar planos próprios que
podem se mostrar pouco eficientes. Nesse sentido, há muito o que fazer para
consolidar uma cultura de parceria federativa e transparência nos contratos.
Está claro, de todo modo, que o novo marco
tem potencial e não faltará dinheiro para bons projetos.
Europa em teste
Folha de S. Paulo
Crises sobrepostas envolvendo a Rússia
expõem as contradições do continente
Pela segunda vez no ano, os EUA acionaram
alertas máximos devido à movimentação de tropas russas em áreas próximas da
Ucrânia.
Ao mesmo tempo, Polônia e Lituânia, países
que integram a Otan (a aliança militar ocidental) e a União Europeia acusam
Moscou de estar por trás da crise na qual refugiados de países miseráveis são
atraídos à Belarus e estimulados a entrar ilegalmente no Leste Europeu.
Por fim, a Alemanha suspendeu a
certificação de um gasoduto ligando o território russo ao seu, amplamente visto
como um instrumento que dará mais poder a Vladimir Putin sobre o mercado
energético do qual é ator central na Europa.
Sobrepostas em camadas, essas crises formam
um tríptico coerente de embate geopolítico entre a sempre assertiva Rússia e o
Ocidente.
Não é filme novo, e a procura por culpados
os achará de ambos os lados. Em sua etapa atual, contudo, o sempre vilanizado
líder russo pode até ser acusado de explorar contradições europeias, mas
certamente não trabalha com matéria-prima fantasmagórica.
No caso ucraniano, Putin sugeriu nesta
quinta (18) que o Ocidente fabrica a crise ao aumentar sua atividade militar no
vizinho, em vez de buscar uma solução baseada nos acordos que tentaram colocar
fim ao choque entre Kiev e os separatistas pró-Rússia que controlam o leste do
país desde 2014.
Ele está certo, mas também é fato que a
anexação da Crimeia e a guerra civil congelada no leste são imperativos do
Kremlin, que não aceita a Ucrânia como parte da Otan, ameaçando suas
fronteiras.
Em Belarus, ainda que ajude a aliada a se
vingar das sanções ocidentais usando refugiados como armas, Moscou está correta
ao criticar os pesos e medidas diferentes de Bruxelas sobre imigração.
Na Polônia, quem ultrapassa a fronteira
está sujeito a desumanidades. A crise, de todo modo, baixou de tom com o início
de negociações lideradas pela UE —que precisa ser ativa se não quiser se
equivaler à ditadura brutal de Minsk.
Na questão do gás, a hipocrisia ocidental é
escancarada. Os dois ramais do sistema Nord Stream enfrentaram críticas há
anos, mas a necessidade europeia, alemã em particular, de garantir acesso ao
produto com bons preços sempre ultrapassou considerações geopolíticas. Deverá
ser assim novamente.
Putin segue como o vilão favorito do
Ocidente, embora seja um daqueles que expõem as contradições de seus oponentes.
Bagunça do Enem é ‘a cara do governo’
O Estado de S. Paulo
O caos no setor educacional, que afeta
milhões de estudantes, é projeto deliberado.
Depois que o presidente Jair Bolsonaro
voltou a criticar o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), na viagem ao Oriente
Médio, afirmando desta vez que o teste não mede conhecimento e é utilizado
apenas para “ativismo político e comportamental”, as provas marcadas para os
próximos dois domingos serão realizadas sob a sombra das lambanças do governo
em área tão sensível, que afeta milhões de estudantes e suas famílias.
Diante das suspeitas de que os
bolsonaristas tiveram alguma influência na elaboração do exame, a União
Brasileira dos Estudantes Secundaristas (Ubes) e a Educafro entraram na Justiça
para demandar o imediato afastamento de Danilo Dupas da presidência do
Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep), que é o órgão
responsável pela aplicação do Enem. A justificativa é que ele não tem mais
condições morais e administrativas para continuar no cargo. Além disso, a
Defensoria Pública da União (DPU) impetrou uma ação civil pública questionando
a competência de Dupas para evitar que as provas sejam afetadas por vazamentos,
fraudes e patrulhamento ideológico promovido pelo Palácio do Planalto. Por fim,
a educadora Maria Inês Fini, que foi a criadora do Enem, em 1998, endossou a
denúncia feita pelo corpo técnico do Inep de que teriam sido excluídas, sem
qualquer justificativa técnica, pelo menos 20 questões das provas.
Todas essas ocorrências obviamente deixam
inseguros os 3,1 milhões de alunos que prestarão as provas, maculando a imagem
do Enem, que é a principal porta de entrada nas universidades públicas. O
presidente Bolsonaro disse, orgulhoso, que o Enem agora tem a “cara do
governo”, e infelizmente tem mesmo: tudo o que o bolsonarismo toca é
desvirtuado, e mesmo uma instituição como esse respeitado exame ganha a
aparência de bagunça.
Com indicações desastrosas para os cargos
mais importantes da Educação, determinadas exclusivamente por critérios
ideológicos, o governo Bolsonaro encontra-se hoje paralisado por causa de um
confronto generalizado entre o Ministério da Educação (MEC), autarquias e
agências de fomento à pesquisa.
Sem experiência em administração pública, o
titular da Educação, um obscuro pastor presbiteriano, chegou a afirmar que “a
Universidade deveria ser para poucos”. Também disse que é importante “evitar a
inclusão, nas avaliações escolares, de questões que sejam peculiares a
determinados guetos ideológicos”, uma vez que elas “dão primazia para um grupo
já acostumado a determinada linguagem em detrimento da grande maioria do povo”.
E ainda tomou uma série de medidas insensatas, que desorganizam programas
educacionais já consolidados, como a exclusão de questões de gênero nos livros
didáticos distribuídos aos estudantes, e se omitiu na coordenação nacional do
retorno às aulas presenciais nas escolas públicas de ensino básico.
Mais grave ainda é a tentativa do MEC de
esvaziar o Inep, o que pode acabar comprometendo a realização do próximo Censo
da Educação Básica, com base no qual são calculadas as verbas repassadas ao
ensino público para distribuir a merenda escolar e pagar os salários de
professores. Deflagrado originariamente por razões ideológicas, o problema
ganhou corpo quando, sem nenhum propósito público, o ministro Milton Ribeiro
passou a esvaziar a autonomia desse órgão, que já está no seu quinto presidente
em quase três anos. Entre outras atribuições, o Inep avalia o nível de
aprendizagem dos alunos e a eficiência dos programas de ensino adotados pelo
Executivo. O problema é que Bolsonaro e Ribeiro insistem em tentar subordinar
os avaliadores a quem formula e implementa políticas educacionais, o que é uma
aberração em matéria de administração pública.
Em momento algum o presidente e o ministro
da Educação demonstraram estar preocupados com os estudantes que farão o Enem.
Prejudicados por essa sucessão de confusões às vésperas de uma prova que pode
decidir seu futuro, esses jovens estão vendo seu direito à aprendizagem ser
negado por um governo que vem arruinando o patrimônio educacional que o Brasil,
bem ou mal, conseguiu construir nas últimas décadas.
Nova ameaça europeia ao agronegócio
O Estado de S. Paulo
Com sua política antiambiental, o
presidente Jair Bolsonaro proporciona argumentos aos protecionistas europeus
Setor mais dinâmico, mais competitivo e
principal fonte de receita comercial do Brasil, o agronegócio está novamente
sob ameaça do protecionismo europeu. A Comissão Europeia anunciou a intenção de
proibir a importação de mercadorias produzidas em terras desmatadas. Segundo a
proposta, só entrarão no bloco bens originários de áreas com desmatamento zero
a partir de 1.º de janeiro de 2021. Brasil, Argentina e Paraguai foram citados
em nota como países onde tem sido registrada devastação de matas. Governos da
Europa têm sido receptivos às pressões protecionistas dos produtores do campo,
apoiadas por grupos de consumidores e organizações civis e respaldadas por
bandeiras ambientalistas e sanitárias.
A defesa do ambiente é apenas parte de uma
história mais complicada e claramente misturada, no lado europeu, com
interesses comerciais e obviamente político-eleitorais. No lançamento da Rodada
Doha de negociações comerciais, em 2001, negociadores da Europa tentaram, sem
sucesso, introduzir na pauta a consideração de temas como a proteção do
ambiente e da paisagem, uma forma de beneficiar mesmo os fazendeiros menos
produtivos.
Avanços em negociações ambientais, como o
Acordo de Paris, acabariam proporcionando mais argumentos aos defensores de
restrições ao comércio. A grande mudança nas condições do jogo, a partir de
2019, foi a implantação, em Brasília, de uma orientação antiambientalista e
contrária a valores cultuados internacionalmente.
A partir daí, os protecionistas,
principalmente europeus, passaram a ter o seu jogo facilitado – e aparentemente
legitimado – pelo presidente Jair Bolsonaro e por dois de seus auxiliares, o
ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, e o de Relações Exteriores, Ernesto
Araújo. Os dois ministros já foram substituídos, mas a mudança produziu efeitos
limitados.
O novo responsável pela gestão ambiental,
Joaquim Leite, tem sido apenas mais discreto que seu antecessor. É muito
difícil apontar qualquer mudança substantiva na orientação do Ministério e,
além disso, sua participação na COP-26, a cúpula do clima, em Glasgow, de nada
serviu para recompor a imagem do Brasil. A imagem de um país sujeito à livre
devastação de florestas e de outros biomas, criada e difundida a partir da ação
desastrosa do presidente Jair Bolsonaro, permanece e dificilmente será alterada
enquanto ele estiver no cargo.
A ação protecionista recém-anunciada pela Comissão
Europeia envolve o desmatamento ilegal e também o legal. Pode-se discutir se
esse amplo critério é compatível com o direito internacional, porque atropela o
poder de regulação de cada Estado soberano. Mas o argumento usado por
dirigentes da Comissão pode ser persuasivo para quem valoriza compromissos como
o Acordo de Paris. Respeitar o desmatamento legal pode ser um incentivo à
legalização de práticas anti-ambientais. Seria apenas um passo a mais, no caso
do presidente brasileiro, já acusado de estimular ações predatórias.
A modernização da agropecuária brasileira
ocorreu sem danos ambientais e com moderado aumento da área ocupada, graças ao
aumento da produção por hectare. Mas já se encontram produtores, de importância
marginal, invadindo áreas de florestas. Mesmo com participação muito limitada
na produção, esses fazendeiros proporcionam argumentos ao protecionismo
europeu. Além disso, lideranças do agronegócio têm declarado apoio ao
presidente Bolsonaro, sem restrições a sua política ambiental. Também esse tipo
de manifestação favorece os protecionistas.
Pode-se contestar legalmente, com base em normas internacionais, a imposição de barreiras ao comércio. Mas seria muito mais eficiente agir de acordo com os melhores padrões ambientais e evitar pretextos para conflito. De janeiro a outubro deste ano, o agronegócio faturou no comércio exterior US$ 102,36 bilhões. Esse valor recorde correspondeu a 43,4% das exportações totais do Brasil. A União Europeia absorveu 14,7% das vendas do setor e foi, entre os blocos, o segundo destino mais importante. Alguém deveria contar esses fatos ao presidente.
Escolha do PL para filiação exigirá
concessões de Bolsonaro
Valor Econômico
Costa Neto não construiu durante anos a fio
um partido para entregá-lo a quem sequer consegue formar um
O presidente Jair Bolsonaro é um candidato
mais que problemático, o que desavenças com o PL, partido de sua preferência
inicial para abrigar sua campanha à reeleição, mostram claramente. A ideologia
do presidente não é um problema para o cacique do PL, Valdemar Costa Neto, que
já se alinhou com Lula, Dilma, Temer e o fará com quem mais vier a ocupar o
Planalto. Da mesma forma, PP e Republicanos, que com o PL formam o núcleo do
Centrão, estão pouco preocupados com o que pensa um político que conhecem de
velhos carnavais. As questões centrais para essas máquinas partidárias são
poder, dinheiro e capacidade de formar bancadas decisivas no Congresso, isto é,
arrebatar votos. Os veteranos líderes das legendas fisiológicas estão receosos
com a incapacidade de Bolsonaro alavancar a votação de seus candidatos,
especialmente no Nordeste, onde as alianças das siglas vão em várias direções,
inclusive na de Lula.
Bolsonaro percebeu, o que não requer um
faro político notável, que não está mais em 2018 e que na próxima eleição
precisará do máximo de recursos e da maior exposição na TV que for possível -
ambas foram mínimas quando se elegeu presidente. Mas ele tem visão limitada e
uma estratégia errática. Bolsonaro afastou de si o PSL, hoje dono de um dos
maiores recursos do fundo eleitoral, depois de, com o seu prestígio, ter
elevado o número de parlamentares da legenda de meia dúzia de gatos pingados à
maior bancada na Câmara dos Deputados. Tentou mandar na legenda, não conseguiu
e, como sempre, aborreceu-se logo.
Bolsonaro também não é um agregador, quase
o contrário, e muito menos um organizador. Tentou criar sua Aliança pelo Brasil
e, por vários motivos, não conseguiu. Há 33 partidos no país e mais uma penca
pedindo registro. Mesmo na cadeira de presidente, com vários meios a sua
disposição, sequer foi capaz de por de pé uma legenda de aluguel, das muitas
que parasitam o parlamento brasileiro.
Após 28 anos como político, Bolsonaro
cismou que não precisava ter uma base de partidos que apoiassem seu governo. O
resultado foi um desastre e, com a ameaça de impeachment e com filhos
encrencados na Justiça, mudou de rota e terceirizou ao PP e PL a articulação
política, o domínio do orçamento e o comando da Câmara. Mesmo assim, o
presidente parece ter perdido o rumo, ou pelo menos a capacidade de ditar um a
seus experientes aliados - é dependente deles, e não o contrário.
Bolsonaro precisa de um partido para
concorrer, mas suas exigências parecem ser as de um líder com grande
popularidade e um bom governo a mostrar, quase o inverso da realidade. Suas
demandas são as mesmas que não conseguiu enfiar goela abaixo do PSL - o
controle total de diretórios importantes, alguns para colocar nas mãos de seus
filhos, e direito de escolha de candidatos em redutos como São Paulo, o
principal colégio eleitoral do país.
Costa Neto não construiu durante anos a fio
um partido para entregá-lo a quem sequer consegue formar um. Ele interrompeu o
“namoro” com Bolsonaro, que já tinha data marcada para filiação, para encontrar
uma forma de acolher o presidente sem desmanchar a rede de alianças regionais
montadas, que garantem a capilaridade da legenda e suas votações crescentes,
que a levaram a formar a terceira maior bancada no Congresso (antes da fusão do
PSL e com o DEM).
Após consultas aos líderes regionais, o PL
pode desembarcar da candidatura de Rodrigo Garcia (PSDB), ligado a João Doria,
não apenas porque Bolsonaro assim o quer, mas porque as pesquisas até agora
indicam que as chances de Garcia conquistar o Palácio dos Bandeirantes, por
enquanto, são remotas. No Nordeste, região que em peso rejeita Bolsonaro, nada
está ainda apalavrado e o presidente é um candidato tóxico. Atender a seus
pedidos, de que não se aliem aos partidos de esquerda, Lula à frente - esmagador
favorito na região - desestrutura os planos de crescimento da legenda no
Congresso. Há problemas na Bahia, Pernambuco, Piauí e outros Estados.
É um jogo da velha política e de Costa Neto, que pode fazer acordos simultâneos com Lula e com Bolsonaro, desde que o presidente seja razoável e perceba, se quer dinheiro e máquina de campanha terá de fazer mais concessões, além das que já faz ao Centrão na Câmara. Mas uma suposta troca ríspida de mails entre o presidente e Costa Neto, não confirmada, deixa em aberto a possibilidade de que Bolsonaro brigue com aliados e piore sua situação, como ocorreu várias vezes antes.
Veto ambiental da UE pode incentivar o
Brasil a reagir
O Globo
Embora tenha alta dose de hipocrisia e incoerência,
a proposta em estudo na União Europeia (UE) para que o bloco proíba a
importação de produtos oriundos de terras desmatadas pode funcionar como
incentivo para o Brasil tomar as medidas necessárias a conter a devastação da
Amazônia, que não cessa de quebrar novos recordes. De janeiro a outubro, o
desmatamento cresceu 33% na comparação com o período em 2020 — pior resultado
em dez anos. Nos 12 meses até julho, aumentou 22% ante os 12 meses anteriores e
passou de 13 mil km2 — pior número desde 2006, segundo o Inpe.
O documento elaborado pela Comissão
Europeia, braço executivo da UE, será enviado ao órgão que reúne os líderes dos
27 países e ao Parlamento Europeu. Se aprovada, a proposta prevê que, para que
seus produtos entrem no bloco, os exportadores terão de provar a produção em
terras não desmatadas, legal ou ilegalmente, depois de 31 de dezembro de 2020.
Hoje, de cada 100 quilos de carne importada pelo bloco, 21 saem do Brasil. Na
soja, a participação é de 39%. Trata-se, portanto, de questão crítica para o
agronegócio brasileiro.
Barrar importações de produtos agrícolas
com base na política ambiental é o mais novo capítulo na saga protecionista
europeia. Após a Segunda Guerra Mundial, quando teve início a integração da
região, a agricultura foi um dos pilares. O mote na época era segurança
alimentar. Sob o pretexto de garantir a comida na mesa, governos europeus
criaram impostos de importação altos, barreiras de todos os tipos, subsídios
para agricultores e preços mínimos, expressos na famigerada Política Agrícola
Comum (PAC). Produtores de fora do bloco são penalizados duas vezes. Primeiro,
não entram naquele mercado. Segundo, sofrem com a competição desleal dos
produtores europeus beneficiados pela mais escandalosa política de subsídios do
planeta.
Outro argumento usado em favor da proteção
é a ideia bizarra de que é necessário preservar o estilo de vida do campo (como
se o mesmo argumento não pudesse ser aplicado para o estilo de vida de
trabalhadores de todos os setores, inclusive os que a UE quer abrir para seus
produtos noutros mercados). Nas últimas décadas, a UE foi forçada a ceder.
Ainda assim, a PAC continua a consumir 35% de seu orçamento. Para os
protecionistas europeus, o apoio dos ambientalistas foi um presente dos céus. O
curioso é que a proposta da UE mira somente a agricultura. Ninguém fala em
proibir a importação de produtos industriais da China, cuja fonte de energia
são usinas movidas a carvão.
Incoerências à parte, não adianta
espernear. A pauta ambiental seguirá influenciando o comércio mundial, e é
urgente que o governo Bolsonaro entenda isso. Também é do interesse de todos os
brasileiros — com exceção de grupos criminosos de grileiros, garimpeiros e
madeireiros — acabar com o desmatamento ilegal. Temos muito a perder com os
transtornos provocados pelas mudanças climáticas. A própria agricultura sofrerá
com a transformação do regime de chuvas se a destruição não parar. Na 26ª
Conferência das Nações Unidas sobre o Clima (COP26), o Brasil se comprometeu a
zerar a perda de florestas até 2030. Mesmo torto na origem, o protecionismo
europeu pode acelerar o cumprimento dessa meta.
País precisa de políticas públicas para
conter crescimento de favelas
O Globo
Uma construção de três andares desabou na
noite de quarta-feira no Morro do Salgueiro, Zona Norte do Rio, matando um
morador e deixando outros três feridos, entre eles uma criança de 4 anos. A
tragédia chama a atenção para um problema que o Brasil não consegue resolver
década após década de sucessivos desastres: a quantidade colossal de moradias
precárias em áreas de risco. Segundo a Secretaria de Assistência Social, as
vítimas vieram do Rio Grande do Norte há quatro meses para tentar uma vida
melhor na capital fluminense.
Dados do IBGE mostram que o número de
favelas no Brasil dobrou na última década — foi de 6.329 para 13.151. Elas
também se espalharam mais. A quantidade de municípios com ocupações irregulares
subiu de 323 para 734 entre 2010 e 2019. Um levantamento do Projeto MapBiomas
divulgado no início do mês corrobora o crescimento das habitações precárias. De
acordo com a análise, feita com base em imagens de satélite, de 1985 a 2020 a
área ocupada por favelas no país dobrou.
A tendência tem raízes sociais evidentes:
crises econômicas, desemprego, deficiência crônica nos transportes, que obriga
moradores a buscar áreas próximas ao trabalho, políticas habitacionais falhas e
o populismo eleitoreiro que leva políticos a fazer vista grossa para ocupações
ilegais. Tudo isso fermenta a expansão desordenada.
O pouco-caso com problema tão grave deixa
cicatrizes. No estado do Rio, onde surgiu a primeira favela, no atual Morro da
Providência, são incontáveis as tragédias provocadas pelas chuvas. Em janeiro
de 2010, deslizamentos de terra no Centro de Angra dos Reis e na Ilha Grande,
Costa Verde fluminense, deixaram 53 mortos. Em abril daquele mesmo ano, uma
avalanche de lama no Morro do Bumba, em Niterói, soterrou 48 moradores — tardiamente
se viu que as casas tinham sido erguidas sobre uma montanha de lixo. O perigo
se estende a outros estados do país. No ano passado, as enxurradas deixaram
mais de 40 mortos na Baixada Santista.
Uma pesquisa do IBGE divulgada em 2018
revelou que 8,27 milhões de brasileiros em 872 municípios viviam em áreas de
risco. O levantamento, feito com dados do Censo e do Centro Nacional de
Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), mostrou que o maior
contingente desses domicílios está no Sudeste (4,26 milhões). Entre as
capitais, a situação é mais preocupante em Salvador (BA), onde 45,5% vivem em
áreas suscetíveis a deslizamentos ou enchentes.
A situação se torna mais preocupante num
cenário em que os fenômenos climáticos extremos, como as tempestades tropicais,
se tornaram mais intensos e frequentes. Governos federal, estaduais e
municipais precisam agir para conter o crescimento de favelas. É certo que não
existem soluções simples. Ninguém mora em área de risco porque quer. Mas é
necessário ao menos ter um plano para enfrentar o problema e políticas públicas
consistentes para executá-lo, que resistam às mudanças de governo. Não fazer
nada não é solução. Convém lembrar que as chuvas
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